EPICA

Com o «Through Silver In Blood», que foi originalmente editado no dia 2 de Abril de 1996, os NEUROSIS assinaram um álbum que redefiniu os limites do metal e transformou o peso numa experiência opressiva e transcendental.

Convenhamos, o metal dos anos 90 não estava preparado para um LP como o «Through Silver In Blood». Em 1996, a cena de peso vivia uma fase de transição. Enquanto gigantes comerciais como os METALLICA experimentavam sonoridades mais acessíveis com o «Load», e bandas mais modernas como os KORN ou os RAGE AGAINST THE MACHINE redefiniam o peso com influências de hip-hop, os NEUROSIS trilhavam um caminho oposto.

O que emergiu das suas composições não foi apenas um disco extremente pesado, mas uma experiência apocalíptica, um exercício de opressão sonora e emocional. O «Through Silver In Blood» não só rejeitava a estética convencional do metal, como também transcendia qualquer tentativa de categorização. Era um pesadelo industrial e ritualístico, onde cada batida de Jason Roeder, cada ruído abrasivo de Noah Landis, cada grito de Scott Kelly, Steve Von Till e Dave Edwardson arrastava o ouvinte para um estado de tensão absoluta. Como Von Till descreveria alguns anos mais tarde, era um maldito comboio a vapor através do inferno.

A jornada dos NEUROSIS até este momento já era marcada por uma evolução constante. Das raízes no hardcore de Oakland, a banda começou por canalizar a agressividade bruta da cena punk dos anos 80, mas logo percebeu que havia territórios mais profundos a serem explorados. «Souls At Zero» e «Enemy Of The Sun» representaram os primeiros passos rumo a uma abordagem mais densa, onde o peso não vinha apenas da distorção, mas da atmosfera sufocante e dos ritmos hipnóticos. No entanto, o «Through Silver In Blood» levou essa fórmula ao extremo, construindo um monólito de 71 minutos onde cada faixa parecia uma marcha lenta em direcção à ruína.

O que diferenciou este álbum de tudo o que o metal extremo já tinha produzido até então era como os NEUROSIS desconstruíam os conceitos tradicionais de agressividade. Não se tratava só de velocidade ou brutalidade explícita, mas sim de uma opressão constante, onde a música criava um ambiente sufocante. O tema de abertura, «Through Silver In Blood», deixa desde logo claro que esta não será uma audição confortável. O seu crescendo lento, marcado por ruídos industriais e percussões tribais, evoca o cenário pós-apocalíptico. Quando as guitarras finalmente emergem, o som não é libertador, mas sim esmagador, como se a própria estrutura da música estivesse a colapsar sobre o ouvinte.

A tensão entre momentos de fragilidade e explosões de violência torna-se bem evidente em faixas como «Strength Of Fates» e «Aeon», onde os longos trechos de silêncio e minimalismo apenas amplificam a sensação de que algo terrível está prestes a acontecer. Mesmo os momentos de relativa calma nunca são verdadeiramente reconfortantes. O próprio Steve Von Till admitiu que a banda “não queria dar espaço para respirar”, nem ao ouvinte, nem a si própria. Esta era uma experiência imersiva, desenhada para ser sentida na pele.

Sentir este álbum significava também partilhar do peso emocional que os NEUROSIS carregavam naquela época. As gravações aconteceram num período conturbado para a banda. Scott Kelly enfrentava um dos momentos mais difíceis da sua vida, lidando com a falta de um lar e uma luta contínua contra o vício. “Os meus vícios destruíram o que estávamos a tentar construir enquanto banda”, recordou ele uns anos mais tarde. Por tudo isso, a música contida no «Through Silver In Blood» tornou-se um reflexo directo desse caos interno, um exorcismo sonoro onde cada nota carregava uma carga emocional insuportável.

Von Till descreveu o processo como “uma forma de canalizar todo aquele lixo”, mas o esforço cobrou um preço bastante alto. “O que colocávamos os nossos corpos a passar só para tocar aquela música não era nada agradável”, confessou o guitarrista. A exigência física e psicológica reflectiu-se na forma como o álbum foi recebido. «Through Silver In Blood» não era, nem é, um disco para consumo casual. Era, e é, um teste de resistência, um mergulho num território sombrio que não oferece escapatória.

Mesmo assim, a sua influência seria sentida nos anos seguintes, moldando o que seria conhecido como pós-metal, um termo que nem sequer existia na altura. Bandas como ISIS, CULT OF LUNA e AMENRA encontrariam nos NEUROSIS um ponto de partida, explorando as mesmas atmosferas ultra densas e emocionalmente carregadas. Vai daí, ao longo das décadas o «Through Silver In Blood» continua a ser redescoberto e reverenciado por diferentes gerações de músicos e ouvintes. A sua densidade sonora, que parecia intransponível na época, tornou-se um marco de inovação, servindo de referência a artistas que desejam ultrapassar os limites convencionais do metal e do hardcore.

Hoje, quase três décadas depois do seu lançamento, o «Through Silver In Blood» continua a afirmar-se uma experiência única. A sua intensidade não foi atenuada pelo tempo, e a sua capacidade de perturbar e fascinar permanece intacta. Mais do que um álbum, este é um monumento ao peso enquanto força bruta e catártica, uma obra-prima que redefiniu os limites do que a música extrema pode alcançar. E, acima de tudo, é a prova de que a verdadeira brutalidade não está apenas na distorção ou na velocidade, mas na forma como a música pode carregar o peso da alma dos seus criadores.