ROBB FLYNN

ROBB FLYNN: “Comecei como nerd do Star Wars, depois do anime… e tornei-me um nerd do metal!” [entrevista exclusiva]

Uma reveladora conversa com ROBB FLYNN, o líder e timoneiro dos MACHINE HEAD.

Com a saída abrupta de Phil Demmel e Dave McClain, no final de 2018, os MACHINE HEAD sofreram um revés a que a maioria das bandas não teria resistido. Contrariando todas as expectativas, pouco tempo depois, o irredutível e cada vez mais estóico Robb Flynn acabaria por anunciar uma reunião parcial da formação que gravou o clássico «Burn My Eyes» – com o retorno de Logan Mader na guitarra e Chris Kontos na bateria – para uma digressão de 25.º aniversário do álbum de 1994.

Os músicos fizeram-se à estrada e andaram pelos Estados Unidos a tocar para plateias esgotadas, mas a pandemia acabou por ditar o final prematuro da rota. Contando com os préstimos dos exímios Wacław ‘Vogg’ Kiełtyka (dos polacos Decapitated) e Matt Alstone (dos britânicos Devilment), Flynn e o baixista Jared MacEachern deram então início ao processo de composição daquele que seria o décimo álbum de estúdio da banda.

Editado a 26 de Agosto de 2022, «Øf Kingdøm And Crøwn» pode bem ser um dos melhores da carreira da banda até ao momento e nós, claro, não perdemos a oportunidade de falar uma vez mais com Robb Flynn, o ícone e mentor da banda da Bay Area, que nos explicou como surgiu o contexto e inspiração para este trabalho, bem como a sua memória da primeira vez que passaram por Portugal com os Slayer, já há quase três décadas.

Este disco é conceptual. Como foi o processo de composição? Começaste com a história ou com a música primeiro?
Para mim, é sempre a música que começa primeiro. Escrevo riffs e mais riffs até a música começar a ganhar forma. Tento escrever letras também, mas quando faço isso tento forçar que a música siga numa direcção, e ela de vez em quando diz que é melhor ir noutra. [risos] Nunca se sabe. É uma questão de tempo, deixar a coisa a marinar um pouco e olhar para o retrato geral do que tenho. Soube bem cedo que queria fazer um disco conceptual, logo no início da pandemia.

Lembro-me de estar em casa com a minha mulher, a fazer as sessões acústicas Happy Hour às sextas-feiras, e depois irmos os dois embebedarmo-nos na garagem. [risos] Ouviamos muita música, muita conversa, e até foi bom… Posso dizer que gostei muito desse tempo, porque pude abrandar e conversar. Ambos gostamos do disco «The Black Parade» dos My Chemical Romance, e ela dizia-me que eu também devia fazer um disco conceptual. Eu dizia-lhe que queria, mas não sabia se conseguia.

Não sabia se conseguia juntar as pontas todas, e é um trabalho dantesco que nem sempre funciona. Quando funciona é espectacular, mas também já ouvi supostos discos conceptuais nos quais nunca ouvi o conceito! Mas quando as peças e a música se começaram a encaixar, percebi que era capaz de o fazer.

O conceito baseia-se na série de anime «Attack On Titan». Confesso que nunca vi a série, mas joguei o jogo na Switch é um pouco violento…[risos]
É brutal! É muito esquisito também! É fodido! [risos] Eu adoro! Mas o disco não é sobre «Attack On Titan», é inspirado apenas… os meus dois filhos adoram anime! Eu quando tinha a idade deles também gostava muito de anime. Comecei como um nerd do Star Wars, depois tornei-me um nerd do anime… e finalmente tornei-me um nerd do metal! [risos] A partir dos anos 90 perdi o contacto com o anime, deixei de prestar atenção. Mas foi porreiro ver os meus filhos verem por vontade própria.

Foi nessa altura que começámos a ver anime todos em família, e o que me inspirou foi ver estes dois grupos de pessoas a fazerem merdas horríveis, coisas diabólicas uns para os outros. Mas, na série, ambos acreditam que estão a fazer a coisa certa. E foi isso que ajudou a formar o conceito para este disco. Não há um gajo bom e um gajo mau, como é normal ser feito nos Estados Unidos, ambos pensavam que estavam a fazer o correcto, mas ambos eram maus!

Quando consegui juntar isso na minha cabeça, foi aí que comecei a escrever… Durante toda a minha carreira, escrevi a minha visão sobre a sociedade, as coisas que experienciei ou o que quer que fosse. Agora, estou a escrever através da mente de duas personagens. Estou a escrever como se fosse outra pessoa, a ter que ver a vida através dos olhos deles. Foi muito violento, e abriu uma nova perspectiva para mim. Foi muito porreiro escrever dessa maneira.

Foi fácil para ti escrever da perspectiva de uma mente violenta e homicida?
A história acabou por dar-se a isso! É baseada em duas personagens, como referi: Aires e Eros. Aires perde o amor da sua vida, Amethyst, e embarca numa onda assassina contra as pessoas que a mataram. Já o Eros perde a mãe por causa de uma overdose de droga e entra numa espiral onde acaba radicalizado por um grupo e entra na sua própria onda assassina.

Portanto, o disco é sobre como as suas vidas se cruzam. Quando percebi que isto ia funcionar, foi quando compus o tema de abertura, «Slaughter The Martyr». Esse tema é a história da origem da personagem número um, a história do Aires. É na altura em que ele perde o amor da sua vida e começa a sua caminhada. O disco anda para trás e para a frente em relação à história, mas esse momento colocou tudo no sítio e acabou por juntar a história toda.

A «Slaughter The Martyr» é uma das minhas canções preferidas do disco. Começa de forma muito calma e de repente, explode! O Jared também canta nessa?
Sim, eu e o Jared fazemos muitas harmonias neste disco. Trabalhámos muito nisso. Durante a pandemia passei muito tempo sozinho no estúdio, fiz a minha Happy Hour em formato acústico em directo para o Facebook, e como vínhamos de cinco meses de digressão antes da pandemia, queria continuar a fazer música e a tocar.

Assim que as restrições foram aliviadas, convidei o Jared, e foi nessa altura que começamos a trabalhar noutras canções acústicas. Continuámos a com a Happy Hour acústica e trabalhámos as nossas vozes para fazer com que se complementassem. Aquilo que era apenas um passar de tempo na pandemia, acabou por voltar a ligar os nossos cérebros, e começámos a colocar isso no álbum. Foi espectacular!

Quando tocas em formato acústico e tentas harmonias com outra voz, é tudo mais claro, “ouve-se tudo”. Quando cantas em formato eléctrico, com bateria e tudo mais, há uma tendência para a voz ficar um pouco mais camuflada…
E em formato eléctrico estou a cantar de forma mais pesada. Há muitas harmonias nos Machine Head, mas não se compara a um formato acústico de duas horas! Foi muito porreiro. Acabei por ter umas lições de voz com a Melissa Cross… eu não canto de forma limpa. Em 30 anos de carreira, já cantei de forma bruta, guinchos, gritos, e de forma pesada à Machine Head.

Nunca cantei de forma limpa, mas sabia que conseguia, e quando o fazia havia sempre qualquer coisa que me impedia de chegar onde queria e não sabia o que estava a fazer de errado. Por isso comecei a ter lições, e a minha mente começou a abrir-se, e percebi o que tinha de fazer. Foi uma boa lição! E fiquei satisfeito de poder aprender alguma coisa, porque estando em casa em confinamento, foi bom poder aprender algo durante este período.

Quando começaste a trabalhar nestas músicas e quanto tempo demoraste a ter o disco finalizado?
Comecei a trabalhar nas canções em 2018, ainda durante a digressão do disco «Catharsis». Tinha alguns riffs… Eu passo o tempo a escrever. Se depois se torna em alguma coisa, só o tempo o dirá. Mas consigo escrever um riff e lembrar-me dele passado uma década. [risos] É uma bênção e uma maldição! Depois começaram a aparecer outras ideias, e o que eu queria inicialmente era lançar músicas individualmente, singles. Gosto muito desta era que vivemos porque posso gravar um tema hoje e amanhã já está disponível em todas as plataformas digitais. Para mim, isso é absolutamente fantástico.

Depois começámos a juntar ideias e perceber o que fazia sentido. Por exemplo, eu queria lançar o tema «Stop The Bleeding» porque me fazia sentido lançar naquela altura, percebes? Todas as semanas fomos trabalhando um pouco nesse tema… Eu cresci na cena thrash, tinha demos, edições pirata de Exodus, Slayer… Tinha essa merda toda meses e meses antes do disco sair. Eu era um fanático disso. Quando ouvia as demos achava que aquilo era a melhor cena do mundo e depois ouvia os discos e perguntava o que tinha acontecido! [risos]

Parecia que algo tinha ficado perdido a meio caminho. As demos tinham aquela energia mágica. Quando começámos a fazer este disco, fizemos as gravações entre o meu estúdio aqui em casa e o estúdio onde gravámos o «The Blackening» e «Through The Ashes Of Empires», que fica a cinco metros mais ao fundo do corredor. Passámos o tempo a fazer demos, mas ao invés de as editarmos, colocámos tudo no disco.

Há tantos momentos nestes temas onde, por exemplo, foi a primeira linha de baixo que o Jared gravou, que eu gravei uma pista de guitarra ou que eu cantei alguma coisa. E foram estes momentos loucos e mágicos de demos que nós gravámos e salvámos para o álbum. Aconteceu muito disso desta vez e acho que é por isso que há essa sensação. Sinto que capturámos esses momentos e felizmente tínhamos o material aqui para o poder fazer.

Ainda tens memórias da primeira digressão que fizeram com os Slayer e que foi também a primeira vez que passaram por Portugal?
Foi um sonho tornado realidade. Essa digressão lançou os Machine Head para a estratosfera. Tenho que dar muito crédito ao Kerry King, que acreditou muito em nós e nos deu uma oportunidade. Eu tinha visto os Slayer mais vezes do que qualquer outra banda! Conduzia para Los Angeles, Sacramento, Fresno, juntamente com os meus amigos para irmos ver os Slayer. Eu adorava-os.

Quando conseguimos essa digressão foi inacreditável. Levou-nos pela Europa toda, pela América… foram cinco meses com os Slayer! [risos] Vi 88 concertos dos Slayer de borla! [risos] Vi-os todas as noites! Senti-me um felizardo por isso. As minhas memórias de Portugal… Portugal era de loucos naquela altura! Lembro-me que havia muita gente dependente da heroína.

Lembro-me de ver alguém na bancada a chutar heroína para a veia e depois atirar a seringa para o tecto e a agulha ficava lá presa. Eu só pensava que aquilo era absolutamente de loucos. O espectáculo em si, foi espectacular! A minha mais viva memória dessa noite foi no final do concerto dos Slayer, já sem ninguém no pavilhão, e estarem a varrer o chão das latas e copos de cerveja contra a barreira, e era só um monte de copos e de cabelo preto! [risos] Havia tanto cabelo naquele monte e eu só pensava que aquele sitio era doentio e eu tinha adorado cada segundo de Portugal! [risos]