O primeiro dia “oficial” do SONICBLAST arrancou com os PLEDGE, que fizeram soar a alvorada no Palco 3 e com uma boa assistência à frente apesar da hora a que começaram a tocar. Eram 14:40. De seguida, os MADMESS deram o toque para o que se julgava ser a tarde e, na verdade, o resto do dia, com uma mistura de psych e stoner, cheia de riffs e em vertente instrumental. Foi uma actuação bonito para grupo nacional. Por seu lado, os DEVIL AND THE ALMIGHTY BLUES fazem southern rock em tons negros, com um pregador a cantar blues como frontman. Acontece que são oriundos Oslo, na Noruega. Resultado da globalização, dirão alguns; universalismo da música, dirão outros tantos. E ainda se estava no início da jornada do primeiro dia. Arnt O. Andersen é carismático q.b. e acaba secundado por uma banda que sabe envergar o papel escolhido. Tal como outros grupos do cartaz, pisaram o palco pela primeira vez desde aquele maldito 2020 e são, definitivamente, uma banda a rever num clube mais pequeno ou em ambiente nocturno, porque o que fazem é uma óptima mistura de blues, gospel e rock, que deveria estar num ponto mais acima do cartaz. Os SLOMOSA arrancaram com menos uma guitarra e não acrescentaram muito à tarde ensolarada em que continuava a chegar gente para se registar no festival. Reposta a verdade das duas guitarras, sentiu-se o desequilíbrio visual. Anders Rørlien e Kristian Tvedt são rockers por natureza, enquanto a outra metade do grupo se revela bem mais calma. Continuaram a saga norueguesa da tarde, mas bem podiam ter tocado mais cedo. Rock pesado, aqui e ali a entrar no psych, com muito de desert rock pelo meio. Tocaram no dia certo, porém.
Os KING BUFFALO foram tão interessantes quanto coerentes. Embarcaram numa viagem pelo psych rock e desligaram ao fim do tema marcado. «The Burden Of Restlessness» foi, naturalmente visitado, escapando apenas «Locusts» e «Loam». Muito menos interessantes foram os MEATBODIES, três californianos que pouco adiantaram ao cartaz e talvez tenha sido, mesmo, a oferta mais fraca do dia. ‘We Intend To Cause Havoc’ é um documentário de 2019 sobre o movimento Zamrock que, nos 70s, surgiu na Zâmbia e colocou a palavra rock, em solo africano – e é também o significado de W.I.T.C.H., grupo formado em 1972 e que cessou actividades em 1980. Ressuscitado posteriormente em 2012, perdura até agora graças à dupla Emanyeo “Jagari” Chanda e Patrick Mwondela. Infelizmente, apenas Emanyeo pôde vir até à Duna do Caldeirão e fez sozinho a festa, juntamente com a banda que o acompanha. Para lá de muito interessante, o concerto foi a pedrada no charco de que o cartaz precisava para alargar fronteiras. Com um timing perfeito, ao pôr do Sol, a entrada dos músicos em palco, à vez, com o instrumental a soar no P.A., funcionou de forma sublime. Rock, aqui e ali mergulhando nas raízes da Zâmbia; um toque de prog rock, mas não do entedioso, fizeram o gáudio do público. Mostrando a criatividade para criarem um tema na hora, em cima do palco, actuaram para um público que, após o efeito novidade, se percebeu dividido entre sentir a música e fazer tempo para as próximas actuações. Feitas as contas, não é difícil perceber que foi um pedaço de história que passou pelo palco do SONICBLAST, esperando-se que a audiência tenha percebido isso.
Clássicos, reunidos recentemente e inevitáveis neste festival, eram os NEBULA. A banda de Eddie Glass é incontornável no movimento stoner e assinou um concerto em que se sentiu o peso da idade; afinal, já passaram mais de duas décadas sobre «To the Center». Mesmo assim, o grupo desfilou clássicos e novos temas extraídos do álbum «Transmission From Mothership Earth», como foi o caso de «Warzone Speedwulf» ou do própria tema-título, e também de «Holy Shit», como «Witching Hour». O final fez-se ao som da clássica «All The Way», num concerto interessante e que valeu pelo regresso do trio aos palcos do festival. Superbanda, dirão alguns; forma de revisitarem clássicos de outro nome maior, dirão outros. O que interessa é que os STÖNER reúnem dois antigos elementos dos lendários Kyuss, o guitarrista Brant Bjork e o baixista Nick Oliveri. Na bateria vinha Ryan Gut, que não escondia a excitação de acompanhar duas lendas do stoner. E sim, os solos de Bjork até podem ser fabulosos, mas é o baixo de Oliveri que cava aquele som monstruoso que só as bandas por onde passa conseguem ter. Obviamente que executaram temas dos seus dois álbuns de estúdio, mas claro que a visita aos clássicos era inevitável e soube bem ver o concerto terminar com «One Inch Man». Se um dia, a eterna novela Kyuss finalmente se resolver, por cá deviam tocar no SONICBLAST, mas até lá, resta ir saboreando as visitas ocasionais de elementos do colectivo nas suas diferentes conjugações estelares.
Uma das marcas deste evento é a distopia usada para encerrar noites e fazer suceder aos supostos cabeças-de-cartaz nomes inesperados, sendo que o hardcore crossover TOXIC SHOCK foi a receita para este dia. Já na noite anterior o quinteto tinha revelado energia, mas com um palco maior, o seu vocalista cresceu. Continuamente a apelar ao mosh, subindo às torres de som, esteve imparável. Uma força da natureza e a melhor performance em cena do festival até ao momento. Apesar de tudo, os belgas foram só a preparação para o terramoto sonoro que se revelaram os franceses SLIFT. O grupo vinha rotulado como stoner rock, mas faz muito mais que isso, por vezes ingressando no screamo, outras recordando o pós-hardcore dos At The Drive In. A origem francesa e os efeitos de luz em palco, tornam a comparação com os Gojira inevitável – para os fãs destes últimos, basta imaginar como seria o som dos irmãos Duplantier se acelerado à velocidade da luz e sujeito a doses imensas de adrenalina. Concerto do ano, diziam alguns; sem palavras, ficaram outros tantos. Avassalador apenas. «Hyperion» esteve presente nesta noite, bem como outros temas do grupo. A aguardar ansiosamente pelo seu regresso. Esse avalanche sonora fez os portugueses TRAVO soarem mais suaves do que realmente foram. Interessantes, merecem mais atenção, mas acabaram prejudicados pela hora tardia. O mesmo aconteceu ao supergrupo do underground portuense que dá pelo nome de COBRAFUMA. Misturando elementos dos Greengo, dos Plus Ultra e dos Killimanjaro, todos envolvidos em outros projectos, ingressa num thrash sujo, com laivos de power moderno. Um bom fecho de dia. E que dia.