QUADRO DE HONRA – TARANTULA
por Nelson Santos
Na sequência do artigo publicado na mais recente edição da LOUD!, juntamos aqui o testemunho de Jorge Marques, o vocalista desse marco histórico no heavy metal nacional que foi «Kingdom Of Lusitania» em 1990. Depois de termos recuado ao passado do nosso reino de peso com Luis Barros e Paulo Barros na edição em papel, fazemos agora essa viagem com o jovem frontman na altura, completando esta evocação lusitana com alguns “mitos e lendas” revelados pelos irmãos fundadores da banda.
Quais as grandes memórias que guardas de 1989-90 e dessa altura?
Bem, foi sem dúvida uma época muito especial na minha vida, talvez das mais marcantes e agitadas. Foi uma fase de adaptação a uma nova realidade, a de vocalista. A sensação que hoje tenho é que foi tudo muito rápido e intenso. Na altura era baterista dos Web e de, repente, surge o grande desafio e a enorme responsabilidade de cantar.
Sentes que o «Kingdom Of Lusitania» é um álbum, ainda hoje, histórico e com o seu peso na cena nacional de metal?
Avaliando o que se tem dito e também escrito ao longo de mais de duas décadas em relação ao «Kingdom Of Lusitania», não posso negar a importância que teve, especialmente na génese de outros grupos e artistas, algo que nos honra e é gratificante constatar isso mesmo pela voz de alguns músicos e o respeito que nutrem por nós. É algo que muito prezamos. Quem nos conhece, sabe que a nossa postura na música, como na vida, sempre foi de grande realismo, fazer “música pela música” e ter o privilégio de partilhá-la essencialmente com os nossos fans e público em geral; crescer e evoluir sem nunca colocar a fasquia muito alta. Com todos os defeitos e virtudes que se possam apontar ao álbum acho que, pelo menos, marcou uma época.
Consideras que alguns problemas da produção não coíbem este de ser um disco muito especial para a própria banda, pelo seu heavy metal puro e descoberta de um estilo próprio?
Para ser sincero, nunca tive essa perspetiva. É apenas um registo feito numa altura em que, no nosso país, não havia grandes alternativas na área da produção e muito menos no heavy metal e considero que foi necessária muita coragem, tendo sido um trabalho árduo para que o álbum pudesse ser uma realidade. Mas o que foi feito a nível de produção não foi fruto do acaso, o Luís sempre foi o grande responsável pela sonoridade do grupo e sabia muito bem o que fazia e pretendia. O tempo deu-lhe razão já que fez dele um dos produtores mais solicitados em Portugal, com algumas produções fora do país. O «Kingdom Of Lusitania» é um álbum especial não só pela temática específica em que se faz uma abordagem à história de Portugal mas também porque, na minha opinião, é uma obra épica muito intensa e com um grau de execução elevado.
Para ti, pessoalmente, também deve ser um trabalho especial por ter artwork teu… e pela circunstância de ser o primeiro álbum que gravavas?
Sim, realmente como já referi, foi um período muito intenso. Por um lado, a responsabilidade de fazer a capa do álbum, o que demorou algum tempo, já que fiz algumas abordagens estéticas diferentes pelo meio e é uma capa com imensos detalhes, na maioria ligados a cada música que faz parte do disco. Acabou por ser, para mim também, uma grande referência na minha outra faceta, a de artista plástico, aliás a que me fez aproximar do grupo ainda com o nome Mac Zac, mas isso é outra estória. Por outro lado, pelo motivo de ter sido o meu primeiro álbum como vocalista tendo sido uma experiência muito exigente.
A forma como cantas hoje não é exactamente a mesma que empregaste nesse álbum – e a pronúncia em certos versos também era outra :) – mas tudo se desculpa pelo lado genuíno com que estavam a
descobrir uma sonoridade e por aquela excitação do “histórico nacional” que deram aos fãs, certo?
Felizmente… [risos] Tenho a noção do que fiz nesse álbum, assim como também tenho a consciência de que fiz o melhor possível. A grande realidade é que, quando entrei para o grupo, o nível musical era grande e comparativamente com as minhas reais capacidades como vocalista inexperiente, era enorme, digo-o sem qualquer problema. Além disso tive que me adaptar à nova realidade de cantar e em inglês, sendo que na altura as letras eram da autoria do Luís. Já agora, acho este momento oportuno para dizer algo que nunca tive a oportunidade de manifestar publicamente e uma vez que este álbum para mim foi o início de uma nova vida, agradeço a oportunidade que me deram, especialmente ao Luís e ao Paulo, por tudo o que tenho vivido ao longo destes anos. Foi com eles que passei grande parte dos melhores (e piores) momentos em que pude crescer como músico e como pessoa e por quem tenho um profundo respeito, gratidão e admiração, sem esquecer todos os que fizeram e fazem parte da “família” Tarantula, agradecendo-lhes também por me aturarem tanto tempo!
Diz-nos um concerto marcante que recordes dessa altura… por uma qualquer razão.
O meu primeiro concerto como vocalista foi um autêntico baptismo de fogo, no Cais 447 em Matosinhos, 1989. Lembro-me que a certa altura o PA “explodiu”. Felizmente. foi quase no fim.
Tenho boas memórias de um concerto na Amora em 1990 na Sociedade Filarmónica Amorense, incluído na Lusitania Tour 90. Em 1991, no antigo estádio do Barreirense, no festival Diz Sim À Vida. Apanhei uma grande insolação nesse dia, estavam cerca de 40 graus, achei que não podia participar no evento. Valeu pela grande confraternização em palco com os Ibéria que não puderam dar o seu contributo no festival e então tivemos a ideia de os convidar para cantarem connosco o «Smoke On The Water». O mais engraçado disto tudo é que, 21 anos depois, o momento voltou a repetir-se em dois espectáculos, um em Lisboa e outro no Porto, com o nome Lusitania Old School em se incluiram também os Gárgula (ex Alkateya).
MITOS & LENDAS NO REINO DA LUSITANIA
Na altura, tivemos a oportunidade de alguma internacionalização, mas fomos alvo de um boicote assumido da PolyGram. Havia um pré-acordo com o manager dos Helloween para uma digressão e futuro agenciamento. (Luis B.)
Ao gravar esse álbum, ganhei piolhos! Não tenho vergonha em dizer isto. A concentração era de tal ordem que passávamos dias sem tomar banho, também porque não tínhamos o tal know-how e o stress tomava conta de nós. Tivemos 3/4 meses de estúdio, de manhã à noite, não havia espectáculos, não entrava dinheiro e foi um período dramático. Mas havia um grande espírito de comunidade e estávamos empenhados naquele objectivo. (Paulo B.)
«Peter The Cruel», do álbum «III», é um tema que sobrou do «Kingdom Of Lusitania». Na verdade, não coube no vinil. E o tema que fecha o disco, «The Saga Of Sebastian, The King», acaba com fade out, coisa que não era suposto, precisamente por contingências de espaço num lado do disco. Isto porque o tempo de duração dependia da densidade e volume do próprio disco. (Luis B.)
Vejo com interesse a ideia de tocarmos o «Kingdom Of Lusitania» na íntegra num concerto para esse fim. Já pensámos nisso. Para nós, acho que seria algo a considerar. (Paulo B.)