RAMMSTEIN

RAMMSTEIN @ Estádio da Luz, Lisboa | 26.06.2023 [reportagem]

Apesar das condicionantes, o regresso dos RAMMSTEIN a Portugal foi, sem dúvida, um dos eventos imperdíveis do ano e, uma vez mais, ficou vincada a ideia de que ninguém apresenta um espectáculo ao vivo como esta gente.

Passaram-se quatro anos desde que a Stadium Tour dos RAMMSTEIN arrancou na Alemanha. Muitos mais desde que a rota foi originalmente anunciada e, com a pandemia pelo meio, pouco menos de 365 dias desde que os bilhetes para o concerto em Portugal foram postos à venda. No entanto, depois de tanto tempo à espera deste regresso do colectivo germânico a solo nacional, chegou finalmente o dia em que os titãs do metal industrial nos agraciaram uma vez mais com a sua presença.

Era a estreia num estádio por cá, de uma banda que nos visitou pela primeira vez para duas actuações nos idos de 1998, no Paradise Garage e no Hard Club, e que o público nacional viu crescer passo a passo. Pese a ausência a que nos votaram durante a última década (o último espectáculo por cá remontava a 2013 no, à época, Pavilhão Atlântico), a chegada dos alemães transformou Lisboa num mar negro.

Aliás, uma simples ida ao supermercado pela manhã bastaria para perceber que havia gente de todo o país (e mais além), os portugueses quase todos de mochila às costas, a convergirem para receber uma banda que está quase a celebrar três décadas de carreira. Na cabeça de alguns pesam, certamente, as recentes acusações de que Till Lindemann, o vocalista do grupo, tem sido alvo nos últimos meses que muito falatório têm provocado nas redes sociais e nos meios de comunicação – a história é tristemente recorrente no mundo do entretenimento.

Convenhamos, nesta que foi a data nacional da terceira rota da Stadium Tour no Velho Continente, os RAMMSTEIN chegaram a Portugal mais em estado de desgraça do que de graça. E, mesmo assim, a viagem de Metro até ao Estádio da Luz foi acompanhada por uma atmosfera eléctrica. Lá dentro, fomos recebidos por um mar de gente a todo o perímetro utilizável, com os bares lotados e a brisa fresca que se começou a levantar ao final da tarde a afastarem qualquer sombra de um potencial “elefante no estádio”.

Pensem ou não nisso, ou na constatação de que o futuro parece cada vez mais incerto para a banda (ou para a banda com Till), a verdade é que está tudo ali para os receber de braços abertos. Percebe-se porquê quando olhamos em frente. O palco gigantesco domina o estádio com várias torres espalhadas pelo relvado. Lá em cima, o céu cinzento prepara-se para receber todos os explosivos que serão detonados ao longo da noite.

Convenhamos, não é todos os dias que vamos a um espectáculo em que temos de retirar uns minutos bem longos para conseguirmos sequer entender o tamanho e a escala de tudo o que temos pela frente. E sim, embora o alinhamento ande a circular amplamente desde o início da digressão, a expectativa ainda era imensa em relação à performance em si. Mas já lá vamos, porque aquele palco é verdadeiramente impressionante; construído para recriar uma imponente paisagem urbana distópica, que podia bem ter saído directamente do clássico mudo “Metropolis”, de Fritz Lang, e que se confunde facilmente com a estrutura futurista da actual casa do SLB.

Resultado, com as francesas ABELARD a tocarem versões ao piano de clássicos dos cabeças-de-cartaz (numa estrutura elevada situada à esquerda na zona central do relvado), estava tudo no sítio certo para que uma banda com uma queda tão grande para gestos imponentes, e dramáticos, pudesse brilhar em todo o seu esplendor.

Podíamos estar aqui a tentar dar as voltas que quiséssemos ao texto, e em momentos até pode parecer inútil escrever sobre uma demonstração de poderio como a dos RAMMSTEIN. São uma banda ENORME e impetuosa quando tem de ser; estão coreografados ao mais ínfimo pormenor – e, verdade seja dita, estabeleceram o padrão para o que pode ser um grande concerto durante as últimas duas décadas. Com cada tour a tornar-se ainda maior e mais impressionante que a anterior, por esta altura nada vai permitir que deem algo que não seja um concerto de excepção.

Apesar das condicionantes, este que foi um dos eventos imperdíveis do ano também provou não fugir a essa regra e, uma vez mais, ficou vincada a ideia de que ninguém apresenta um espectáculo ao vivo como esta gente. A principal exportação de metal germânico tornou-se famosa por duas razões; provocam mais explosões que um incêndio numa fábrica de fogos de artifício e debitam música em volume tão alto que é frequentemente ouvida a 17 quilómetros de distância dos recintos onde tocam.

Pois bem, foi isso que se passou também por cá, com um som potente e enorme (talvez um pouco grave demais no sítio a que assistimos ao concerto), bem apoiado pelas torres de som estrategicamente colocadas para que toda a gente consiga ouvir tudo em som alto e definido. Com o volume a bombar, podia sentir-se o baixo a trovejar pelas fundações do estádio. Ponto assente: em palco, nada mudou significativamente desde a última vez que os vimos, mas tornou-se tudo maior, muito maior.

Passavam quatro minutos da hora marcada – as 21:34 parecem ter sido escolhidas estrategicamente para garantir que os músicos só subiriam ao palco já de noite –, e o estádio escureceu. Ao som da «Music For The Royal Fireworks», agora feita hino aos RAMMSTEIN, o símbolo da banda é hasteado no ecrã da gigantesca torre central da estrutura. O palco ilumina-se, vemos Lindemann a ser descido por um ascensor. Surgem as primeiras chamas e os RAMMSTEIN ligam os motores, proverbialmente, com a «Rammlied».

Os telemóveis mantêm-se no ar, a registar o momento, mas os corpos mexem-se ao som de uma sempre muito bem metida «Links 2-3-4», com o impagável Christian “Doktor Flake” Lorenz a manter-se imparável na passadeira que tem ao lado do teclado e o público ora a dançar, ora a abanar a cabeça, embalado por ganchos que são inegáveis. A viagem ao passado com «Bestrafe Mich» e «Sehnsucht», com a «Giftig» pelo meio, arrefeceu um bocadinho os ânimos. Isso ou estava tudo a cair em si, frente ao que via.

Logo a seguir, uma sentida «Mein Herz Brennt» e a animada «Puppe» puseram novamente toda a gente a cantar em uníssono. Durante duas horas, o público que esgotou o Estádio da Luz não testemunhou apenas uma banda que executou alguns dos seus maiores sucessos. Isso aconteceu, de facto. Tocaram quase todos os grandes hits, a «Deutschland», a «Du Hast», a «Mein Teil», a «Sonne», a «Ich will» e até a canção homónima, mas foi o espectáculo propriamente dito – a performance – que revelou ser absolutamente fora deste mundo.

Os níveis de pirotecnia são inenarráveis, com Lindemann a usar uma roda nas costas que solta fogo por todos os lados e os guitarristas Paul Landers e Richard Kruspe a empunharem dois lança-chamas enormes presos às guitarras e a dispararem umas labaredas enormes. Há coisas mais inocentes, como os enormes canhões de confettis que engolem todo o estádio com fitas de papel. E há fogo, muito fogo, em todos os lados. E

m alguns momentos, o calor podia sentir-se na cara, em qualquer lugar, do relvado às bancadas mais afastadas da estrutura principal, enquanto ondas de pirotecnia incendiavam não apenas o palco, mas também as quatro torres que se erguiam sobre a multidão e que iam deixando nuvens escuras de fumo a pairar no céu. Parecia, literalmente, que estávamos entre os destroços de uma qualquer cidade pós-futurista dizimada.

Depois havia coisas mais terrenas, com um palco pequeno, montado no meio da plateia (um pouco mais para a esquerda de quem estava virado para o palco), onde os músicos se juntaram às ABELARD para interpretarem a «Engel», que abriu o primeiro encore. Depois, os membros da banda voltaram ao palco principal em barcos insufláveis de borracha e atacaram um trio de luxo, composto por «Ausländer», «Du Riechst So Gut» e «Ohne Dich». Num segundo encore planeado, mas ainda assim muito requisitado) houve ainda tempo para ouvir «Rammstein», «Ich will» e, na hora da despedida, uma muito apropriada «Adieu».

ALINHAMENTO:

01. Rammlied | 02. Links 2-3-4 | 03. Bestrafe Mich | 04. Giftig | 05. Sehnsucht | 06. Mein Herz Brennt | 07. Puppe | 08. Angst | 09. Zeit | 10. Deutschland | 11. Radio | 12. Mein Teil |13, Du Hast | 14. Sonne /// Encore 1 /// 15. Engel | 16. Ausländer | 17. Du Riechst So Gut | 18. Ohne Dich /// Encore 2 /// 19. Rammstein | 20. Ich will | 21. Adieu