Depois de uma demolidora passagem pelo Hard Club, no Porto, uma das digressões mais apetecidas deste ano no espectro do death metal chegou finalmente a Lisboa, marcando um muito aguardado regresso dos NILE e KRISIUN. Nesta ocasião com cartaz mais “magro”, uma vez que os franceses NARAKA cancelaram a sua participação nas datas portuguesas por motivo de doença. Como tal, coube aos IN ELEMENT darem o pontapé de saída para uma noite em que o RCA Club registou lotação esgotada. E uma coisa tem que ser dita em relação à banda argentina que abriu as hostilidades: têm humildade para dar e vender. Só é pena que, musicalmente, não mostrem pontos de interesse tão elevados quanto seria desejável. O que fazem é, em suma, uma abordagem industrial ao death metal, que soou bem desajustada das outras bandas da noite, mas que ainda assim conseguiu arrancar algum entusiasmo da plateia. Não deixa de ser curioso que até já se tenham movido pelos campos mais modernos do death metal melódico, tendo sido com o último álbum de originais, «Victory Or Defeat», que fez a guinada para a presente sonoridade e que, verdade seja dita, transfigurou por completo os temas registados anteriormente – «Melancholia», de «Lyra», o álbum de 2019, foi um dos choques. O outro foi a versão de «In The Air Tonight», de Phil Collins, rebaptizada «In the Air 2nite» Com menos força no aquecimento do que se esperava, valeram-lhes a humildade e a simpatia.
E o que podemos dizer dos KRISIUN? É fácil pegar na questão da humildade e simpatia da banda anterior e juntar-lhe uma dose maciça de talento e arte na hora de despejar death metal ultra brutal e técnico com uma enorme paixão. E isto tudo já com uma carreira de mais de três décadas às costas. Felizmente, o peso da idade foi algo que acabou por não se sentir, dada a intensidade com que o trio atacou logo na abertura com «Kings Of Killing», do «Apocalyptic Revelations». Aos temas mais conhecidos, as novidades de «Mortem Solis» também foram muito bem recebidas, com o público em frenesim e muito stage diving e crowd surfing a acontecer. Isto num palco já reduzido — com a bateria de Max Kolesne montada à frente da dos NILE, que estava tapada por panos. É um pouco assim que se distinguem os homens dos rapazes: palco reduzido, caos no público (que não era mais do que a devolução da energia debitada em cima do palco) e uma atitude humilde e de constante gratidão por estarem a tocar perante uma sala cheia, e pela ligação que têm a Portugal. Por muito que seja algo que as bandas possam dizer em todas as datas onde tocam, não deixou de soar honesto. No final, serviram um enorme concerto, que nos fez pensar que os brasileiros dos KRISUN deviam passar por cá mais vezes.
Antes sequer de termos sequer entrado na sala de Alvalade já não restavam grandes dúvidas em relação ao facto dos NILE serem os senhores da noite e, efectivamente, provaram que há motivos de sobra para ocuparem este lugar de destaque no cartaz. Embora a sua actuação tenha sido prova de que não estavam preparados para o caos do RCA Club — o que é estranho, visto que não é a primeira vez que tocam na sala de Alvalade. Assim que começaram a soar os primeiros acordes de «Sacrifice Unto Sebek», all hell broke loose e o público começou num frenesim extremo, com ainda mais intensidade do que durante a actuação dos KRISIUN. Os roadies lá tentavam impedir que os crowdsurfers chegassem ao palco, e até Scott Eames, que tem tocado com a banda nesta digressão de 2022, falou disso por duas vezes, indicando que se algo acontecesse à parafernália de pedais (sobretudo à de Karl Sanders), o concerto acabava por ali — e que, portanto, era melhor manterem toda aquela animação longe do palco. Também foi peculiar notar o stress constante do baterista George Kollias perante as pessoas que estavam a tirar fotografias ou a filmar das laterais, dando indicações ao roadie para que de alguma forma acabasse com isso. Algo culminou com o músico grego a atirar o seu monitor auricular com raiva e a sair de palco enquanto a restante banda ficou bastante tempo a cumprimentar e a despedir-se do público. Pequenos acontecimentos que, apesar de causarem estranheza, não retiram o abeirar da perfeição que o concerto foi. Tanto tecnicamente como até a nível de entrega, todos os músicos estiveram a um nível absurdo, principalmente o próprio Kollias, que impressiona por estar praticamente o alinhamento todo a tocar de olhos fechados. Com a escolha de tema, tentaram passar por quase toda a carreira da banda e trouxeram um pouco de tudo para todos, tendo agradado na plenitude. Expectavelmente, «The Howling Of The Jinn» e «Black Seeds Of Vengeance» (esta última a encerrar a noite) foram alguns dos pontos altos de mais uma grande noite de música extrema no RCA Club.
FOTOS: Sónia Ferreira