Uma banda que vem pela 12.ª vez a Portugal só se pode assumir como banda de culto perante os portugueses. De facto, é difícil não associar o nome dos PIXIES ao imaginário indie (e até mesmo punk) de quem viveu a cena alternativa no final dos anos 80/ início dos 90 no nosso país. Nesse período lançaram os seus álbuns mais mediáticos e que marcaram uma geração, em especial «Surfer Rosa» (1988), «Doolittle» (1989), «Bossanova» (1990) e «Trompe Le Monde» (1991). Esta nova visita deu-se no reformado Campo Pequeno, que continua a ser extremamente desconfortável para quem assiste na bancada, com lugares muito apertados onde nem se consegue esticar as pernas, pior que viajar em low cost numa companhia aérea manhosa.
A abrir a noite estiveram os WUNDERHORSE, projecto liderado por Jacob Slater, a promover o álbum de estreia «Cub». Desconhecidos do grande público, os ingleses desfilaram os seus temas mais sonantes, como «Butterflies», «Purple» ou «Morphine». O som deambula pelo indie rock, post-rock e por vezes até pisca o olho ao grunge dos Screaming Trees. Um concerto competente perante um recinto que começava a estar bem preenchido, infelizmente um pouco prejudicados com o som que pecava pela falta de definição. Por esta altura, uma jovem com ar de quem saiu da Passerelle, senta-se por trás de mim, soltando um fedor que nem nos concertos de crust encontrei. Estamos em 2023 e há pessoas que ainda não sabem que por menos de um euro conseguem comprar um sabonete ou até mesmo um desodorizante. Mas adiante…
Chegam os reis da noite, entrando em palco Black Francis (voz e guitarra), David Lovering (bateria), Joey Santiago (guitarra) e Paz Lenchantin (baixo e voz, que preenche a vaga deixada pela mítica Kim Deal). Já com o Campo Pequeno cheio soam os primeiros acordes de «Cactus» sentindo-se o baixo demasiado alto, seguido de «Nimrod’s Son». Logo a queimar as fichas tocam «Here Comes Your Man», talvez o tema mais mediático de sempre dos PIXIES, que os catapultou para o mainstream. É uma pena que um álbum tão forte e inspirado como é o caso de «Doolittle» seja por vezes reduzido a “o disco da «Here Comes Your Man»”. Por esta altura já tinha a meu lado uma rapariga que passou todo o concerto a filmar e a soltar gritos agudos no final de cada música, que entravam nos meus ouvidos como agulhas.
Segue jogo com «Vamos» e «Blown Away» com o som ainda muito enrolado. Chega a vez de «Ana» numa performance irrepreensível, assim como «Mr. Grieves». Problemas técnicos são contornados em «Motorway To Roswell» e sem demoras entregam-se a «There’s a Moon On», novo tema bastante apreciado por alguns ingleses na bancada que começaram a dançar de cerveja na mão como se estivessem numa rave em Ibiza. «Who’s More Sorry Now», «Haunted House» e «The Lord Has Come Back Today» trazem ao de cima o novo trabalho «Doggorel» no qual assenta a presente tour. Ao 13.º tema finalmente o som fica decente e «Get Simulated» soa na perfeição, com um baixo redondo e uma guitarra definida. Foi já com um som bem equilibrado que a bateria e o baixo dão o mote para «Gouge Away». Voltam ao novo disco com o tema que dá título ao álbum, «Doggerel», onde a banda se engana no arranque. As hostes aquecem com o clássico «Monkey Gone To Heaven», que para minha sorte leva a que toda a gente se levante e eu possa tirar o meu rabo quadrado da cadeira, onde já não tinha posição. É estranho ires ver um concerto e estares a gostar, mas estares a desejar que acabe por estares desconfortável, é mais ou menos a mesma coisa que ires ver o Sporting mas saber que o Esgaio está no onze inicial.
Continua uma fase animada do concerto com «Human Crime», «Caribou», «Planet Of Sound» a rockar nas horas e uma fantástica «Vault Of Heaven», talvez o tema mais bem conseguido do novo disco. Segue-se «Pagan Man» com uma vocalização digna de um intérprete country, «Dregs Of The Wine» e «Thunder And Lightning» numa sequência mais morna. «Nomatterday» é uma música nova que recupera um pouco o espírito mais antigo da banda com o seu baixo marcante e a voz satírica. Alguém passa por mim com um chapéu igual ao do Crocodilo Dundee enquanto soa «I’ve Been Tired» e um grupo de punks reformados assalta o bar. «Isla De Encanta» acelera o compasso e precede «Head On», a brutal versão de Jesus & The Mary Chain, que se tornou também um marco dos próprios PIXIES. «Debaser» leva novamente o público ao rubro e na arena algumas pitas “freaks da Zara” sobem às cavalitas dos namorados, talvez pensando que estavam na Festa do Avante. Desfile de clássicos com o intimista «Wave Of Mutilation», «Hey» e «Bone Machine». A festa continua com «All The Saints» e para surpresa de muitos uma segunda versão de «Wave Of Mutilation».
O momento da noite é sem dúvida «Where Is My Mind», tema arrepiante com milhares de pessoas a acompanhar a banda numa sintonia única. Simplesmente brutal. Para fechar as duas horas de concerto, num desfile de 35 temas, a versão de Neil Young, «Winterlong». Apesar dos contratempos acabou por ser um concerto competente e claramente os PIXIES são animais de palco difíceis de encontrar, que tocam diferentes gerações de amantes de rock alternativo. De 1986 até hoje… obrigado!
FOTOS: Solange Bonifácio