Hoje, quase quatro décadas após ter sido originalmente lançado, o «Horrified» continua a ser uma lição de brutalidade primitiva. Uma cápsula de um tempo em que ‘extremo’ ainda era um conceito por definir — e em que os REPULSION, com todo o seu caos, escreveram as primeiras linhas.
Lançado originalmente a 29 de Maio de 1986 e mais tarde reeditado como parte do catálogo da lendária Earache Records, «Horrified», o LP de estreia dos norte-americanos REPULSION, permanece como um dos pilares fundacionais do grindcore, mesmo que, à luz dos padrões actuais, pareça rudimentar, cru e até algo datado. No entanto, a sua importância não reside na sofisticação — reside na urgência, na violência e no carácter disruptivo que representou numa época em que os extremos ainda estavam a ser definidos.
As canções, curtas e diretas — quase todas entre um e dois minutos — disparam numa sucessão de ataques relâmpago, alternando entre blastbeats caóticos e secções de thrash a duas pancadas, sem qualquer espaço para contemplações ou variações melódicas. Há aqui uma recusa deliberada de alinhar com qualquer estrutura ou subtileza: o «Horrified» é sobre impacto, sobre tensão contínua, sobre a pulsão juvenil de levar tudo ao limite.
A produção é espessa, suja e abrasiva. O baixo transforma-se numa lama distorcida que suga qualquer possibilidade de clareza, enquanto as guitarras martelam riffs simples e rápidos, quase sempre com base no thrash ou no hardcore, pontuados por solos dissonantes e caóticos que explodem com a alavanca do vibrato em acessos de puro ruído. Não há técnica, há vontade. E isso, na altura, bastava.
As vocalizações de Scott Carlson são outro traço marcante — um grunhido médio, rouco, de intensidade constante, ainda sem a teatralidade gutural do death metal ou a variação expressiva que se viria a tornar comum nas gerações seguintes de grind. A entrega vocal não muda de faixa para faixa, nem a cadência com que as palavras são cuspidas. Este é um álbum onde a repetição funciona como reforço da violência, e não como defeito.
A acusação de monotonia é compreensível — quem ouve quatro ou cinco faixas pode sentir que já ouviu o disco inteiro. Mas isso ignora o propósito real dos REPULSION: não era variedade o que procuravam. Era agressão pura, contínua e intransigente. Mesmo assim, há obsviamente temas que se destacam, como a emblemática «The Stench Of Burning Death», cujo riff de abertura foi reaproveitado pelos NAPALM DEATH em «Deceiver», ou «Radiation Sickness» e a delirante «Maggots In Your Coffin», também revisitada pela banda de Birmingham no EP «Leaders Not Followers».
De resto, a longevidade do «Horrified» não se deve apenas a uma questão nostálgica — embora esta pese, especialmente para quem viveu os 80s e descobriu ali um novo mundo de possibilidades sonoras. A verdade é que, mesmo escutado décadas depois, o disco de estreia dos REPULSION ainda transmite uma autenticidade difícil de replicar.
E sim, é certo que o género evoluiu: bandas como os THE DILLINGER ESCAPE PLAN, CRYPTOPSY ou BRUTAL TRUTH levaram o grindcore para territórios muito mais complexos, técnicos e sofisticados. As produções modernas tornaram-se mais nítidas, cirúrgicas, e os arranjos infinitamente mais elaborados. Mas há algo nestes REPULSION que se mantém intocável: a visceralidade adolescente, o fascínio pelo grotesco, o do it yourself levado ao extremo.
O «Horrified» não é um disco para ouvir com ouvidos contemporâneos, à espera de refinamento ou de progressão. É um artefacto de um tempo específico, feito com os meios disponíveis e com uma intenção muito, muito clara — ser mais rápido, mais feio, mais agressivo que tudo o resto. E, nesse objectivo, os REPULSION foram plenamente bem-sucedidos.
