Apesar das condicionantes, o regresso dos RAMMSTEIN a Portugal foi, sem dúvida, um dos eventos imperdíveis do ano e, uma vez mais, ficou vincada a ideia de que ninguém apresenta um espectáculo ao vivo como esta gente.
Passaram-se quatro anos desde que a Stadium Tour dos RAMMSTEIN arrancou na Alemanha. Muitos mais desde que a rota foi originalmente anunciada e, com a pandemia pelo meio, pouco menos de 365 dias desde que os bilhetes para o concerto em Portugal foram postos à venda. No entanto, depois de tanto tempo à espera deste regresso do colectivo germânico a solo nacional, chegou finalmente o dia em que os titãs do metal industrial nos agraciaram uma vez mais com a sua presença.
Era a estreia num estádio por cá, de uma banda que nos visitou pela primeira vez para duas actuações nos idos de 1998, no Paradise Garage e no Hard Club, e que o público nacional viu crescer passo a passo. Pese a ausência a que nos votaram durante a última década (o último espectáculo por cá remontava a 2013 no, à época, Pavilhão Atlântico), a chegada dos alemães transformou Lisboa num mar negro.
Aliás, uma simples ida ao supermercado pela manhã bastaria para perceber que havia gente de todo o país (e mais além), os portugueses quase todos de mochila às costas, a convergirem para receber uma banda que está quase a celebrar três décadas de carreira. Na cabeça de alguns pesam, certamente, as recentes acusações de que Till Lindemann, o vocalista do grupo, tem sido alvo nos últimos meses que muito falatório têm provocado nas redes sociais e nos meios de comunicação – a história é tristemente recorrente no mundo do entretenimento.
Convenhamos, nesta que foi a data nacional da terceira rota da Stadium Tour no Velho Continente, os RAMMSTEIN chegaram a Portugal mais em estado de desgraça do que de graça. E, mesmo assim, a viagem de Metro até ao Estádio da Luz foi acompanhada por uma atmosfera eléctrica. Lá dentro, fomos recebidos por um mar de gente a todo o perímetro utilizável, com os bares lotados e a brisa fresca que se começou a levantar ao final da tarde a afastarem qualquer sombra de um potencial “elefante no estádio”.
Pensem ou não nisso, ou na constatação de que o futuro parece cada vez mais incerto para a banda (ou para a banda com Till), a verdade é que está tudo ali para os receber de braços abertos. Percebe-se porquê quando olhamos em frente. O palco gigantesco domina o estádio com várias torres espalhadas pelo relvado. Lá em cima, o céu cinzento prepara-se para receber todos os explosivos que serão detonados ao longo da noite.
Convenhamos, não é todos os dias que vamos a um espectáculo em que temos de retirar uns minutos bem longos para conseguirmos sequer entender o tamanho e a escala de tudo o que temos pela frente. E sim, embora o alinhamento ande a circular amplamente desde o início da digressão, a expectativa ainda era imensa em relação à performance em si. Mas já lá vamos, porque aquele palco é verdadeiramente impressionante; construído para recriar uma imponente paisagem urbana distópica, que podia bem ter saído directamente do clássico mudo “Metropolis”, de Fritz Lang, e que se confunde facilmente com a estrutura futurista da actual casa do SLB.
Resultado, com as francesas ABELARD a tocarem versões ao piano de clássicos dos cabeças-de-cartaz (numa estrutura elevada situada à esquerda na zona central do relvado), estava tudo no sítio certo para que uma banda com uma queda tão grande para gestos imponentes, e dramáticos, pudesse brilhar em todo o seu esplendor.
Podíamos estar aqui a tentar dar as voltas que quiséssemos ao texto, e em momentos até pode parecer inútil escrever sobre uma demonstração de poderio como a dos RAMMSTEIN. São uma banda ENORME e impetuosa quando tem de ser; estão coreografados ao mais ínfimo pormenor – e, verdade seja dita, estabeleceram o padrão para o que pode ser um grande concerto durante as últimas duas décadas. Com cada tour a tornar-se ainda maior e mais impressionante que a anterior, por esta altura nada vai permitir que deem algo que não seja um concerto de excepção.
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Apesar das condicionantes, este que foi um dos eventos imperdíveis do ano também provou não fugir a essa regra e, uma vez mais, ficou vincada a ideia de que ninguém apresenta um espectáculo ao vivo como esta gente. A principal exportação de metal germânico tornou-se famosa por duas razões; provocam mais explosões que um incêndio numa fábrica de fogos de artifício e debitam música em volume tão alto que é frequentemente ouvida a 17 quilómetros de distância dos recintos onde tocam.
Pois bem, foi isso que se passou também por cá, com um som potente e enorme (talvez um pouco grave demais no sítio a que assistimos ao concerto), bem apoiado pelas torres de som estrategicamente colocadas para que toda a gente consiga ouvir tudo em som alto e definido. Com o volume a bombar, podia sentir-se o baixo a trovejar pelas fundações do estádio. Ponto assente: em palco, nada mudou significativamente desde a última vez que os vimos, mas tornou-se tudo maior, muito maior.
Passavam quatro minutos da hora marcada – as 21:34 parecem ter sido escolhidas estrategicamente para garantir que os músicos só subiriam ao palco já de noite –, e o estádio escureceu. Ao som da «Music For The Royal Fireworks», agora feita hino aos RAMMSTEIN, o símbolo da banda é hasteado no ecrã da gigantesca torre central da estrutura. O palco ilumina-se, vemos Lindemann a ser descido por um ascensor. Surgem as primeiras chamas e os RAMMSTEIN ligam os motores, proverbialmente, com a «Rammlied».
Os telemóveis mantêm-se no ar, a registar o momento, mas os corpos mexem-se ao som de uma sempre muito bem metida «Links 2-3-4», com o impagável Christian “Doktor Flake” Lorenz a manter-se imparável na passadeira que tem ao lado do teclado e o público ora a dançar, ora a abanar a cabeça, embalado por ganchos que são inegáveis. A viagem ao passado com «Bestrafe Mich» e «Sehnsucht», com a «Giftig» pelo meio, arrefeceu um bocadinho os ânimos. Isso ou estava tudo a cair em si, frente ao que via.
Logo a seguir, uma sentida «Mein Herz Brennt» e a animada «Puppe» puseram novamente toda a gente a cantar em uníssono. Durante duas horas, o público que esgotou o Estádio da Luz não testemunhou apenas uma banda que executou alguns dos seus maiores sucessos. Isso aconteceu, de facto. Tocaram quase todos os grandes hits, a «Deutschland», a «Du Hast», a «Mein Teil», a «Sonne», a «Ich will» e até a canção homónima, mas foi o espectáculo propriamente dito – a performance – que revelou ser absolutamente fora deste mundo.
Os níveis de pirotecnia são inenarráveis, com Lindemann a usar uma roda nas costas que solta fogo por todos os lados e os guitarristas Paul Landers e Richard Kruspe a empunharem dois lança-chamas enormes presos às guitarras e a dispararem umas labaredas enormes. Há coisas mais inocentes, como os enormes canhões de confettis que engolem todo o estádio com fitas de papel. E há fogo, muito fogo, em todos os lados. E
m alguns momentos, o calor podia sentir-se na cara, em qualquer lugar, do relvado às bancadas mais afastadas da estrutura principal, enquanto ondas de pirotecnia incendiavam não apenas o palco, mas também as quatro torres que se erguiam sobre a multidão e que iam deixando nuvens escuras de fumo a pairar no céu. Parecia, literalmente, que estávamos entre os destroços de uma qualquer cidade pós-futurista dizimada.
Depois havia coisas mais terrenas, com um palco pequeno, montado no meio da plateia (um pouco mais para a esquerda de quem estava virado para o palco), onde os músicos se juntaram às ABELARD para interpretarem a «Engel», que abriu o primeiro encore. Depois, os membros da banda voltaram ao palco principal em barcos insufláveis de borracha e atacaram um trio de luxo, composto por «Ausländer», «Du Riechst So Gut» e «Ohne Dich». Num segundo encore planeado, mas ainda assim muito requisitado) houve ainda tempo para ouvir «Rammstein», «Ich will» e, na hora da despedida, uma muito apropriada «Adieu».