Um novo álbum dos Peste & Sida em 2022 trará tanto de expectativa como de reticência. A verdade é que os Peste são um fenómeno na cena alternativa portuguesa que se soube reerguer após o final anunciado e o funeral patrocinado pelos Despe & Siga, projecto que matou precocemente os Peste na sua primeira e mais mediática fase. E é aqui que teremos que dar mérito a João San Payo, que arregaçou as mangas para fazer renascer a sua banda e remou contra a maré dos que davam como missão impossível a revitalização dos Peste & Sida. Outro mérito da banda foi saber evoluir, saber crescer sem perder a sua identidade. Como termo comparativo vêm sempre à cabeça os The Clash, que após o primeiro álbum punk-as-fuck (no caso dos Peste & Sida seria «Veneno») começaram a evoluir por outros caminhos com novas influências musicais, culminando no incontornável «London Calling». Um percurso que os Peste recriaram com os seus álbuns seguintes. Outra curiosidade é que os The Clash foram a primeira banda de 77 a assinar por uma major, sendo que os Peste foram a única banda punk portuguesa a editar um álbum nos anos 80 e também através de uma grande label (os primeiros dos Mata-Ratos e Censurados foram já em 1990). Coincidências, ou nem tanto.
Mas vamos então para «Não Há Pão», o novo álbum! O disco arranca com «Não Te Cures (…Que Não É Preciso!)», uma rockalhada na linha do que a banda nos habituou desde sempre que aborda a temática da estupidificação humana com as redes sociais. Segue-se «O Típico Zé Tuga» com uns toques de 2 Tone para o bailarico e sem perder gás «Ei Tu, Vem Daí!» que inclui um excerto de uma malha dos NZZN, tema com grande balanço. «Só Ouve O Brado Da Terra» é uma versão de José Afonso, algo que já se tornou tradição em Peste, desta vez num tema não tão mediático, uma curiosa versão alicerçada num baixo que poderia muito bem estar num qualquer álbum dos The Stranglers. Entra em cena o reggae de «Equilibrista (E Eu Ralado…)» com a participação de Freddy Locks na voz, numa das composições mais marcantes do álbum, com uma letra também ela forte. A «Prescrição Do Dr. Peste & Sida» recomenda uma boa skazada e uma boa dose de boémia onde sobressaem os metais de Gonçalo Prazeres e Ricardo Pinto, convidados em alguns dos temas do disco. Vamos para «Beco Sem Saída», uma versão de Sílvio César que podia perfeitamente estar incluída no alinhamento de «Peste & Sida É Que É». O groove funk de «Funky Do Desconfinamento» acaba por ser o tema mais deslocado, no que seria num nível The Clash algo aí pelos «Cut The Crap». Avançamos para «Abaixo De Zero», um tema denso que aborda a banalização dos media, música com peso e uma carga cinzenta. A fechar o álbum temos «Mandem Mais Rock’n’Roll», uma versão de Rock & Varius onde o título diz tudo.
San Payo mantém o legado de P&S e conseguiu reunir uma equipa ao mais alto nível para o acompanhar: para além da guitarra de João Alves, seu braço direito desde que a banda foi reformada, surgem o baterista Sandro Oliveira e o rookie Ricardo Barriga na outra guitarra, ele que já toca com a banda ao vivo há muitos anos mas agora foi finalmente incluído como Peste a tempo inteiro. Não será com certeza o trabalho mais marcante dos Peste & Sida, mas sem dúvida que é um punhado de canções com a personalidade da histórica banda, que teima em resistir e deixar a sua marca. [7.5]