Da miséria em Birmingham ao trono do heavy metal, OZZY OSBOURNE foi um ícone de excessos, contradições e reinvenções constantes — um símbolo de sobrevivência que marcou a cultura popular para lá da música.
A 22 de julho de 2025, o mundo perdeu Ozzy Osbourne, aos 76 anos, e com ele desapareceu uma das figuras mais singulares, influentes e improváveis da história do rock. A sua morte encerra um ciclo iniciado há mais de meio século, quando um jovem disléxico, abusado e sem grandes perspectivas de futuro transformou a escuridão da sua existência num dos géneros musicais mais poderosos e duradouros do nosso tempo: o heavy metal.
Ozzy não nasceu estrela. Tornou-se uma lenda. John Michael Osbourne cresceu em Aston, um bairro operário da cidade industrial de Birmingham. Com dificuldades de aprendizagem e um historial de abusos, abandonou a escola aos 15 anos e rapidamente se envolveu em pequenos crimes. Até nisso fracassou. Foi preso por tentativa de furto, após deixar cair uma televisão em cima de si próprio e de, no escuro, roubar roupa de bebé em vez de peças para adulto. Cumpriu seis semanas de prisão. Quando saiu, não tinha qualquer plano — apenas uma necessidade urgente de fazer parte de algo. De ser alguém.
Foi essa urgência que o levou a colar um anúncio numa loja de música local com a frase “OZZY ZIG NEEDS A GIG”. Esse gesto desencadeou o início da mais insólita das jornadas musicais. Entrou como vocalista numa banda chamada EARTH, que mudaria de nome para BLACK SABBATH, e que — como tantas vezes se diz sem exagero — inventou o heavy metal.
Inspirados por filmes de terror e pelo ambiente sombrio da sua cidade natal, os Sabbath criaram uma sonoridade que era a antítese da psicadelia colorida dos anos 60: riffs pesados, lentos, riffs de chumbo, letras sobre morte, guerra, paranoia, loucura e escuridão espiritual. A voz de Ozzy não era afinada. Era um grito. Um lamento cru. Uma verdade visceral.
Quando o disco homónimo de estreia foi lançado em Fevereiro de 1970, a crítica torceu o nariz. Mas o público ouviu-se a si próprio naquele som. Adolescentes desiludidos, suburbanos sem futuro, trabalhadores explorados, todos encontraram nos Sabbath uma linguagem comum — feita de angústia, rebeldia e niilismo. «Paranoid», lançado meses depois, consagrou essa visão. Era o início de uma sequência de álbuns notáveis: «Master Of Reality», «Vol. 4», «Sabbath Bloody Sabbath», «Sabotage». Em cada um deles, a banda refinava a sua alquimia sonora, mas mantinha-se fiel à sua origem: era música para os mal-amados, para os desajustados, para os que nunca eram convidados para a festa.
Apesar do sucesso, a relação interna deteriorava-se. O uso de drogas era excessivo e, em meados da década de 70, a banda parecia perdida no seu próprio labirinto. Ozzy, cada vez mais instável, foi despedido em 1979. O ponto final parecia ter sido escrito. Ele mesmo achava que o seu percurso terminara ali. Isolado num quarto de hotel em Los Angeles, entregou-se ao álcool e às drogas, convencido de que regressaria a Birmingham e ao desemprego.
Mas a história de Ozzy Osbourne não é uma história de desistência. É uma história de reinvenção. Sharon Levy, enviada por seu pai (o empresário da banda, Don Arden) para o vigiar de perto, tornou-se a sua companheira de vida e arquitecta da sua ressurreição. Apostaram tudo numa carreira a solo e num guitarrista então desconhecido chamado Randy Rhoads. O resultado foi «Blizzard of Ozz», de 1980, um disco que surpreendeu tudo e todos — melódico, inventivo, enérgico, e com a voz de Ozzy em plena forma. O sucessor «Diary Of A Madman, de 1981, elevou ainda mais a fasquia, com Rhoads a integrar influências clássicas num metal mais teatral e sofisticado.
Enquanto o talento de Rhoads encantava os críticos, Ozzy transformava-se na caricatura de si próprio — e, paradoxalmente, na estrela que nunca tinha sido. Já não era o miúdo esgrouviado dos concertos dos Sabbath. Era o Príncipe das Trevas, o homem que mordeu a cabeça de uma pomba numa reunião com executivos, que fez o mesmo a um morcego em palco, que urinou no Alamo em estado de embriaguez. Era a encarnação perfeita do pânico moral da América conservadora — e isso vendia. Ao contrário do que os seus detratores queriam, os escândalos não destruíram a sua carreira. Fortaleceram-na.
Ozzy tornou-se, pela primeira vez, verdadeiramente popular. E, depois da trágica morte de Randy Rhoads em 1982, manteve essa popularidade com novos colaboradores (como Jake E. Lee e Zakk Wylde) e discos que oscilaram entre o comercial e o criativo. «Bark At The Moon», «The Ultimate Sin», «No Rest For The Wicked», «No More Tears» — todos tiveram impacto. Mas por detrás da imagem pública, o caos pessoal nunca desapareceu. Em 1989, Ozzy foi preso por tentativa de homicídio de Sharon. Estava sob o efeito de drogas e álcool, e não se lembrava de nada. Sharon perdoou-o. Ele entrou em reabilitação. E regressou. Outra vez.
Nos anos 90, 2000 e 2010, Ozzy tornou-se muito mais do que um cantor. Tornou-se uma marca. Lançou discos variáveis — do interessante «Down To Earth», de 2001 ao medíocre «Ozzmosis», de 1995 —, gravou duetos com artistas de várias gerações, e fez uma cover surpreendentemente delicada de «Woman» de John Lennon. Criou o festival Ozzfest, que revelou dezenas de bandas como Slipknot, System Of A Down e Lamb Of God, e protagonizou um reality show, The Osbournes, que o transformou numa figura pop mainstream, quase doméstica, um “avô maluco” que dizia asneiras e tropeçava nos próprios cães — mas que toda a gente adorava.
Em 2013, reconciliou-se com os BLACK SABBATH para o álbum «13», produzido por Rick Rubin. Embora controverso, foi um sucesso comercial e simbolizou o encerramento de um ciclo. Em 2020 e 2022 lançou os álbuns «Ordinary Man» e «Patient Number 9», onde colaborou com Elton John, Eric Clapton, Jeff Beck e Tony Iommi, entre outros. Mesmo debilitado fisicamente, continuava a desafiar expectativas. Os discos mostraram um artista consciente da mortalidade, mas ainda apaixonado pela música — como se nunca tivesse esquecido aquele rapaz de Aston que só queria um palco.
A 5 de Julho de 2025, já gravemente doente, Ozzy despediu-se definitivamente dos palcos com um concerto em Birmingham, no estádio de Villa Park. O evento Back To The Beginning reuniu nomes de várias gerações, dos Metallica aos Ghost, dos Pantera aos Lamv Of God, todos ali para homenagearem o homem que lhes abrira caminho. Foi um momento de comunhão, de gratidão, de reconhecimento. Um adeus em vida que soube a eternidade.
Ozzy Osbourne deixa um legado que não se resume à música. Provou que não é preciso perfeição para ser icónico. Que as fragilidades também são força. Que a autenticidade vale mais do que qualquer técnica. Foi um dos poucos artistas que viveu todos os arquétipos: o mártir, o palhaço, o herói, o monstro, o redentor. O heavy metal não seria o que é sem os BLACK SABBATH. E os BLACK SABBATH não teriam sido o que foram sem Ozzy. Como escreveu na sua autobiografia: “Sempre achei que o que tinha era temporário.” Mas, no fim, foi eterno.
Descansa em paz, Ozzy. A tua voz continua a ecoar — entre riffs, entre gritos, entre lágrimas — nos corações de milhões espalhados por esse mundo fora.















