Com quase 50 anos de carreira como pano de fundo, mas com a novidade «Hell, Fire and Damnation» na mira, estivemos à conversa com BIFF BYFORD, o eterno vocalista dos SAXON.
As lendas britânicas do heavy metal SAXON lançaram o seu 24.º álbum de estúdio, intitulado «Hell, Fire And Damnation» no passado dia 19 de Janeiro de 2024 via Silver Lining Music, e estão a passar por um bom momento da sua carreira. Produzido por Andy Sneap em colaboração com o vocalista Biff Byford, com Sneap a tratar da mistura e masterização, o disco transita entre a força do heavy metal moderno e a tradição muito irreverente da New Wave Of British Heavy Metal que a própria banda ajudou a começar na transição dos anos 70 para os 80.
Como tem sido até agora reacção ao novo álbum dos SAXON?
É um monstro, o álbum! E tem recebido críticas fantásticas. Aliás, até entrou nas tabelas de vendas um pouco por toda a Europa, por isso estamos muito contentes.
Isso surpreendeu-te?
Sim, claro. É sempre surpreendente. É como o Lemmy dizia, ‘toda a gente está à espera que tu caias!’. Por isso, quando não se cai, é sempre bom. É sempre bom ter um grande álbum lançado no mercado. E, sabes, nós sabemos que é um grande álbum, é um álbum mágico. Divertimo-nos imenso a fazê-lo. É sempre bom quando as pessoas concordam connosco!
Quando é que começaram a trabalhar nas novas canções?
Na verdade, não foi há muito tempo. Estávamos a fazer tudo nas calmas, a ideia seria lançar o álbum em Novembro deste ano. Depois, reunimo-nos com os Judas Priest e surgu a digressão que vamos fazer juntos em Março, por isso pensámos que a única opção era fazermos mesmo tudo para lançar o álbum antes dessas datas.
Acho que só acabámos de gravar este álbum no dia 10 de Outubro no ano passado… Entre 10 e 15 de Outubro, por aí; o que não foi há assim tanto tempo. Portanto, sim, acabou por ser um processo muito rápido.
Descreveste este álbum como “mágico” e o que se ouve são, de facto, uns SAXON muito inspirados nestes temas. Há alguma razão para estarem a passat por uma fase tão criativa?
Bem, tenho de começar por dizer que todos os rapazes da banda tocaram de forma fantástica no álbum. As canções são… não são muito difíceis de tocar, por isso penso que eles estavam todos a concentrar-se no som e na forma como as abordariam.
O Brian usou a Gibson Flying V predominantemente e o Doug usou predominantemente uma Gibson Les Paul e uma Fender Stratocaster. Os sons são bastante retro, remetem para os anos de 1980, mas agora são muito maiores, se é que me entendes. Os solos entre o Brian, o Doug e o Paul são fantásticos, alguns dos melhores que ouvi em álbuns dos Saxon em muito, muito, muito tempo.
Hoje em dia é mais fácil simplesmente gravar.
Com o Pro Tools e as tecnologias actuais, parece ayé bastante fácil não ir a um estúdio para gravar. Obviamente, é preciso ter alguém como o Andy Sneap, um tipo profissional para fazer a mistura, a masterização e tudo mais. No entanto, hoje em dia parece mais fácil para qualquer pessoa gravar um instrumento, sim. O mais curioso é que não creio que alguém possa ter um álbum que soe como este. Soa simplesmente enorme.
A forma como o gravámos e escrevemos foi muito ao vivo. Alugámos um hotel e um cinema na Alemanha, numa pequena aldeia, e usámo-lo como sala de gravação, de composição e de ensaio. As linhas de bateria e baixo foram gravadas lá. As guitarras foram gravadas no meu estúdio, o Big Barn. Gravámos tudo muito alto. ‘Fast and loud‘, é como lhe chamamos – é a melhor forma de fazer álbuns.
Utilizámos muito analógico e muito digital, que é o que fazemos sempre. Usamos o melhor dos dois mundos, como uma mesa analógica que vai para o Pro Tools. Nós temos tudo; equipamento externo, software digital… Ultrapassamos as fronteiras entre o retro e o que é novo.
E quanto ao processo de composição? O Brian Tatler teve um papel muito activo?
Sim… Quer dizer, basicamente, os principais escritores de riffs, como lhes chamam, foram o Brian, o Doug e o Nibbs. O Brian trouxe três ideias para a mesa, e nós co-escrevemos três músicas com ele, basicamente. Na verdade, trouxe muita coisa para a mesa, sem dúvida. Já tinha algumas boas ideias que nunca tinha usado. E eu ouvi-as e pensei: ‘uau, temos de as usar‘. Uma delas foi o tema-título e a outra foi a «Madame Guillotine». A «1066», foi escrita em conjunto com o Brian.
Achas que ter o Brian acabado de entrar na banda, obviamente um músico muito experiente, também vos inspirou? É óbvio que vocês sabem o que fazem, mas a presença do Brian fez-vos sentir que tinham de melhorar um pouco o nosso jogo?
Não, não, não, não, não, não, não, estás no caminho errado. Não, não, eu sei de onde estás a vir. No entanto não, porque já tínhamos escrito oito faixas antes do Brian aparecer. Portanto, estávamos praticamente a seguir o caminho musicalmente.
Faltavam-me duas ideias para um álbum, o que eu achava ser um grande álbum. E quando ouvi o riff da «Hell, Fire and Damnation», pensei ‘sim, vai ser uma grande canção. Tenho um ótimo título para ela. Vamos fazer os arranjos. Deixa-me escrever uma letra para ela.‘ E foi a partir daí que surgiu. Não acho que o Brian tenha inspirado o Nibbs ou o Doug a escreverem algo diferente, porque eu já tinha as ideias deles.
No final do dia, Saxon é Saxon…
O problema é que toda a gente está sempre à procura de uma razão para o álbum ser tão brilhante. E suponho que o novo factor seja o Brian, por isso não podemos tirar-lhe isso. Essas três canções foram as que tive em mente para o álbum. mas não acho que isso tenha inspirado os rapazes a escrever de forma diferente. Por exemplo, a «There’s Something In Roswell» é do Nibbs. Sou eu e o Nibbs a escrever, «Super Charger» é minha com o Doug. «Madame Guillotine» sou eu, o Doug e o Brian.
Portanto, é uma mistura, de facto. Acho que não há nenhum… tudo aconteceu por acaso, na verdade. O Brian tinha algumas ideias e o Paul [NR: Quinn, guitarrista] não estava lá, estava a fazer as coisas dele no Japão. E escrevemos o álbum sem ele.
E, realisticamente, os últimos discos dos SAXON têm sido muito bons também.
Sim, o «Carpe Diem» foi um óptimo álbum. Quer dizer, esse saiu do COVID. Também foi um álbum muito mágico, por isso, sim, acho que este é diferente. Não diria que é melhor ou pior. É apenas um álbum diferente. É o novo álbum dos Saxon, pelo qual as pessoas sempre esperam ansiosamente. E nós nunca somos previsíveis, por isso é bom que o novo álbum seja um monstro. Eu gosto dele.
Têm uma grande digressão na Europa com os Judas Priest e os Uriah Heep. Com tantos e bons discos, incluindo os mais recentes e todo o catálogo antigo, deve ser muito doloroso escolher uma alinhamento, especialmente quando não se tem muito tempo para tocar. Têm alguma ideia de como vão escolher as músicas? Vai tocar muitas canções novas ou apenas uma ou duas?
Normalmente, quando estamos em digressão de um novo álbum, tocamos seis ou sete músicas novas. Sejamos realistas, esta é a digressão mundial do «Hell, Fire Damnation». Eu diria que, provavelmente, vamos tocar cinco ou seis canções novas na próxima digressão.
E acho que vamos tocar mais de uma hora, espero, por isso vamos ver o que conseguimos incluir. Vou tentar não falar muito e tocar mais músicas. Acho que esse é o segredo. [risos] Por tanto, vamos tentar não nos deixar levar pelo público e fazer com que todos cantem e gritem. Provavelmente, vamos limitar-nos à música, em vez de termos muita interacção com o público, mas nunca se sabe… O público pode ser louco. Mais louco do que eu! Há que ver como corre.
No disco, a introdução de «Prophecy» é narrada pelo Brian Blessed. Como é que surgiu esta colaboração? Acho que foi no Bloodstock 2021 que ele fez a introdução para vocês ou algo do género.
Sim. Encontrámo-nos com ele algumas vezes. Eu encontrei-o algumas vezes nas cerimónias de entrega de prémios em Inglaterra, sabes, os prémios de rock e coisas assim. E acho que fizemos um trabalho com ele nos anos 90 para uma instituição de caridade para mineiros, por isso cruzámo-nos no caminho dele algumas vezes. Não somos amigos íntimos, mas somos amigos. Tenho o contacto dele no meu telemóvel.
Muitos actores gostam de conviver com bandas de rock. E muitas bandas de rock gostam de sair com actores, por isso tenho algumas pessoas na marcação rápida do meu telemóvel. Então, sim, mandei-lhe uma mensagem a dizer que tinha uma coisa, um prólogo, que queria fazer antes do álbum. Perguntei se podia dizê-lo por nós e ele respondeu e disse, que ‘sim, claro que sim‘. É óbvio que não o fez de graça, mas é muito selectivo. Se não gostasse das palavras, não o teria feito. Portanto, acho que se pode dizer gostou bastante.
É um conceito muito anos 80. Apeteceu-me muito trazer de volta esse tipo de «Thriller» e «Number Of The Beast», esse tipo de grande introdução. Adoro-a. Especialmente quando explica a canção, sabes? Acho que funciona muito bem. Acho que foi um óptimo arranjo.
Às vezes só precisas de um pequeno detalhe para agarrar a atenção do ouvinte e essa introdução faz isso mesmo.
Foi uma ideia maluca que tive, pensei que podíamos começar com uma coisa tipo sintetizador e algumas vozes, por isso fiz umas vocalizações profundas, tipo demónios ao contrário, com um software com que eu e o Andy nos estávamos a divertir. Fiz alguns gritos e outras coisas, depois fui pedir ao Brian para fazer a locução. Portanto, sim, diria que funcionou muito bem. Verdade seja dita, podia ter corrido muito mal, mas, na verdade, soa muito bem… E explica a primeira canção.
«There’s Something In Roswell» é uma canção auto-explicativa, mas… Acreditas mesmo em extraterrestres?
Bem, sou, sobretudo, um crente em Roswell, é isso que sou. E digamos que acredito mais ou menos em extraterrestres, e acho que vi um OVNI durante os anos 80, nos Estados Unidos. No entanto, não posso garantir que tenha acontecido. Não sei. Sou como qualquer outra pessoa. Será que foi? Será que não foi? Mas acredito em Roswell. Acho que aconteceu algo lá que foi encoberto muito seriamente.
Aconteceu em 1947 e, obviamente, eu não estava por cá nessa altura, mas esse é o ground zero Roswell para os entusiastas de OVNIs. Tudo começou, de facto, com Roswell e todo esse mistério da Área 51 vem depois. Além disso, acho que Roswell é um óptimo tema sobre o qual cantar porque, para muita gente, é um grande mistério e enigma. Aconteceu qualquer coisa por lá… Pode ter sido um jacto russo, não sei. No entanto, não creio que fosse um balão meteorológico. Percebem o que estou a dizer? É disso que estou a falar. Acho que havia algo em Roswell. Sou um crente em Roswell.
Para mim é difícil acreditar que sejamos a única espécie neste vasto universo…
Sim, são milhões de planetas.
Uma das coisas que adoro nos SAXON é que, para além da música, há muita história e estórias nas letras. A «Madame Guilhotine» é, obviamente, sobre a Maria Antonieta… Essa história é uma grande inspiração para ti?
Sim, eu gosto muito de contar estórias. E acho que, entre nós e os Iron Maiden, colocámos a história no mercado do heavy metal. Sei que algumas bandas escandinavas, como os Sabaton e os Amon Amarth, também falam um pouco de história, mas acho que esta coisa de escrever letras históricas é uma coisa um pouco britânica.
Pessoalmente, inspiro-me muito na história. Tudo é história. Quer dizer, essa é a coisa bonita da história, não é? Está a acontecer a toda a hora. Podemos recuar até ao ano de 1066 e é um ótimo tema para escrever. E eu encontro muita inspiração nisso. As pessoas gostam.
Mesmo que não saibam sobre o que estou a cantar, podem facilmente ir a um motor de busca e a Wikipédia dá-lhes uma história completa. Tudo. Portanto, é bastante interessante. Sabes, há uma história final para todas as minhas histórias. Estou a mantê-la em três versos, quatro versos. Mas as histórias são muito maiores do que isso. Podia facilmente escrever um disco conceptual sobre 1066.
Alguma vez pensaste em fazer um grande disco conceptual? Essa hipótese é algo que te atrai ou preferes manter-te a escrever histórias curtas, por assim dizer?
Penso que, para fazer justiça a um disco desses, teríamos de ter um teclista na banda. Para mim, um álbum conceptual é mais prog rock. A sério! No entanto, isso sou só eu. Os álbuns conceptuais são mais rock ou metal progressivo do que metal ou hard rock puro, por isso, teria de ser algo muito, muito musical para eu aceitar fazer um álbum conceptual.
No entanto, contar histórias não seria um problema. Teríamos de escolher um tema como 1066, algo que tivesse muita profundidade, muita história e muitas estórias. Mas acho que, num álbum conceptual, a música também teria de falar bem alto. Percebes o que quero dizer?
A música teria de criar atmosferas e imagens, por isso não poderíamos escrever dez canções separadas. Teríamos que escrever tudo como um conceito. Teria de ser algo como o «Close To The Edge», dos YES, ou algo do género. Ou o «Dark Side Of The Moon», dos Pink Floyd. Teria de haver algo que ligasse todas as canções e levasse o ouvinte numa viagem.
Percebo isso, sim, acho que faz mais sentido. É quase como ver um filme, não se cortam cenas drasticamente e tem de haver um fluxo do início ao fim. Se fizeres apenas cortes que acabam por não fazer sentido, não é um filme.
Podíamos ter feito um conceito sobre a luta entre o bem e o mal, que é o tema de «Hell, Fire And Damnation». Teria sido um conceito muito bom, mas ter-me-ia levado para um sítio diferente. Estou satisfeito onde estamos, só a fazer álbuns monstruosos, com história.
Se este fosse o último álbum dos SAXON, estarias feliz com tudo o que conseguiste atingir?
Sim, se este fosse o nosso último álbum, ficaria muito feliz. Seria um álbum fantástico para terminarmos a nossa carreira, sem dúvida. No entanto, já estamos a pensar no próximo disco, por isso… Veremos onde isso vai dar.
Depois da digressão europeia, vão para os Estados Unidos com os Uriah Heep. Acho que se pode dizer que ainda adoram andar na estrada.
Bem, o que se passa é que, quando se lança um novo álbum, tem de se espremer o sumo. Dá-nos a adrenalina para ir para a estrada e tocá-lo, sabes? E pode ser antiquado ir em digressão para promover um álbum, mas é isso que estamos a fazer. É esse o objectivo da história.
Não estamos a sair apenas para tocar a «Wheels Of Steel» e a «Denim And Leather» todas as noites. Estamos a sair para promover um novo álbum. Vamos tocar sempre os grandes êxitos, mas só porque as pessoas querem ouvi-los. No entanto, acho que também vão querer ouvir as novas canções.
E festivais de Verão, já têm alguns confirmados?
Sim, vamos a fazer alguns festivais, na verdade. Vamos tocar em França e também num grande festival em Espanha. Mas não vamos a Portugal, pois não? É difícil arranjar espectáculos em Portugal. Sempre que tocamos em Portugal é só nos festivais de motards. Não há nada de errado nos festivais de motards, mas parece que são as únicas pessoas que realmente se apercebem que os Saxon escrevem boa música por aí.
É estranho… Há muitos festivais em Portugal e nós podíamos tocar nesses eventos. Há muitas bandas alemãs da nossa era que tocam aí, por isso não percebo porque é que os Saxon não podem fazê-lo. Acho que, nos anos 90, talvez tenhamos ido a Portugal algumas vezes e nessa altura já ninguém queria saber do metal britânico. Sei que, por exemplo, os Motorhead também não se saíram muito bem em Portugal… No entanto, agora é a altura certa para voltar a Portugal.