Não há como contornar esta questão, os últimos anos não foram propriamente fáceis para ninguém – e os PROCESS OF GUILT não passaram ao lado dessa regra. Em constante crescimento desde que deu os primeiros passos nos idos de 2002, a banda nacional tem vindo a construír uma reputação de enormíssimo respeito no underground, afirmando-se como um dos nomes mais reverenciados no meio da música extrema que não se verga a idiossincracias ou rótulos estanques. Apoiado num fundo de catálogo sem mácula – duas maquetas, dois splits, um EP e quatro muito aplaudidos álbuns de longa-duração – o colectivo formado por Hugo Santos, Nuno David, Custódio Rato e Gonçalo Correia ainda andava na estrada a promover o enorme «Black Earth», que dista já cinco anos, quando viu subitamente todos os intentos travados por uma situação catastrófica que ninguém podia ter imaginado. “Apesar do ciclo de promoção ter sido encurtado a dada altura devido às circunstâncias da pandemia, continuo a estar muito satisfeito com o «Black Earth»”, diz Hugo Santos. “Considero que esse é o disco mais cru e directo que alguma vez fizemos. É o som de uma banda despida de merdas.” Inevitavelmente impedidos de continuarem em digressão, os quatro músicos viram-se confrontados com uma daquelas merdas a que ninguém conseguiu fugir e, mesmo quando decidiram focar a sua atenção na concepção de um novo registo, acabaram por esbarrar com uma série de contratempos que atrasaram, uma vez mais, todo o processo em que estavam apostados. “Os últimos anos não foram efectivamente fáceis”, desabafa agora o músico. “A pandemia acabou por afectar-nos da pior forma possível, mais não fosse porque nos obrigou sistematicamente a adiar a composição e gravação do disco. Havia inclusivamente coisas marcadas desde 2020 e que só conseguimos completar em 2022, por isso não é difícil perceber o que isto foi para nós.”
Entre avanços e recuos, uns longos dois anos depois e numa altura em que estão já a celebrar duas décadas de existência, os músicos estão finalmente de regresso à acção e a disparar com todos os cilindros. Na bagagem têm um colossal novo álbum, intitulado «Slaves Beneath The Sun», que revela todos os predicados necessários para se poder dizer que é um firme passo em frente para uma banda que, verdade seja dita, ao longo de duas décadas ainda não deu passos em falso. Talvez por isso, partiram do ponto em que nos tinham deixado com o seu último longa-duração e, afectos à máxima não-se-mexe-em-equipa-vencedora, voltaram uma vez mais a fazer as captações com o talentoso Paulo Basílio nos estúdios Buzz Room, em Lisboa, recorrendo depois à mistura de Andrew Schneider no estúdio Acre, em Nova Iorque, e à masterização de Collin Jordan no The Boiler Room LLC – Music Mastering, em Chicago. “Sei que é comum dizer isto, e nós sempre o sentimos também em relação aos nossos lançamentos anteriores, mas penso que este é efectivamente o melhor retrato do que são os Process Of Guilt nesta altura”, reflecte o vocalista e guitarrista. “Depois de concluído todo o processo, já com o produto final na mão, posso dizer que estamos 100% satisfeitos. O disco tem um som mais coeso e carrega todas aquelas características que, de certa forma, já eram nossas, mas que agora estão todas um pouco mais aprofundadas.” Sentindo toda a força e toda a dinâmica que premeiam os seis temas que compõem «Slaves Beneath The Sun», não há como não concordar com o que o músico nos diz. E a verdade é que, se, por um lado, estas canções se afirmam, logo desde o primeiro impacto, efectivamente como algum do material mais pesado, abrasador, negro, contundente e sufocante que os PROCESS OF GUILT alguma vez gravaram, por outro também nos mostram os músicos com cada vez menos pejo em alargarem o seu amplo raio de acção, com os riffs e grooves demolidores a que já nos habituarem a surgirem envoltos numa atitude ainda mais aventureira, que tanto passa pela recuperação de elementos já explorados no passado (e abandonados entretanto) como por um ligeiro incremento de melodia, um dinamismo vocal que nunca tinham explorado antes e até a utilização de alguns truques de estúdio. “No final, talvez não soe tão austero como o «Black Earth», afirmando-se como o disco mais ambicioso que alguma vez fizemos”, elabora o músico. “E funciona, de facto, como uma peça. Há um intercruzamento entre os temas e há um intercruzamento lírico, sem dúvida. Além disso, acho que acaba por ser um registo mais ambiental. [pausa] Quanto se fala em ambiente, as pessoas pensam logo em solos e guitarras limpas e tudo o mais, mas para mim ambiente é uma coisa diferente – é aquilo que se sente quando se ouve a música.”
O que aí vem, além da edição do disco, via Alma Mater Records e agendada para o final mês, são inevitavelmente os concertos, que arrancam amanhã, sexta-feira, 20 de Maio, com o espectáculo de pré-apresentação de «Slaves Beneath The Sun» no Music Box, em Lisboa, com o quarteto a deslocar-se a Évora, no dia seguinte, para uma actuação no Capote Fest. Com apenas duas actuações protagonizadas nos últimos dois anos, em Lisboa e Porto, inseridas no mini-festival Back To Back, os músicos estão naturalmente expectantes em relação ao retorno aos palcos. “A verdade é que já não tocamos ao vivo desde o Back To Back, por isso espero não chegar morto ao fim do concerto”, diz o músico entre risos. “Como sabemos, tantos meses depois, a pandemia continua a fazer-se notar e não sei se há mais ou menos público, mas a procura por bilhetes tem sido bastante significativa em relação a experiências semelhantes que fizemos no passado e espero que as pessoas disfrutem. Na verdade, o concerto de amanhã vai ser diferente porque nunca fizemos nada deste género… Ou melhor, fizemos algo semelhante com o «Erosion», mas dessa vez o disco já existia fisicamente no dia em que o apresentámos pela primeira vez ao vivo. Neste caso, o concerto vai ser a primeira oportunidade que as pessoas vão ter para tomarem contacto com estes temas, com a música nova e com essa massa de som que vai sair. São temas mais orgânicos, mais complexos e acho que vai ser uma experiência engraçada, tanto para nós como para quem aparecer para nos for ver. Espero, muito sinceramente, que esse primeiro impacto seja suficiente para despertar a curiosidade das pessoas, mas o mais importante mesmo é que se divirtam e celebrem um pouco, de forma a assinalarmos de forma condigna, não só a chegada do novo álbum, que é aquilo em que vamos estar 100% focados nos próximos tempos, mas também os nossos primeiros vinte anos de carreira”.