Num documentário tão excelente quão longo, Kirby Ferguson explica porque tudo é um remix. E é assim cada vez mais, nos dias de hoje. Richards, Beck, Clapton ou Page fizeram-no, repescando o blues para a electricidade das guitarras, na década da pop. Claro que Page, Blackmore ou Iommi não tinham internet e ainda estavam a abrir caminho no hard rock, por isso não foram alvo de polícias agarrados aos teclados, julgando o seu experimentalismo. Remistura e cruzamento de ideias é a essência da música. Que o diga B. Ardo, ou Bruno Manuel de Carvalho Nunes de Sousa, dos Sangre Cavallum, mas também presente em outras obras, como «Temple Of The Sun», de 2007, para Svarrogh. Falecido na passada semana, aos 50 anos, dois dias depois de RYUICHI SAKAMOTO, o músico português, em conjunto com a banda, percorreu um solitário trilho de criação de neo folk nacional, inspirando-se nas raízes portuguesas, em particular durienses e transmontanas, mas bebendo do que se fazia, pelo norte da Europa.
E assim se recua aos anos 80, a um filme singular e à frente no seu tempo. ‘Merry Christmas, Mr. Lawrence’, de 1983, dirigido por Nagisa Ôshima, com David Bowie e música de Ryuichi Sakamoto. Para quem assistiu ao filme, passado na Segunda Guerra Mundial, num campo de prisioneiros nipónico, muitas são as memórias que hoje chegarão. O cruzamento de culturas, entre a rudeza e sobranceria britânica, por oposição à eficácia e delicadeza nipónica, é só uma delas. Numa década em que a liberdade de expressão ainda existia, sem a necessidade da censura ou o exibicionismo da imposição, algures na história se percebe que há bem mais no filme, um choque de outras culturas que termina no célebre beijo na face. Neste origami de culturas e expressões, há uma linha continua, a delicada música de Sakamoto.
Nascido a 17 de Março de 1952, Ryuichi Sakamoto começou por ser conhecido enquanto integrante da Yellow Magic Orchestra, trio que influenciaria a música electrónica, a par dos germânicos Kraftwerk, e cujo baterista e vocalista, Yukihiro Takahashi, faleceu em Janeiro passado. A solo, tornou-se conhecido pelas suas bandas-sonoras, tendo obtido o óscar com o filme ‘The Last Emperor’, mas certamente que é banda-sonora de ‘Merry Christmas, Mr. Lawrence’ que o projecta e define um estilo. Como tudo são remixes, o seu som, juntamente com o de Badalamenti, também recentemente falecido, permitiu que bandas pop e rock pegassem nas suas linhas melódicas e as recriassem em vagas sonoras. É escutar os Minsk em The Shore Of Transcendence». E que tal pensar um pouco, e questionar se uns Mono, poderiam ter crescido no Japão sem nunca terem sido bafejados pela música de Sakamoto? Afinal, até uma criação de Ryuichi Sakamoto e Christian Fennesz, que se intitula exactamente… «Mono», pois claro.
A vida de Ryuichi Sakamoto foi rica e repleta de experimentação. De certa forma, ele soube trazer o silêncio para a música, com uma delicadeza única. Também soube lutar, ser activista antinuclear e não hesitar em cruzar barreiras, colaborando com músicos e estilos diversos. Que o diga Iggy Pop, que com trabalhou em «Risky». Em Dezembro passado, Sakamoto, despediu-se num streaming, recolhendo diferentes temas da sua carreira, numa fase em que sabia estar já em estado terminal, após uma longa batalha contra o cancro, que também mudou a sua forma de compôr. O último álbum, intitulado «12», saiu em Janeiro deste ano. Neste domingo, 2 de Abril, na sua conta de Twitter, podia ler-se “Janeiro 17 1952 – Março 28 2023”. Mais tarde, a sua editora, Commons, confirmava o óbito. A música perdeu um criador, também influente para o lado da música pesada.