Há mesmo anos irrepetíveis, e 1985 foi um deles para os canadianos RAZOR. No espaço de meio ano lançaram um par de álbuns que os transformaram num dos grupos mais entusiasmantes da época, em particular no que ao thrash traçado com a sensibilidade melódica do speed diz respeito: «Executioner’s Song» e «Evil Invaders» são justamente reconhecidos como momentos importantes de uma era já de si excepcional, dois discos que (a par de clássicos como «War And Pain», dos conterrâneos Voivod) exerceram uma influência notável na cena canadiana. Se os Voivod e os Annihilator continuam a ser eventualmente os nomes que mais imediatamente vêm à baila quando se fala nesse universo, a verdade é que os RAZOR sempre foram aquela banda que esteve na linha da frente de muito do que se ouviu ao longo da década. A ideia que hoje fazemos da cena canadiana (Sacrifice, Exciter, Anvil, e por aí fora — e assim, huh, não somos obrigados a forçar a ideia de outro “big four”), em muito deve ao caminho pioneiro da banda de Dave Carlo e Mike Campagnolo, os dois músicos de quem se pode afirmar serem a coluna vertebral da sonoridade RAZOR — e os únicos que, actualmente, ainda restam da formação original.
Para uma banda que teve um belo reconhecimento ainda em vida, o regresso discográfico após um longuíssimo hiato de cerca de 25 anos traz sempre aquele misto de entusiasmo e hesitação. Por um lado, é daquelas coisas que se recebem na boa, de braços abertos; por outro, não deixa de ser importante colocar de lado eventuais comparações com a época dourada — não é preciso ouvir «Cycle Of Contempt» para perceber que poucos serão aqueles que saem vivos de uma comparação desse calibre. Dito de outro forma, directos ao assunto: nem os RAZOR precisavam de uma redenção heróica à Cirith Ungol, nem este «Cycle of Contempt» é o seu «Forever Black». Muito longe disso. E mesmo assim… Mesmo assim, e apesar de tudo, nunca foram aquela banda monolítica, explorando as possibilidades sonoras ora de uma agressividade mais brutal, aproximando-se aqui e ali de uma textura a que nunca foram estranhas influências próximas do industrial (ouvido agora com toda esta distância, «Decibels», porventura o álbum menos conseguido do grupo, é um dos momentos em que essa atitude maquinal mais se faz sentir); mas também sabendo ir à procura de um som mais clássico, sobretudo na época imediatamente a seguir ao «Executioner’s Song» e ao «Evil Invaders». De certa maneira, havia uma certa curiosidade em perceber se podiam tirar da cartola um equivalente moderno ao «Violent Restitution», o disco em que voltaram às raízes mais agressivas e que acabou por lhes sedimentar a reputação.
Em todo o caso, quando se olha de forma panorâmica para a discografia do grupo de Carlo e Campagnolo não é imediatamente óbvio em que capítulo dessa história é que «Cycle Of Contempt» se insere: não ficou propriamente nada por dizer, e aquilo que dizem não parece prometer um futuro particularmente promissor. Disco desequilibrado e com uma produção atrapalhada (aqueles efeitos processados na voz do Bob Reid continuam a fazer lembrar uma imitação barata do Al Jourgensen), sobrevive nem tanto como um todo mas pela inspiração que ainda assim se faz sentir em certas secções: há um nítido crescendo nos temas «Crossed», «First Rate Hate», e o tema-título, que dão a entender haver por aqui combustível suficiente para pôr a máquina a funcionar, mas logo se percebe não haver uma verdadeira direcção que oriente o disco. Vale, sobretudo, pelo apelo nostálgico. [6]