PARADISE LOST

PARADISE LOST + SEVENTH STORM @ Sala Tejo, Altice Arena, Lisboa | 16.12.2023 [reportagem]

Numa noite claramente pautada pela nostalgia, mas a braços com a acústica demasiado madrasta da Sala Tejo, os PARADISE LOST recriaram a magia do incontornável «Icon» frente a uma plateia esgotada.

Às vezes, um álbum é tão perfeito que se torna simplesmente intocável. Cada detalhe, da maneira como as canções foram compostas originalmente até à forma como foram arranjadas, foi tudo tão bem-feito à primeira tentativa que mexer no que quer que seja só poderia ser descrito como heresia. Quando as bandas têm uma consciência aguda do que fizeram, isso pode resultar no raro, porém glorioso, fenómeno de tocarem um magnum opus na íntegra ao vivo para a sua base de fãs.

Desde que festival britânico All Tomorrow’s Parties pediu a uma série de bandas para recriarem álbuns seminais na íntegra para uma série de concertos que aconteceram entre 2005 e 2012, este tipo de prática continua a ser um fenómeno muito popular na indústria do entretenimento musical – e, mais de uma década depois, é um daqueles “truques” que se recusa a morrer. Case in point, os PARADISE LOST a tocarem o clássico «Icon» na íntegra para uma Sala Tejo da Altice Arena esgotada.

É certo que, antes de nos presentearem com este momento único parte da Embers Of Europe Tour, os músicos britânicos já nos tinham mostrado não ser uma dessas bandas com consciência aguda do quão intocável é o seu álbum seminal de 1993. Numa manobra que acabou por surpreender muitos fãs, no final do mês de Maio os britânicos anunciaram a regravação do «Icon» para uma edição especial que pretendia comemorar o 30.º aniversário do clássico de 1993. Com a notícia a ser recebida sobretudo com questões por parte da leal base de seguidores do grupo, o vocalista Nick Holmes usou então as suas redes sociais para justificar a decisão de forma detalhada.

O contrato que assinámos antes da gravação do «Icon» implicava que nunca teríamos de volta os direitos da música ou da arte, por isso, para podermos reeditar nós mesmos o álbum no 30.º aniversário, foi necessário regravarmos a música e refazermos completamente a capa“, desabafou o vocalista. “Resultado, esta regravação não só nos permitiu lançá-lo numa série de edições limitadas em vinil, mas também foi óptima porque nos deu oportunidade de revisitarmos algumas músicas que gravámos há uma vida atrás.

Até aqui tudo certo, até porque este nem sequer é o primeiro caso de um grupo que procura reinvindicar um ou mais títulos do seu fundo de catálogo por estões contratuais. Infelizmente, como também vem sendo habitual em experiências deste género, quando o «Icon 30» chegou aos escaparates e às plataformas de streaming no início de Dezembro percebeu-se de imediato (e até de forma algo dolorosa) que nada vai poder substituir as gravações originais com que crescemos. Estamos assumidamente a falar de material que é uma parte nostálgica das nossas vidas, dos fãs e dos próximos músicos, e de uma época mágica para o metal.

Curiosamente, a nostálgia é uma assumida lâmina de dois gumes e se, por um lado, nos deixou a torcer o nariz à revisitação do «Icon» em estúdio, provocou uma autêntica corrida aos bilhetes e a lotação da Sala Tejo esgotou totalmente algumas semanas antes dos PARADISE LOST aterrarem em Lisboa. Foi, portanto, frente a uma plateia já muito bem composta que, liderados pelo estóico Mike Gaspar, os nacionais SEVENTH STORM subiram ao palco para apresentarem cinco temas do seu muito aplaudido álbum de estreia «Maledictus».

Apesar de serem uma banda relativamente nova, quem já viu o quinteto ao vivo sabe que a sua coesão é impressionante e isso explica-se, pelo menos parcialmente , com a experiência acumulada por Mike ao longo das três décadas que passou sentado atrás do kit com os Moonspell. Talvez por isso, nem os problemas técnicos com que foram confrontados (o PA foi mesmo abaixo em mais que um ocasião durante a primeira parte do espectáculo), prejudicaram a entrega de «Pirate’s Curse», «Haunted Sea», «Gods Of Babylon», e «Seventh».

No final, o single «Saudade» pôs uma grande parte da audiência a cantar a plenos pulmões e, dúvidas restassem, aqui ficou mais uma prova de que 2023 foi, definitivamente, o ano da afirmação dos SEVENTH STORM como uma das mais promissoras bandas lusas da actualidade.

O que se seguiu foi aquilo de que todos estávamos à espera: directamente de Halifax, os pioneiros metal gótico PARADISE LOST a tocarem na íntegra o «Icon»; incluindo, claro, todos os temas-chave do alinhamento e algumas pérolas que estavam deixadas de lado desde a digressão de promoção ao álbum, que decorreu há exactamente três décadas. Sem grande alarido, os músicos britânicos entraram em palco ao som dos teclados de abertura de «Embers Fire» e, a provar que esta é uma daquelas canções perfeitas para abrir um actuação, foram desde logo recebidos com um rugido colossal por parte da multidão.

Deram continuidade à prestação «Remembrance», «Forging Sympathy», com o guitarrista Aaron Aedy absolutamente jubilante por tocar um tema tão injustamente ignorado nos alinhamentos do grupo durante os trinta anos que passaram desde a sua edição, e a esmagadora «Joys Of The Emptiness», com o seu ambiente sombrio a espalhar-se progressivamente pela sala. Infelizmente, por esta altura, já se tinha percebido também que o som na Sala Tejo estava longe de nos permitir perceber todas as nuances que tornaram as versões originais destes temas tão sublimes. Embrulhado, lamacento e desequilibrado, não fez nem por um momento jus à grandiosidade de muitos destes temas.

Felizmente, isso não afectou em nada o ímpeto dos músicos em palco, que, sem surpresas, serviram os temas de «Icon» pela mesma ordem em que os ouvimos pela primeira vez nos idos de 1993. Ouviram-se então «Dying Freedom», com seu ritmo contagiante e dançável; «Widow», com as linhas de guitarra de Gregor Mackintosh em grande destaque; «Colossal Rain», uma canção tão estranha como única no repertório dos PARADISE LOST, com Nick Holmes (que se mostrou em boa forma) a fazer uma poderosa narração por cima da instrumentação grandiosa; «Weeping Words» e «Poison», ambas a fazerem a sua estreia ao vivo nesta tour.

Verdade seja dita, numa era em que a saudosa alegria de não sabermos quais as músicas que a nossa banda favorita vai tocar foi completamente anulada pelo setlist.fm, esta talvez seja uma forma diferente de aproveitar um concerto, inspirada por um salto temporal para uma época mais idílica, pela apreciação da “viagem” que dura um álbum completo num dia a dia dominado pelas playlists formatadas pelas plataformas de streaming e pelo alívio de sabermos exactamente quando podemos ir à casa de banho ou ao bar sem arriscarmos perder o início daquele tema que queremos mesmo escutar.

Avançando, acabámos por chegar a um dos momentos mais esperados da noite, «True Belief», um dos maiores hinos da banda, que colocou muita gente a erguer os punhos e a cantar o refrão com fervor, tornando notório que, apesar das agruras do som, havia muita emoção envolvia neste concerto. Com o alinhamento original de «Icon» a terminar com a dupla «Shallow Seasons» e «Christendom», os músicos ainda tiveram tempo para nos presentear com um encore composto por «Sweetness» (uma escolha surpreendente, repescada do EP «Seals The Sense»), «Pity The Sadness», «No Hope In Sight» e «Ghosts».