Se a Oprah tem um, o gato do Amorim também.
Acabado de cá chegar a casa, tive de me agarrar a ele depois de afiar as garras na caixa de embrulho da Amazon, deixando um rasto de cartão pardo pela casa que alguém há-de aspirar. Confesso que estava algo ansioso para que este livro fosse editado e despachei-o em duas noites de ávida leitura. Não foi logo de uma assentada porque um gajo até tem obrigações como dormir, comer e lamber-se.
Respeito o Rex, apesar de ter nome de cão, e aplaudo a postura sóbria que sempre teve ao longo dos anos, especialmente na fase mais conturbada dos Pantera, a partir de 2001, e mesmo depois da tragédia de Alrosa Villa, a 8 de Dezembro de 2004. Mas a única sobriedade que Rex demonstrou ao longo dos anos foi mesmo na sua postura pública pois a sua sede sempre foi constante.
No fundo, «Official Truth» é a típica rock bio, e promete lançar polémica, dadas as revelações que apresenta nas suas cerca de 250 páginas. Começa com o baixista a recordar a situação da banda em 2004, em que o diálogo com Dimebag já tinha sido reatado mas haveria ainda muitas pontes para serem reconstruídas, até ao momento em que recebe a notícia da morte do seu amigo de longa data, passando para os dias seguintes com os serviços fúnebres e a sua fuga para o fundo de várias garrafas.
Depois volta atrás, recordando a sua infância, primeiras experiências musicais, formação e crescimento dos Pantera numa das maiores bandas do planeta. É aqui que reside a grande mais-valia deste livro, que retracta de forma fiel e honesta o seu percurso e relações entre os membros, imparáveis desde que um miúdo com 18 anos acabados de fazer, natural de New Orleans, de nome Phil Anselmo, se junta à banda de Arlington, Texas.
Muitas bandas iniciantes, e até já com carreiras feitas, são vítimas de contractos com cláusulas dúbias e que significam um prejuízo financeiro significativo. Os Pantera não foram excepção, sendo que neste caso o responsável foi Jeff Abbott, pai de Vinnie Paul e Dimebag Darrell, que encheu os bolsos enquanto pôde, inclusivamente de royalties de composição, até que Rex achou que teria de fazer alguma coisa perante a passividade dos dois irmãos.
A tensão crescente entre os elementos é bem explorada, com natural enfoque nos conhecidos problemas de Phil Anselmo com drogas, e Rex também é honesto em relação ao seu alcoolismo. O autor também não caiu no erro de endeusamento de Dimebag, fácil depois do seu trágico desaparecimento, referindo os desentendimentos que teve com ele ao longo dos anos. Já Vinnie Paul não sai nada bem na fotografia, chegando a ser ridicularizado. Além da sua teimosia e mau feitio insuportável (às vezes até para o irmão), pelas contas de Rex, o baterista devia facturar uma em cada dez groupies que levava para o tourbus. E é um cálculo muito optimista, segundo o autor. Se uma reconciliação já era difícil, creio que se tornou impossível depois deste livro.
A narrativa vai sendo pontuada por entrevistas a Rita Haney (viúva de Dime), Walter O’Brien (manager), Terry Date (produtor) e outras pessoas próximas de Rex ou dos Pantera. Embora seja interessante obter outra visão de um determinado assunto que esteja a ser abordado, corta um bocado o fluxo da coisa.
A participação nos Down também é falada, bem como a sua saída da banda. Rex fala de uma intervenção que foi alvo por parte dos restantes elementos, com o intuito de ir para rehab, com Jimmy Bower cheio de comprimidos, Kirk Windstein e Pepper Keenan tinham cheirado o Perú inteiro e Anselmo também estava com a moca de “alguma coisa”, que não especifica. Deve ter sido um cenário interessante, e foi este tipo de hipocrisia que Rex diz tê-lo feito decidir deixar os Down e nunca mais voltar a trabalhar com Phil Anselmo, com quem, apesar de tudo, conserva uma amizade e um pacto de não-agressão na imprensa.
No fundo é um livro interessante, que se lê quase de uma assentada, e demonstrativo do quanto é complicado estar numa banda de topo, pelo que não poderia deixar de fazer parte aqui deste clube.