SHANE MACGOWAN, a lenda do punk celta e reverenciado vocalista dos THE POGUES, faleceu aos 65 anos.
Shane Patrick Lysaght MacGowan nasceu a 25 de Dezembro de 1957. Esta foi a sua primeira data oficial de nascimento, uma vez que, duas décadas depois, voltaria a nascer, desta vez numa casa de banho da célebre Roundhouse, em Londres, durante um concerto dos RAMONES. Foi nessa ocasião que conheceu Peter “Spider” Stacy. Um excelente enquadramento para um “punk”, como afirmava Kirsty MacColl, num dos melhores single de Natal dos anos 80, «Fairytale Of New York».
“You scumbag, you maggot / You cheap lousy faggot / Happy Christmas your arse/ I pray God it’s our last”, cantava-lhe MacColl num tema que é o verdadeiro elogio a um Natal húmido e frio, na grande cidade, entre dois bêbados.
Shane MacGowan poderá ter sido forçado a abandonar os THE POGUES corria o ano 1991, mas a banda que fundou em 1977, juntamente com Peter “Spider” Stacy e Jem Finer, nunca saiu da sua imagem e, em particular, da sua vida. Tal como o álcool, os característicos dentes, os excessos e toda uma imagética e voz que o tornavam reconhecível a milhas.
De certa forma, encarnou, a partir dos anos 80, o lado menos rosa da música irlandesa, numa mistura de folk, rock e punk, que facilmente se cantaria num bar local, ao contrário do rock mais plástico e polido de uns U2. Talvez por isso, tivesse sido mais fácil aos THE POGUES cruzarem-se com os THE DUBLINERS, até porque o pai de Shane, emigrado em Londres, tinha nascido em Dublin.
Apesar das raízes punk, foi com as baladas de influência céltica que Shane MacGowan e os THE POGUES se tornaram conhecidos. Shane teve a capacidade de usar a melodia irlandesa para acamar letras ácidas e críticas, que lhe valeriam o epíteto de “um dos melhores letristas do século”, atribuído pelo gigante que foi Joe Strummer.
Aliás, seria Joe que, por breves meses, substituiria Shane na banda, quando este saiu. Joe partiria para fazer a sua própria versão dos THE POGUES, os MESCALEROS, um dos grupos que pode referir-se como influenciado por Shane. E basta escutar «Fiesta», um dos maiores êxitos dos irlandeses e um elogio ao sangue latino, para pensar quanto do grupo não existe num GOGOL BORDELO, por exemplo.
Com a saída do grupo que o levou ao sucesso e ao Top 5 britânico, o cantor cria os SHANE MACGOWAN AND THE POPES, colectivo com o qual gravaria quatro álbuns e que, depois, evoluiria para THE POPES. O grupo, onde inicialmente pontuava Danny Heatly, ex-THE EXPLOITED, era formado por amigos e, claro, por alguns companheiros de excessos. Várias mortes por overdose depois, Shane manteve-se imerso em problemas, com o grupo a prosseguir eventualmente sem o seu mentor.
Shane MacGowan regressaria em 2001 e ficaria até 2014, quando decidiram cessar funções. Os excessos e como se fizeram pagar na condição física do vocalista, pode sentir-se na tosse final de uma versão para «Waltzing Matilda». A diáspora irlandesa, a miséria das gerações que o antecederam, o elogio do modo de vida irlandês e a crítica ao domínio britânico, foram as suas influências.
Curiosamente, a sua banda nunca chegou a ser escolhida para a banda-sonora da popular série Peaky Blinders, com Nick Cave e Tom Waits a serem as primeiras escolhas, ambos com registos vocais próximos do de Shane.
Em 2015, em entrevista à Vice, MacGowan reiterava o fim do grupo. “Nós fomos amigos muitos anos antes de nos reunirmos numa banda”, explicava, lembrando que por vezes “ficavam fartos uns dos outros”. Na sua opinião, “seremos amigos desde que não entremos juntos em digressão”, explicando estar farto da estrada e detalhando como ela lhes tinha feito mal. Uma lendária digressão japonesa, em 1991, acelerou em muito os excessos do vocalista, marcando aí o seu declínio e, desde logo, a saída da banda.
Hoje, 30 de Novembro de 2023, o carismático cantor partiu definitivamente, a apenas 26 dias de mais um aniversário. Tinha sido diagnosticado no ano passado com uma encefalite e andava em internamentos sucessivos, receando-se o pior, que hoje se concretizou. Sóbrio, nas palavras da sua esposa, desde 2016, não foi a tempo de deixar o corpo ileso ao passado: uma queda em estúdio levaria a uma fractura que o ligou a uma cadeira de rodas, nos últimos anos.
Os apreciadores de excessos, de Nova Iorque ao Japão, passando por cada canto da Europa, e outros lugares, ficarão mais pobres, mas certamente não deixarão de erguer uma caneca. Para a memória, fica esta actuação de Shane MacGowan, em 1988, no Town And Country Club, em Londres. Afinal, aquela que era a sua cidade natal, como bom irlandês mergulhado na diáspora.