O sempre afável Gregor Mackintosh fala sobre o bloqueio criativo, a viagem ao passado e a redescoberta da identidade dos PARADISE LOST, que continua a desafiar o tempo.
Há momentos em que até os músicos mais prolíficos se deparam com o silêncio. Para Greg Mackintosh, guitarrista e principal compositor dos PARADISE LOST, esse silêncio chegou de forma inesperada, após décadas a escrever música sem interrupções. “Escrevi algumas músicas e, depois, decidi que eram todas uma porcaria e deitei tudo fora. Parei de compor porque só me saíam ideias más. Foi a primeira vez que tive um verdadeiro bloqueio de escrita e que fiquei a pensar se alguma vez ia conseguir escrever outra vez uma boa canção”, confessa o músico, detalhando o processo de composição que deu origem ao mais recente álbum da banda, o muito elogiado «Ascension».
Essa admissão tem um peso adicional quando falamos de uma das bandas mais consistentes saídas da cena metal europeia. Desde 1990, os PARADISE LOST lançaram regularmente álbuns que marcaram um sem número de diferentes fases do género. A hipótese do músico perder a capacidade de escrever soava, portanto, quase impensável. No entanto, foi nesse impasse que surgiu o projecto «ICON30», regravação integral do clássico «Icon», de 1993.
Como é do conhecimento geral, na sua versão original, o álbum tinha sido um ponto de viragem para os PARADISE LOST, consolidando a transição do doom/death metal inicial para uma sonoridade um pouco mais estruturada, melódica e sombria. Revisitar esse trabalho tornou-se, paradoxalmente, a chave para desbloquear a criatividade estagnada. “Quando fizemos a regravação do «ICON30», algo despertou em mim. Foi como, ‘ah, ok, é este o caminho que quero seguir’. A inspiração veio muito depressa a partir daí. A maioria do novo disco foi escrita durante o Outono e o Inverno do ano passado”, recorda Mackintosh em conversa com o Jorge Botas, para a LOUD! e para o Metal Global..
O exercício de revisitar velhas canções, em vez de aprisionar os PARADISE LOST na nostalgia, reacendeu a chama criativa. O músico reencontrou não só técnicas de composição, mas também a energia emocional que moldara os primeiros anos do grupo. O resultado desse processo foi «Ascension», o 17.º álbum de estúdio do grupo britânico, lançado no passado dia 19 de Setembro.
Para muitos fãs e críticos, trata-se de um disco que condensa o espírito da banda na sua plenitude, sem nunca cair em repetição. Onde «Obsidian», de 2020, tinha funcionado como uma síntese de várias fases, a novidade «Ascension» parece mais concentrada: menos gótica, mais centrada na guitarra, e com um vigor que remete para a agressividade dos anos 90.
O Sr. Mackintosh concorda, mas faz uma importante distinção. Para ele, o disco mais “puro” da carreira dos PARADISE LOST continua a ser o «Icon», enquanto o novo «Ascension» representa uma espécie de retorno às raízes com a maturidade adquirida em décadas de experiência. Ao contrário de LPs anteriores, onde as ideias podiam surgir a partir de sintetizadores, gravações em dictafone ou improvisos de piano, o músico optou por regressar à simplicidade da guitarra. Esse retorno à fonte deu consistência ao álbum.
O tema «Serpent On The Cross» foi um dos primeiros a surgir e apontou desde logo para essa direcção. “Foi a linha melódica dessa música que deu o pontapé de saída para o resto do álbum”, explica o principal compositor dos PARADISE LOST. Outra peça central foi a «Lay a Wreath Upon the World», escrita de um modo quase acidental:
“Estava em casa a fazer o jantar e a dedilhar numa guitarra acústica velha. Surgiu-me uma ideia que achei mesmo muito boa. Peguei rapidamente num microfone USB e gravei. A minha ex-mulher estava de visita e começou a cantarolar uma melodia por cima. O que está no disco é a gravação original. Tentei regravá-la umas dez vezes para a polir, mas nunca soou tão bem como da primeira vez”, explica ele. A partir daí, essa espontaneidade acabou por se tornar característica de «Ascension». O disco tem a crueza e a urgência de uma banda que não procura a perfeição, mas a emoção imediata.
Outro dos pontos mais fortes de «Ascension» é como consegue ser, ao mesmo tempo, um resumo e um passo em frente. Para os fãs veteranos, há riffs que remetem aos anos de «Shades Of God» e «Icon». Para os mais recentes, há melodias que ecoam a sofisticação de «Obsidian». Mas nada soa datado. Esse muito frágil equilíbrio explica porque tantos tendem a ver o disco como uma espécie de renascimento. Após o bloqueio criativo, Mackintosh conseguiu transformar o peso do passado em combustível para o presente. No final, o álbum prova que não é preciso rejeitar a história para continuar a ser relevante — basta saber como dialogar com ela.
Por tudo isso, o novo álbum dos PARADISE LOST destaca-se pela forma como reflecte sobre a passagem do tempo. Não só no processo de composição, mas também na forma como a banda encara as tours que aí vêm. Em vez de digressões extenuantes, os músicos optaram por blocos de três ou quatro semanas na estrada, intercalados por pausas. “Na primeira digressão europeia, vamos tocar três músicas do novo álbum e trazer de volta algumas canções aleatórias que não tocamos há muito, muito tempo.
Depois, quando fizermos uma segunda volta, vamos tocar outras músicas novas. Isso mantém as coisas um pouco mais interessantes para nós e para quem nos vai ver mais do que uma vez”. Essa estratégia revela a maturidade dos PARADISE LOST, uma banda que já compreendeu que a longevidade depende de evitar a exaustão, tanto para os músicos como para o seu público.
No entanto, para entender o peso de «Ascension», é preciso situá-lo no contexto da discografia destes músicos. Depois do marco «Draconian Times», de 1995, a banda passou por fases de maior risco, como os mal amados «One Second» e «Host», antes de regressar ao peso com «In Requiem» e «Faith Divides Us – Death Unites Us». Nos últimos quinze anos, os PARADISE LOST encontraram um equilíbrio perfeito entre melodia e agressividade e, se «Obsidian» foi visto como um disco de síntese, «Ascension» surge como o passo seguinte, mais cru, mais imediato, quase como se quisesse reafirmar a vitalidade da banda.
Ao contrário de muitos músicos veteranos que lançam álbuns tardios apenas para justificar digressões, o «Ascension» soa urgente. Não é um acessório, mas um núcleo. O público, claro, tem respondido de uma forma entusiástica. Nas primeiras apresentações ao vivo das músicas novas, canções como a «Serpent On The Cross» receberam a mesma intensidade que clássicos como «Embers Fire» ou «The Last Time». Essa recepção demonstra que a banda continua a ser capaz de criar um repertório relevante, que não depende apenas do peso da nostalgia.
Para muitos fãs mais jovens, «Ascension» pode bem funcionar como porta de entrada para explorar todo o catálogo do grupo, permitindo que os novos ouvintes descubram de forma condensada o universo dos PARADISE LOST. Isso transforma-o numa demonstração de resiliência criativa. O bloqueio que poderia ter paralisado Gregor Mackintosh transformou-se em oportunidade para reavaliar a identidade da banda. O passado, longe de ser uma prisão, foi usado como catalisador — e, três décadas após o clássico «Icon», os PARADISE LOST provaram que ainda têm voz, ainda têm peso e ainda sabem surpreender.















