Dois anos de agruras. Dois anos de planos furados. Dois anos de pára-arranca, nos ensaios, nos concertos, no processo de composição e gravação de um álbum que agora se materializa em todo o seu esplendor. Podia ser só sugestão, mas não é – todo o peso nos ombros, todo esse sufoco, toda essa carga emotiva fazem de «Slaves Beneath The Sun» um dos mais complexos e intensos álbuns que os PROCESSOFGUILT já fizeram. A curiosidade era, portanto, enorme, para testemunhar a força destes temas ao vivo, com a banda a subir ao palco do Music Box sem que o seu público tivesse ouvido sequer uma nota do que andaram a congeminar no período pandémico. Pois bem, para começar, é importante notar que quaisquer receios que os músicos pudessem ter em relação a este regresso foram rapidamente atirados para a valeta. O público compareceu em massa, com a sala do Cais do Sodré a registar uma lotação bastante composta; os temas novos, mesmo ao primeiro impacto, deixaram toda a gente fixada no que se ia passando em palco e, como habitual, inspiraram as ondas de headbanging feroz que já se esperam das actuações do quarteto; e, no final, ao contrário do que tinha previsto, o Hugo Santos estava visivelmente cansado, mas não propriamente “morto”, com toda aquela inerente satisfação proporcionada por uma catárse há muito adiada espelhada no rosto.
Nós, fica aqui a confissão, estávamos a jogar em vantagem em relação a talvez 99% da plateia, uma vez que já tínhamos tido oportunidade de ouvir o álbum novo umas quantas vezes. Tendo em conta isso, talvez tenhamos tido uma visão um pouco diferente do que se passou. No entanto, isso só serviu para estarmos mais atentos aos detalhes, aos pormenores, que têm um papel tão preponderante em «Slaves Beneath The Sun», um disco que cresce a cada nova audição e que revela pequenas nuances cada vez mais essenciais para entendermos na plenitude o crescimento que estes músicos têm sofrido ao longo dos anos. Quando se fala em PROCESSOFGUILT, sobretudo ao vivo, é sintomático que se fale de “jarda” – e sim, essa paixão pelos grooves demolidores, pelo rugir dos amps e das cordas encharcadas de distorção e pelo feedback apoiada numa secção rítmica cada vez mais sólida e arrasadora, ainda tem uma quota parte importantíssima no que esta gente faz –, mas em 2022 os PROCESSOFGUILT são, cada vez mais, muito mais que “apenas” bujarda sonora. São também ambiente, mais cerebral, mais sofrido, mais sufocante.
Isso percebeu-se logo com a devastadora abertura composta pelos dois temas que abrem «Slaves Beneath The Sun» e que deram o tiro de partida para um alinhamento que incluiu o novo álbum interpretado na totalidade e em sequência – «Demons», «Scars», «Victims», «Slaves», «Breathe» e «Host». Destes seis, será difícil (e até injusto) tentar estar aqui a escolher pontos mais altos mas, talvez pelo factor novidade, a «Breathe» teve um impacto fenomenal, com a banda transformada em quinteto pela presença de Paulo Basílio, o ex-WHY ANGELS FALL responsável pela captação de «Slaves Beneath The Sun», na terceira guitarra. O tema, já de si bastante corpulento e intempestivo na versão gravada, cresceu sobremaneira em palco, com o bafo dos amps a sentir-se no peito e aquele solo no final a provar, de uma vez por todas, que estes músicos estão com cada vez menos vontade de se vergarem a estereótipos. Pelo meio, tivemos direito apenas a dois apontamentos familiares, «Feral Ground» e «Faemin», colocados estrategicamente no alinhamento para permitirem ao público recuperar temporariamente o fôlego. Verdade seja dita, esses dois “malhões” acabaram por ser os pontos de menor interesse nesta ocasião – e isso diz muito em relação ao poder das novidades que traziam na bagagem.
FOTOS: Solange Bonifácio