Se há banda improvável de ter capturado o subconsciente colectivo do underground metálico, são os finlandeses ORANSSI PAZUZU. Negro psicadelismo com o seu quê de impenetrável, experimentalismo, tudo cantado em finlandês… e ainda assim aqui estão eles, a encabeçar festivais e a lançar álbuns na Nuclear Blast, como o incrível «Mestarin Kynsi», que dista já dois anos mas continua a afirmá-los como uma das propostas mais desafiantes da actualidade e como um exemplo para todos os músicos de espírito aventureiro! Como não podia deixar de ser, estivemos à conversa com Juho Vahanen, aka Jun-His, o afável guitarrista/vocalista da banda que é um dos destaques do cartaz do segundo dia de AMPLIFEST.
Da última vez que conversámos, estavas embrenhado no projecto Waste Of Space Orchestra, mas mesmo assim já nessa altura mencionaste que estavam a preparar qualquer coisa para o próximo álbum dos Oranssi Pazuzu. Lembras-te do que tinhas, eram apenas esboços ou algo mais concreto? E já agora, foi material que sofreu alguma influência da Waste Of Space?
Lembro-me que já tínhamos uma quantidade considerável de demos gravadas, com versões preliminares destes temas que estão agora no álbum novo. Foram de facto bastante influenciados pela Waste Of Space Orchestra, mas no sentido de que achámos que não poderíamos fazer uma parede de som de guitarra maior do que a que fizemos nesse projeco, e então decidimos levar as coisas numa direcção diferente. Aventurámo-nos em vários sentidos, mudámos atmosferas… Tínhamos presente esta ideia de fazer “quartos” diferentes nas canções, do estilo, agora abres uma porta e passas para o quarto seguinte, continuas na mesma canção, mas entraste numa realidade diferente dentro da mesma “casa”. Andávamos nessa altura essencialmente a brincar com essas ideias, mas só no Verão seguinte é que solidificámos mesmo tudo, e que o tema do álbum se tornou mais claro também. Depois entrámos em estúdio em Agosto, acho.
Que tipo de “aventuras” sonoras achas que tiveram, concretamente? Há uma vibe muito krautrock – distorcido, claro – no álbum, foi essa uma das avenidas experimentadas?
Queríamos acima de tudo evitar as guitarras como veículo principal dos temas e usar outra coisa qualquer, sermos criativos e trabalhar muito nisso. Sem dúvida que é o álbum mais “krautrockiesco” que já fizemos, em parte porque queríamos uma forte influência electrónica. Sempre gostámos disso, mas não queríamos só meter uns barulhos em cima da música do costume, queríamos mesmo que a estrutura fosse influenciada pela electrónica e por esse estilo de música. Por exemplo, quando as partes mudam, numa determinada canção, normalmente já há um elemento qualquer que está a fazer o que a próxima parte é suposto fazer há algum tempo. Estes desfazamentos fazem com que as mudanças, que são bastante abruptas por vezes, não o pareçam tanto, e soem mais naturais. Queríamos basicamente que a música electrónica fizesse parte da própria composição, e não usar uns sons baratos e dizer “haha, olha, somos electro agora”. [risos] Pensámos nisso em profundidade, no que poderíamos incorporar e de que maneira, e o tal “krautrockiesco” vem daí.
A vossa composição dá a sensação de ser bastante mais complexa e intrincada do que a da maior parte das bandas, é fácil envolver toda a gente no processo, ou há algum de vocês que lidera a coisa?
Temos sempre um monte de ideias que eu desenvolvo inicialmente em casa, e o resto do pessoal também faz isso às vezes, mas a cena com esta banda é que, quando uma ideia chega à sala de ensaio, há qualquer coisa mágica que acontece que não conseguimos explicar. Tentamos fazer jams em cima dessas ideias, e depois eventualmente chegamos a um ponto em que todos percebemos que pronto, agora sim, isto funciona. Há um elemento misterioso qualquer nas nossas jams, algo que colide com o som, com as notas, com os riffs… Acho que nunca levei uma ideia para a sala de ensaio que não tenha voltado de lá melhor do que era.
Mas também há ideias que não funcionam às vezes, ou não?
Tudo o que nós queremos é aquele click, mas se acaba por não acontecer, tudo bem, e não somos esquisitos só por ser uma ideia nossa. Mandamos fora o que for de mandar fora sem problema nenhum. Dito isto tudo, no entanto, há que dizer que fizemos muito menos jams para este álbum do que para o «Värähtelijä», por exemplo. As jams foram mais direccionadas no sentido de achar o ponto de ignição de cada parte que já estava escrita, e permitir que cada ideia chegasse ao seu potencial verdadeiro. Foi um álbum meticulosamente composto, mas ao mesmo tempo deixamos sempre espaço para o tal elemento misterioso. Queremos que haja múltiplos níveis de ideias musicais em cada canção, e não só um riff bom. Nunca fomos banda de riffs.
Continua a ser fascinante uma banda com essas características ter ganho a notoriedade que vocês ganharam, e chegar à editora onde chegaram.
Somos capazes de ser a cena mais experimental que a Nuclear Blast está a editar, realmente, não há muitos álbuns deste estilo a este nível… Mas é o que nós fazemos enquanto banda, é assim que sempre funcionámos. Se alguém quer editar as coisas que fazemos, maravilha, ficamos muito gratos. Mas não é isso que vai alterar nada.
Se este álbum fosse para um CDr de dez cópias distribuidas pelos vossos amigos, achas que seria igualzinho?
A verdade é que fizemos o álbum sem fazer ideia de que editora é que lhe ia pegar, portanto foi fácil nesse aspecto. Mas não somos de todo o tipo de banda que pensa nessas coisas. Acho que é fixe que a Nuclear Blast saiba disso, e que aprecie a maneira como funcionamos. Acho que foi por causa disso que nos assinaram, sinceramente. Porque não temos jeito nenhum para stressar com estes assuntos. [risos] Sempre existimos como expressão artística pura. Nunca pensámos que o nosso primeiro álbum fosse editado por ninguém, e muito menos ouvido fora da Finlândia, e no entanto aqui estamos nós.
Mas apesar de tudo, audições repetidas do «Mestarin Kynsi» revelam pormenores de uma melodia sublime, ali perdida no meio do caos todo. Também há um lado mais “normal” na vossa música.
Tentamos ter partes catchy na nossa música, claro que sim. Não porque queiramos vender mais álbuns [risos], mas para tentar prender a atenção de quem ouve, de certa forma. Porque tendo um pormenorzinho catchy para te agarrar, depois começas a reparar em tudo o resto que está a acontecer à volta e que seria de facto dificil de apanhar sem a catchiness da outra cena.
Eras capas de escrever um álbum de pop altamente, se calhar.
Sim, por acaso acho que sim. E até temos várias influências desse estilo no nosso som. Não necessariamente em termos de harmonias ou sequências de acordes, mas na forma como as coisas acontecem na música. Queremos que tenham significado, da mesma forma que uma grande canção pop, como dos Fleetwood Mac ou algo assim. Nenhuma das mudanças de direcção nos nossos temas acontece sem razão, nada é aleatório. E sim, claro que ouvimos muita pop. Depende do que se entenda por pop, como é natural, mas sim. Música popular, vá. [risos]
“Mestarin kynsi” quer dizer “a garra do mestre”, não é? Há um conceito subjacente ao álbum?
De certa forma. O “mestre” referido no título é uma espécie de ilusionista, um mestre da escuridão que estabelece uma sociedade totalitária, e que a controla através de magia e de religião, fazendo lavagem cerebral da população, criando bloqueios mágicos e barrieras para que ninguém tente sequer escapar. É um lugar com um alto nível de vigilância, toda a gente constantemente a ser observada. É um tipo de cenário distópico, de uma sociedade totalitária dominada por esta figura poderosa. Não há bem uma história, certamente não como no «Kosmonument», por exemplo, é mais uma colecção de sketches de sonhos/pesadelos neste cenário, mas há o tema central e o conceito desenvolve-se à volta disso.
Uma espécie de Orwell+Asimov+Lovecraft, não é? E achas que há alguma analogia com figuras actuais, ou é tudo fantasia?
Boa descrição! [risos] Bom, não é suposto representar nenhum político ou figura actual, é algo muito mais sinistro e poderoso que isso, mas claro que há muitos paralelos com o que vivemos actualmente. O terceiro tema, por exemplo, «Uusi Teknokratia», pode-se interpretar como o resultado da vigilância através de computadores, dispositivos, inteligência artificial. Muita paranóia, questões como, estou a ser controlado? Os meus pensamentos são mesmo meus? Quis reforçar esse elemento, de controlo da mente, não só nas letras, mas quis que esse sentimento de incerteza, visões horríficas e incerteza estivesse reflectido na própria música.