Cresceu em Almada, mas foi adoptado pelo Barreiro, onde se sente como peixe na água naquele ambiente de subúrbio operário, de ruas escuras e sujas. E foi nesta sua nova casa que trabalhou «Nez Txada skúru dentu skina na braku fundu», que traduzido à letra significa “Nesta achada escura na esquina num buraco fundo”. O terceiro trabalho dos Scúru Fitchádu segue uma linha conceptual, a começar na capa de Alan Alan e encontrando expressão na música e nas letras criadas. Como diz o próprio artista: “Esta é uma obra conceptualmente inspirada nos movimentos revolucionários pró-independência africana, nos seus intervenientes, nas suas diretrizes e legados culturais, sendo estabelecido um paralelismo desses mesmos valores com uma interpretação poética do atual espetro urbano.” Com esta nova abordagem veio uma aproximação às obras poéticas da referida luta pró-independência, mas também foi absorvida muita música feita no tempo da guerrilha de Angola e Guiné. E o que ganhou Scúru Fitchadú ao beber estas influências? Uma direcção mais experimental, mais ambiental, onde a ilusória calma é rasgada pela violência das palavras. Desengane-se quem pensa que Marcus Veiga, o mentor do projecto, amaciou, pois, as velhas influências ainda se mostram, seja a sujidade do punk, a veia electrónica, a velocidade do d-beat ou a cumplicidade do funaná. Conseguimos ouvir o peso dos Godflesh ou a soturnidade dos Mão Morta em contrapeso com os artistas malditos da música Cabo Verdiana.
O álbum começa com «Nez Txada Skuru» numa espécie de introdução muito ambiental e logo segue com «Manduku I Triviment» numa gáspea industrial com vocalizações de Belzebu! Em «Moku Na El» volta aos samples e a sonoridades mais tradicionais mas «Bakan» recupera a batida tribal num ambiento muito sombrio. O fantástico tema «Mar Brabu» conta com a participação de Cachupa Psicadélica e transmite uma calma que entra em contramão com a vocalização expressiva. O funaná está de volta em «Malizia Malizia» numa espécie de cruzamento entre o “velho” e o “novo” Scúru Fitchádu. «Strada Noti» é um tema cheio de groove com a ajuda de Henrique Silva (Acácia Maior). «Korre Manuel» tem cheiro e sabor a terra, onde o acordeão se funde com a campaniça de O Gajo, havendo ainda nova participação de Henrique Silva. Uma melancolia enche de forma sublime uma das melhores composições do disco. Continuamos para uma interessante e sucinta versão de «Maria» dos Mão Morta, logo seguida de «Ez Utopiaz» com uma cadência pesada e um compasso hipnótico, onde descortinamos ainda um sample de Allen Hallowen. Para fechar em beleza «Treinament» num registo dançante e com uma sonoridade clássica de Scúru Fitchádu.
Depois do EP de estreia «Scurú Fitchádu» e do primeiro álbum «Un Kuza Runhu», este novo longa-duração vem mostrar que Marcus não tem receio em arriscar e trilhar novos caminhos, num projecto que se preocupa tanto com a parte estética como com a veia musical ou a carga política e social. Se na componente lírica o assumir de uma posição contestatária se assume como um facto consumado, na parte musical houve realmente a coragem de enfrentar o óbvio, de adicionar uma nova oralidade e de encarar uma nova postura sonora. Um banho de realidade urbana. Um murro nos dentes vindo do submundo. [9]