O sexto álbum dos suecos redefiniu o equilíbrio entre brutalidade e elegância — e cimentou o nome dos OPETH como uma das forças mais visionárias do metal moderno. Mais de vinte anos depois, o «Deliverance» continua a ser um testemunho da ambição artística de Mikael Åkerfeldt e da alquimia criativa que uniu o metal extremo à sofisticação progressiva.
Seguir um marco tão absoluto como o «Blackwater Park» seria, para qualquer banda, uma tarefa quase impossível. Em 2000, os OPETH tinham alcançado o que muitos consideravam o auge de uma discografia já complexa e reverenciada, fundindo a ferocidade do death metal com uma sensibilidade melódica e um pendor atmosférico que poucos ousavam explorar. E, no entanto, apenas dois anos depois, a banda sueca regressou com o «Deliverance», um álbum que recusava a sombra do seu antecessor e se afirmava como um novo capítulo na metamorfose criativa de Mikael Åkerfeldt.
Produzido novamente por Steven Wilson — o cérebro dos PORCUPINE TREE e cúmplice recorrente das aventuras sonoras de Åkerfeldt —, o «Deliverance» nasceu de um período de transição e ambição quase desmedida. A banda tinha originalmente planeado lançar um álbum duplo, dividido entre a brutalidade (o «Deliverance») e a melancolia (o «Damnation»), mas o projecto acabaria fragmentado, aparecendo em primeiro lugar o lado mais sombrio da sua visão. O resultado foi um disco de contrastes em permanente tensão, um equilíbrio instável entre técnica e emoção, peso e silêncio, fúria e introspecção.
Logo em «Wreath», a faixa de abertura, essa dialética é estabelecida com clareza: riffs secos e angulares, quase industriais, sustentam a voz gutural de Åkerfeldt, enquanto Martin Lopez exibe uma fluidez rítmica que faz cada mudança de tempo parecer natural, inevitável. «Deliverance», o tema-título, prolonga essa abordagem, recusando a previsibilidade. Em vez de explosões abruptas, aqui os OPETH optam por uma dinâmica em espiral, onde cada crescendo é meticulosamente construído, cada silêncio tem peso, e cada regressão melódica é um prelúdio para nova violência.
No entanto, é em «A Fair Judgement» que o álbum atinge a sua forma mais pura e emocional. A canção, um monumento de quase onze minutos, funciona como sucessora espiritual de temas como «Face Of Melinda» ou «The Drapery Falls», conduzida por harmonias vocais que evocam tanto o rock progressivo dos 70s quanto o doom contemporâneo. O solo final — delicado, quase etéreo — permanece como um dos momentos mais belos e contidos da carreira dos suecos OPETH, uma catarse silenciosa após tanta contenção rítmica.
Entre as longas composições, «For Absent Friends», um breve interlúdio acústico, oferece dois minutos de respiro. Essa pausa é essencial para o impacto das duas últimas faixas: «Master’s Apprentices» e «By The Pain I See In Others», onde a banda atinge o seu ponto máximo de complexidade. O primeiro é um turbilhão de riffs e mudanças de andamento que sintetiza toda a estética Opethiana — a brutalidade do death metal a coexistir com o lirismo melancólico de guitarras limpas e passagens quase jazzy.
Já o encerramento do disco, com «By The Pain I See In Others», é uma viagem por territórios dissonantes e viscerais, um exercício de exorcismo emocional que termina num fade-out desconcertante, como se o LP se dissolvesse no próprio abismo que invoca. Por tudo isso, o génio do «Deliverance», e dos OPETH, acaba mesmo por residir nessa capacidade de metamorfose. Longe de ser apenas a “metade pesada” de um projecto maior, é uma entidade autossuficiente, uma peça que explora as fronteiras do metal progressivo com uma coerência notável.
Para aqueles que, na altura, o consideraram um simples prolongamento do «Blackwater Park», o tempo acabou por provar o contrário. «Deliverance» não repete fórmulas; refina-as, recontextualiza-as e aponta para o futuro. Quando o «Damnation» surgiu logo no ano seguinte, revelando o lado oposto da moeda — inteiramente melódico, acústico e introspectivo —, percebeu-se que ambos os álbuns eram parte de uma visão única. A dualidade entre o peso e a leveza, a luz e a sombra, a dor e a contemplação, nunca mais deixaria de acompanhar os OPETH.
Hoje, após mais de duas décadas, o «Deliverance» soa tão ousado quanto na altura do lançamento. Num panorama onde o metal progressivo frequentemente se perde em virtuosismos vazios, o LP mantém uma integridade rara: é brutal sem ser gratuito, técnico sem ser frio, intelectual sem perder o impacto visceral. E note-se que, para Mikael Åkerfeldt, este foi também um ponto de viragem. Ao abraçar plenamente o papel de compositor e produtor conceptual, consolidou a identidade que guiaria os álbuns posteriores dos OPETH.
Portanto, em retrospetiva, o «Deliverance» não é apenas o sexto álbum dos OPETH — é o momento em que a banda aprendeu a respirar entre o caos e a calma, transformando o metal extremo num veículo de expressão emocional e filosófica. Com mais de vinte anos de existência, permanece como um marco de transição, mas também de transcendência. A cada nova audição, as suas camadas continuam a revelar segredos — nas pausas, nos silêncios, nas vozes distorcidas e nos acordes suspensos.
















