Hoje, Sábado, dia 21 de Maio, inicia-se no Side B Rocks, em Alenquer, a digressão nacional dos RAMP. Um dos nomes mais icónicos dos últimos trinta anos do metal nacional lançou há umas semanas «Insidiously», o seu novo disco de originais. Entre mudanças de formação e várias crises, de tudo um pouco aconteceu ao grupo que agora volta à estrada para oito datas à volta de um país que não é para novos. Rui Duarte, vocalista do grupo, esteve à conversa com a LOUD! e certamente que ele, e restante banda, agradecem a presença numa rara ’tour’ por território nacional.
Passarem-se quase onze anos desde o vosso último disco.
Passaram muitos anos, sim, mas a vida só proporcionou que surgisse agora. Registaram-se uma série de coisas. Não quer dizer que os RAMP sejam os únicos a ter problemas. Todos têm. A acrescentar a quatro divórcios, três óbitos, filhos, netos, porque o Ricardo já é avô, problemas de trabalho… No meio deste processo todo passou-se muita coisa. Isso afecta as pessoas e faz com que não haja a disponibilidade mental e financeira que se desejava para poder nos podermos dedicar exclusivamente aos RAMP. Tivemos esse handicap, durante anos dedicámos a nossa vida à banda e, a partir do momento na nossa carreira em que nos tiraram o tapete debaixo dos pés, tudo mudou. Foi quando começaram a surgir situações. O Sapo teve de tomar uma decisão quanto à vida profissional dele, mais tarde o Tózé teve de fazer o mesmo. A partir daí, começam a surgir problemas, porque já investiste tanto do teu tempo e da tua disponibilidade, que não dando o passo em frente, e que estava na iminência de acontecer, isso fez abalar as decisões da banda e particulares. No caso do Sapo, ele sabia que ia sair, por não querer prender os RAMP, pois não ia ter o tempo que o grupo merecia. Não podes ter um filho e dizer, “hoje não comes, porque o pai quer ser músico em Portugal”. Tudo isso foi dilatando o tempo, devido às circunstâncias que foram. Aconteceu mesmo muita coisa.
Falas nas saídas, e a última saída foi a do Paulinho. Desde sempre pareceu o mais acarinhado entre todos, deve ter custado.
Custou, claro. Nem escondemos isso. O texto que apresentámos foi elucidativo da situação que tivemos de apresentar. Para mim e para o Ricardo, não é propriamente deixar de tocar com alguém, mas deixar de tocar com ‘O Paulo’. Um dos elementos fundadores dos RAMP, que atravessou tudo, além de ser um excelente músico. É um baterista fora do baralho. Não me canso de dizer isso. O Paulinho é um baterista completamente atípico dentro do metal. Apesar de tocar esse estilo, tem um fraseado e uma dinâmica que não é normal no metal. Uma subtileza técnica que não é normal e que para algumas bandas até pode ser um problema. Isso era o que dava uma certa singularidade ao Paulo dentro dos RAMP, e sabíamos disso. Quando eu e o Ricardo estivemos a compôr este material, a nossa cabeça estava a pensar no Paulo e nas subtilezas que ele tem. Quando saiu, foi uma situação muito complicada de gerir e tivemos de ponderar, pensar bem se fazia sentido continuar ou não. Tomámos a opção de continuar, também porque tínhamos alguém próximo, neste caso o João. Ele já tocava comigo noutra banda, o meu grupo de covers. Apesar de ser muito mais novo, o João sempre foi fã dos RAMP. Muito influenciado pelos irmãos mais velhos. Ele próprio dizia que o Paulo era fenomenal. É ultra mega fã do Paulo. Por ter uma formação do jazz, também diz que o Paulo tem características técnicas que não são comuns nos bateristas de metal. O João, por estar perto de nós, acabou por ser a solução que não nos deixou parar.
Aliás, o João é o terceiro elemento oficial nos RAMP, correcto?
A ideia original do disco era ser gravado pelos três elementos seminais dos RAMP. O Ricardo, eu e o Paulo. O Ricardo já tinha a incumbência de gravar toda a secção de cordas, ou seja, guitarras e baixo. Surge a alteração com a saída do Paulo. O João participou, por isso, nas gravações, e ficámos os três.
E como chegas ao título «Insidiously»?
Deixo isso ao critério de cada um. Os RAMP sempre foram uma banda que nunca precisou de criar o teorema de Pitágoras, ou fazer um projecto filosófico ao redor de um disco. Até porque tem a ver com a nossa formação, a nossa escola. Somos filhos do thrash. Não quer dizer que fiquemos por esse estilo, mas é a nossa escola e aquilo que nos formou. Enquanto banda, a realidade é, para nós algo que faz todo o sentido, por isso não precisamos de recorrer à fantasia ou a outro género de inspirações. Basicamente, mais uma vez, inspiramo-nos nas nossas vidas e nas nossas experiências. Uma das coisas que reparamos, com todos os percalços que aconteceram nas nossas vidas pessoais, foi que de alguma maneira, existe sempre algo de pérfido em nós próprios. Somos, realmente, o nosso maior inimigo. Na realidade quando pensamos que nos aconteceu algo errado na vida, se calhar isso aconteceu porque fizemos parte da equação. Fomos nós próprios que plantamos a ratoeira. Perfidamente, fomos nós que provocámos as coisas e é nisso que temos de pensar. É muito fácil apontar o dedo, mas nenhum de nós, nos RAMP, está na situação de apontar o dedo. Já passámos um pouco essa fase. As pessoas perguntam porque não saímos de Portugal, e nós pensamos “já falámos sobre isso, não vale a pena falar mais”. E quando dizem, “vocês não gravam um disco há treze anos, como estão à espera que sejam maiores?” A vida não nos permitiu que isso acontecesse. Se quiserem, não nos ouçam por isso. Isso é um problema? Não ouçam. Queremos fazer um bom disco e seguir em frente. Aqui foi um processo catártico, em que quisemos deixar tudo isso para trás e seguir para a frente. Durante muito tempo, o problema dos RAMP foi olhar demasiado para trás. Era melhor seguir em frente, esquecer as mágoas. O importante nisto tudo, é fazer a música de que nós gostamos. Enquanto o conseguirmos, tivermos qualidade de vida para o fazer e apresentar o melhor possível.
Faz sentido esta pressão actual de editar? Este frenesim em que a banda tem de fazer algo, praticamente todos os dias para dizer que existe?
Somos da altura do culto. Hoje não há culto nenhum. Às vezes evito as redes sociais, porque é um frenesim tão grande de clicks, de likes, de comentar por comentar. Lembroque eu próprio era o primeiro a instigar as pessoas, a dizer para se manifestarem, não ficarem caladas. Hoje, contra mim falo. Digo às pessoas, “às vezes é melhor calarem-se”. Estamos exactamente no oposto. Hoje fala-se por falar, é vazio. Chegou-se a um ponto de gratuitidade de dar uma opinião, e destrutiva, que é sempre fácil de fazer. Hoje a internet traz essa facilidade. Normalmente é o meio mais cobarde para dizer coisas e sair de cena. As redes sociais reduzem-se ao essencial: promover o trabalho e dizer que estamos aqui, ou vamos ali. Se quiserem comparecer, ficamos contentes. A partir daí não consigo fazer mais que isso. A uma dada altura vi amigos contra amigos por razões ideológicas, muitas vezes completamente descabidas. Até hoje conseguimos viver em harmonia e, agora, precisamos de uma rede social para as pessoas se chatearem online? Não faz sentido. Continuo na rede social para estar ligado aos meus amigos, eventualmente aos que estão mais distantes. De resto, sabem quem eu sou, encontramo-nos na rua, tenho um telefone. Chama-me old school… Se calhar sou, não sei.
Sempre houve uma componente social nas vossas letras. Tivemos dois anos duros…
E continuam a ser. Mesmo que não houvesse a guerra, ia ser duro na mesma. Já tinha dito isso anteriormente. Falei com toda a gente que estava a trabalhar comigo. Eu e o Ricardo só trabalhamos na área. Fomos dois daqueles que ficaram completamente com as pernas cortadas. Na altura, avisei logo que a seguir não ia recuperar logo. Ainda nem se sonhava que ia haver uma guerra.
Como é que te afectou, tu que és o autor das letras e que reflectes nesse tipo de temática?
Afectou-me bastante. Posso dizer que nunca tinha pensado em desistir da música, e pensei. Falei disso com o Ricardo. Senti-me muito pequenino. De repente veio-me à memória a fábula da cigarra e da formiga. Embora me tenha habituado que em Portugal, fazer bonecos, ou fazer música, não é “trabalho” para as pessoas. Continuam a achar que viver contrafeito é que é trabalhar de verdade, só quem anda contrafeito e trabalha é que prova que se esforça. Os outros não trabalham, andam a curtir. Um erro tremendo, e por isso é que Portugal é um país em que parece que as pessoas andam sempre trocadas, a trabalhar nos sítios errados e a fazer as coisas malfeitas, porque fazem o que não gostam. Felizmente, já tinha passado por ups and downs com os RAMP, que me permitiram ter, há alguns anos atrás, uma perspectiva bastante lúcida de como funciona o showbusiness e todo o efeito mais mediático do meio. Já estava um bocado vacinado contra isso. Agora, o que senti foi uma mágoa e tristeza muito grande. Posso dizer que tive quatro amigos que me ligaram e disseram que, se tivesse algum problema, ligasse e a malta ajudava. Tivemos a União Audiovisual, à qual felizmente não tive de recorrer, para não assoberbar mais uma estrutura que estava a ser criada para quem estava em situação de fome, mesmo. Foi um processo que mexeu muito com a minha cabeça. Para quem vive única e exclusivamente deste trabalho, as coisas tornaram-se muito complicadas. No meu caso e do Ricardo, isso aconteceu, não só em relação à música, mas do outro trabalho que fazemos como freelancers, sempre ligados à música e eventos. Senti-me um pouco scum of the Earth, um pouco por aí.
Vindo de uma geração que teve de picar pedra para fazer o caminho, como reages a esta nova vaga de grupos nacionais, com projecção exterior, a realizarem facilmente digressões?
Vejo bem. Aliás, cada vez que existe uma banda mais jovem e me pede para colaborar num disco, depois pedem sempre um conselho. O conselho é simples, mediante o percurso feito em Portugal por bandas que acompanhei, e da minha própria, a única coisa que posso dizer é “sai deste país!”. Ficam a olhar para mim, mas é mesmo “sai deste país, o quanto antes, não fiques”. Ficam baralhados, e explico que, se querem construir um percurso profissionalizante nesta área, têm de sair já, não podem pensar duas vezes. É melhor sair já e tentar durante uma dezena de anos, que ir adiando e ficando cá. Aqui há um tecto máximo e a partir daí, há a síndrome português, em que quando atinges o tecto máximo, toda a gente empurra para baixo, porque a partir daí começas a chatear. Em termos de carreira, é mais fácil voltar cá para dentro, vindo de fora. Quanto a qualidade profissional, uma coisa não tem nada a ver com a outra. É como o futebol, se quiseres ter uma carreira em que podes ter remuneração maior, terá de ser internacional. Se fizeres uma carreira nacional, constante, podes ser um grande jogador na mesma. Não recebes o mesmo e, se calhar, não apareces nas maiores plateias de futebol. É um bocado por aí. Fico contente quando vejo a malta a sair, seja em que vertente for. É sinal que em Portugal existe valor. Ele sempre existiu, é inegável.