Não é apenas uma canção, é um hino — e o álbum em que surgiu pela primeira vez foi editado há já mais de três décadas. «Killing In The Name» é sinónimo de RAGE AGAINST THE MACHINE.
Passam hoje trinta anos sobre a edição do primeiro álbum dos RAGE AGAINST THE MACHINE. O disco homónimo, de 1992, não só é o primeiro da banda como o mais icónico – e, para muitos, o melhor que alguma vez fizeram. Para isso até podia contribuir o facto do quarteto apenas ter lançado quatro álbuns; desde 2000 que não libertam um disco originais. Esse primeiro LP é provavelmente um dos álbuns mais políticos de todos os tempos.
Mesmo que, com o tempo, a política, viesse a revelar ter pés de barro, ou que o tempo se encarregasse de a tornar tão irrelevante ao ponto de muitos fãs recentes nem se aperceberam desse lado da equação, como se provou no regresso do grupo. Formados em 1991, autores de uma maqueta homónima e, meses depois, editados por uma multinacional, os RAGE AGAINST THE MACHINE integram um grupo de bandas, díspares entre si, mas nas quais as editoras tentavam ver o novo boom pós grunge.
Zack de la Rocha, na voz, Tom Morello, na guitarra, Tim Commerford, ou Timmy C. à época, no baixo e Brad Wilk, na bateria. O disco surge uns meses depois dos motins de L.A. e logo no dia das presidenciais norte-americanas, e também ainda no rescaldo da Guerra do Golfo. A carga política do é reforçada pela capa, com a icónica imagem de Thích Quảng Đức a imolar-se pelo fogo, como protesto contra a colaboração norte-americana na guerra do Vietnam. Hoje, talvez fosse banida por ser demasiado gráfica ou talvez alguém falasse de apropriação cultural. No entanto, estava-se nos anos 90 e ainda havia liberdade de expressão.
Acontece que as ideias e a política, na música, não se sustentam por si só. É preciso também música, e essa transbordava por todas as espiras do vinil. Apenas um problema: entre a dezena de bons temas, um emergia com mais força que os outros. Depois dos primeiros pulsares da guitarra, umas linhas de baixo icónicas, um cowbell no ponto certo e o tema nasce.
E depois há a letra, cuspida por Zack, algures entre o punk e um qualquer ‘shout out’ directo dos anos 60, embebido no espírito de uns MC5. “Some of those that work forces / Are the same that burn crosses”, gritava de la Rocha, quando Trump e a right wing eram ainda uma miragem, e apenas a esposa do democrata Al Gore, ou os televangelistas, tentavam revelar-se perigosos. Anos mais tarde, no vídeo-clip de «Testify», Gore e Bush seriam mesmo ridicularizados pelo grupo. A letra evolui, em ritmo de motim e culmina num grito geracional:
“Fuck you, I won’t do what you tell me!”.
A revista Q, considerou «Rage Against The Machine» como uns dos 50 discos mais pesados de todos os tempos. A Rolling Stone coloca-o na tabela dos 500 melhores discos de sempre, e um dos 100 melhores de metal. No que toca a vendas, é platina em vários países, incluindo tripla platina nos Estados Unidos e no Reino Unido. O inclassificável single, «Killing In The Name», ora era colocado no caldeirão rap metal, se calhar porque os seus autores não eram brancos, ora no do metal alternativo.
Na verdade, bastava terem escolhido classificar o tema como um dos melhores de sempre. Uma malha tão excepcional que, em 2009, subiu ao número um da tabela de vendas britânica no Natal, numa rebelião contra a música formatada do X Factor e do Simon Cowell. Claro que, pelo meio, a música foi sempre censurada – coitada da BBC, que lá teve de escutar as opiniões de Tom Morello e passar o tema.
O lado icónico do tema, levou a que outros grupos o interpretassem, mesmo que apenas ao vivo. Aliás, a performance dos próprios RAGE AGAINST THE MACHINE no Woodstock, edição de 1999, é, também ela, ultra poderosa. Curioso que outra banda eternamente ligada ao ex-festival do peace & love, os Limp Bizkit, sejam dos poucos nomes que conseguiram reinterpretar o tema de forma bem-sucedida.
O colapso dos RAGE AGAINST THE MACHINE, devido à cisão com Zack, levou a que os restantes elementos seguissem o seu caminho, procurando novos vocalistas, tentando recriar a raiva do original. Foi o que aconteceu, mal, com os Audioslave. Escuta-se o tema e a todo o momento se espera ouvir um “rusty cage” no lugar de “Fuck you, I won’t do what you tell me!”.
Após o flop da banda com Cornell, Morello dedicou-se então aos Prophets Of Rage – e aí já conseguiu melhores resultados para o tema. Diga-se que, ao contrário de outros clássicos, não é fácil fazer uma versão à altura do original.
Seja pela raiva contida, seja porque qualquer abordagem resulta oca de sentido político e parece até aproveitar-se do mesmo. É por isso que o tema interpretado pelos Bonded By Blood não convence ninguém, tal como acontece quando os Metal Fusion o tocam. Do assassinato a cargo de Mambo Kurt, quando menos se disser melhor… Digamos que podia mesmo ser argumento para queixa num qualquer tribunal do bom gosto.
No caso dos Blue Sky Archives até se pode perdoar a tentativa feita em «Crack In The Road – Youth Music», de 2011. Na realidade, a melhor versão, que não é!, está a cargo dos Infectious Grooves, com «Do What I Tell Ya!». Na malha de 1994, Mike Muir criticava a forma como os RAGE AGAINST THE MACHINE iam enriquecendo, graças ao mesmo sistema a que apontavam o dedo.
O eterno problema dos revolucionários de hoje, quando se convertem no sistema de amanhã. Também por isso, «Killing In The Name» é um grande tema. Foi escrito antes dos RAGE AGAINST THE MACHINE integrarem o sistema.