Faleceu ontem aos 70 anos uma das vozes mais relevantes da música contemporânea. Para além do legado musical gigantesco que deixa para trás, com os seminais THROBBING GRISTLE e posteriormente com a experimentação delirante dos PSYCHIC TV, entre muitos outros projectos, Genesis P-Orridge era acima de tudo uma voz da contra-cultura, um/a (Genesis identificava-se como “terceiro género”, por “s/he” e “he/r“, pelo que tentaremos aproximar-nos o mais possível na tradução) contestatário/a, um/a desafiador/a de normas sociais, e um exemplo absoluto de que podemos, e devemos, questionar tudo o que nos rodeia. Cantor/a, poeta, ocultista e performance artist, a pessoa nascida como Neil Andrew Megson em 22 de Fevereiro de 1950 transformou-se num verdadeiro ícone ao longo da sua vida, tendo a sua influência no “nosso” mundo musical feito sentir-se essencialmente através dos THROBBING GRISTLE.
Uma evolução do polémico colectivo de arte COUM Transmissions (onde já estava Cosey Fanny Tutti, um dos membros fundamentais dos GRISTLE, para além de Peter “Sleazy” Christopherson, desaparecido em 2010, e Chris Carter), foram os verdadeiros criadores do que hoje conhecemos como música industrial. “Os punks diziam ‘aprende três acordes e forma uma banda’, e nós pensámos, para quê aprender acordes? Queríamos fazer música como a Ford fazia carros na cintura industrial. Música industrial para pessoas industriais,” disse Genesis à New Yorker em 2012, o que resume perfeitamente a ideia por trás da formação do projecto. Influenciados tanto pela música minimalista experimental de John Cage como por escritors da beat generation ou pelos dadaístas, os THROBBING GRISTLE editaram a sua estreia «The Second Annual Report» em 1977, pela Industrial Records que Genesis tinha criado para esse propósito. Os poucos anos de actividade que tiveram foram marcados pela incompreensão e rejeição do music business e parte do público em geral, mas indubitavelmente conquistaram o seu espaço na história pela postura constantemente revolucionária – Genesis nunca esteve minimamente interessado/a em repetir o que quer que fosse que já tinha feito uma vez – e tornaram-se numa influência gigante em vários nomes grandes do presente, como Trent Reznor por exemplo, entre muitos outros. Houve uma reactivação já neste século, entre 2004 e 2010, que Portugal “perdeu” por pouco: a meio de uma tour em 2010, Genesis anunciou que não ia actuar mais com a banda, que continuou em modo instrumental como X-TG, formato no qual chegou então a actuar na Casa da Música – 20 dias antes da morte de Sleazy.
Pelo meio, criou os PSYCHIV TV, que misturaram punk, electrónica, psicadelismo e mais carradas de experimentação com o template dos THROBBING GRISTLE, e acabaram por ser o veículo musical de Genesis que mais tempo durou. Aliás, tecnicamente ainda estão em actividade como PTV3, se bem que sem a figura de Genesis, tudo parece um bocado artifical. Tendo perdido a sua companheira de sempre, Lady Jaye, com quem iniciou o chamado PANDROGENY PROJECT – uma série de modificações corporais para se parecerem fisicamente um/a com o/a outro/a e se tornarem num único ser chamado “Breyer P-Orridge” –, em 2007, Genesis P-Orridge lutava há algum tempo contra o inimigo que acabou por ser fatal, uma leucemia que lhe foi diagnosticada em Outubro de 2017. Deixa para trás a sua obra artística, que será eterna, e acima de tudo deixa-nos o seu espírito rebelde, a sua defesa estóica da liberdade individual e a sua personalidade única. “When in doubt, be extreme,” dizia. Assim faremos, Genesis.