Em dia de aniversário, recordamos os PARADISE LOST e a obra-prima que redefiniu o metal sombrio dos anos 90.
Quando se fala nos álbuns que mudaram o curso da música pesada nos anos 90, a memória colectiva costuma fixar-se em marcos como o «Black Album» dos METALLICA ou o «Nevermind» dos NIRVANA. Lançados com poucas semanas de diferença em 1991, ambos alteraram para sempre como o mainstream olhava para a música pesada e alternativa — isso é inegável. No entanto, ao lado dessas obras gigantes a nível comercial, houve um disco que poderia, e talvez devesse, ter alcançado o mesmo estatuto: «Icon», o quarto álbum dos PARADISE LOST, editado em Setembro de 1993.
Enquanto o metal norte-americano se debatia entre a pujança comercial dos METALLICA e a melancolia acessível dos NIRVANA, um grupo oriundo de Halifax, no Yorkshire, já desenhava um território híbrido, onde a força primária do metal convivia com a fragilidade existencial. O «Icon» não só cristalizou esse caminho, como ofereceu uma estética sonora que justificou a invenção de um novo rótulo: goth metal.
No início da década, os PARADISE LOST faziam parte do que, no underground, se convencionou chamar carinhosamente The Peaceville Three, ao lado dos também muito aplaudidos ANATHEMA e MY DYING BRIDE. Unidos pela ligação à Peaceville Records, estes três grupos moldaram as bases do death/doom, abrandando a brutalidade do death metal e infundindo-lhe uma dose inédita de tristeza. Ainda assim, Nick Holmes, Gregor Mackintosh e companhia deixaram claro desde cedo que não se contentariam em repetir fórmulas.
Em «Gothic» e «Shades Of God», de 1991 e 1992, respectivamente, começaram a introduzir elementos novos: cordas, vozes femininas, guitarras acústicas e melodias sombrias que denunciavam uma crescente proximidade ao universo da música gótica. Holmes, o vocalista, começou a afastar-se gradualmente do registo gutural, cansado de uma linguagem que já não lhe servia, enquanto Mackintosh, o guitarrista e principal compositor dos PARADISE LOST, procurava texturas mais atmosféricas, quase litúrgicas. O encerramento de «Shades Of God», com a «As I Die», foi um aviso claro de que se aproximava uma transformação profunda.
Pois bem, essa mutação culminou no «Icon». Concebido com a intenção declarada de soar “eclesiástico”, o álbum é simultaneamente lento e colossal, sombrio e acessível. A abertura com «Embers Fire» instala de imediato o tom: cordas bem graves, riffs arrastados, uma melodia melancólica que explode no refrão pesado. No entanto, é em «True Belief» que a genialidade do disco atinge o seu ápice. O tema começa com guitarras a soar como sinos de catedral, a bateria de Matthew Archer dita um compasso ritualístico, e as guitarras de Greg Mackintosh e Aaron Aedy desenham um crescendo devastador.
Quando Holmes ruge “All I want is the same, all I want is a true belief”, o contraste entre a agressividade vocal e a resignação da mensagem torna-se irresistível. Há, no entanto, outros momentos que reforçam de forma inequívoca essa identidade única: a «Widow», com o seu andamento galopante reminiscente dos IRON MAIDEN, mas carregado de tristeza profunda; «Colossal Rains», onde o baixo introspectivo de Stephen Edmondson sustenta camadas de guitarras lancinantes; ou a muitas vezes ignorada «Joys Of The Emptiness», que poderia agradar tanto a fãs dos KILLING JOKE como dos FIELDS OF THE NEPHILIM, antes de explodir num refrão monumental.
Infelizmente, apesar do impacto a nível underground, o «Icon» nunca conquistou o espaço que merecia no mainstream. Parte da culpa residiu na transição da Peaceville Records para a Music for Nations. Embora esta última tivesse no seu catálogo vários nomes de peso do thrash norte-americano, como METALLICA ou SLAYER, a verdade é que o seu papel era sobretudo de distribuição europeia. Portanto, do outro lado do Atlântico, onde o mercado poderia ter acolhido a proposta híbrida dos PARADISE LOST, o álbum não teve apoio promocional suficiente.
Ainda assim, é curioso notar como o «Icon» reunia todos os elementos que a indústria procurava de forma incessante naquela época: riffs directos, atmosfera sombria e letras existencialistas que dialogavam com o espírito de desilusão da década. E, no entanto, ao contrário dos PANTERA, dos KORN ou ALICE IN CHAINS, os PARADISE LOST ficaram à margem da explosão comercial. O reconhecimento veio sobretudo da Europa, onde o disco se tornou um clássico de culto, mas sem nunca alcançar a projecção global que a sua ousadia merecia.
Mais de três décadas depois, a importância do «Icon» torna-se cada vez mais evidente. O álbum não só consolidou de uma vez por todas a identidade dos PARADISE LOST como acabou por abrir caminho para o subsequente «Draconian Times» e para a viragem electrónica de «One Second», mostrando que estes músicos não temiam reinventar-se. Actualmente, continuam a oscilar entre essa densidade gótica e os regressos ocasionais ao death metal, numa demonstração de inquietação criativa rara no panorama do metal.
O que permanece inalterado é o estatuto do «Icon» como uma peça fundamental na genealogia do som pesado dos anos 90. É o ponto onde o death/doom acabou por ceder lugar ao metal de inspiração goth, onde a brutalidade encontrou a introspeção, onde o peso se fundiu com a melancolia. E, se o mainstream não esteve atento na altura, a história tem corrigido essa injustiça, reconhecendo este álbum como uma obra visionária que, de certa forma, antecipou os sons que dominariam o metal mais alternativo nos anos seguintes.
Portanto, ao revisitar o «Icon» em 2025, o que se sente é a mesma força inicial: uma colecção de canções que tanto erguem paredes de som monumentais como abrem fendas íntimas na alma. Um disco que não precisa de ter liderado tabelas para permanecer eterno.
















