Momento histórico. Não só a junção de duas grandes bandas (lendárias!) de hard rock, como o regresso de uma e a estreia de outra. Falamos obviamente dos DEF LEPPARD e MÖTLEY CRÜE, gigantes do hard rock mundial num mundo que, comercialmente falando, já voltou as costas ao estilo, estando hoje remetido a um nicho que sobrevive através da nostalgia e de uma qualidade enorme de novos nomes que nunca vão atingir (previsivelmente) este estatuto. Ainda assim, não deixou de ser impressionante ver um Passeio Marítimo de Algés parcialmente composto por fãs que não quiseram perder a oportunidade de uma vida que é ver estas duas bandas juntas. A abrir a festa esteve uma escolha pouco usual, os THE QUARTET OF WOAH!. A banda nacional já dispensa apresentações para quem segue de perto o underground nacional, mas para a grande parte do público presente esta foi a primeira vez em que tomaram contacto com esta banda de rock progressivo visceral. Num mundo onde é tudo on demand esta foi uma daquelas ocasiões em que fomos recordamos do quão importante é sairmos da zona de conforto, com o público ser desafiado e a banda a desbravar caminho face a uma plateia que poderia ser hostil ao deslocamento estilístico. Felizmente, não foi o que aconteceu. Os THE QUARTET OF WOAH! não se desviaram um milímetro daquilo que são, foram viscerais, foram únicos e de certeza que levaram consigo mais uns fãs que de outra forma não teriam conhecido a sua música.
A contagem decrescente para os DEF LEPPARD deixou logo bem claro o entusiasmo que havia para rever a banda de Joe Elliott e seus pares. Aliás, ficou mesmo no ar a sensação de que, para muitos, seriam eles os verdadeiros cabeças-de-cartaz desta memorável noite, com uma legião de fãs a envergar orgulhosamente t-shirts da banda britânica. O ambiente de festa foi de tal forma efusivo que até se compreendeu a decisão de começar o alinhamento com uma música do novo álbum «Diamond Star Halos». O quer que tocassem primeiro seria sempre bem recebido, não havia necessidade de agarrar o público através da música, a sua simples presença garantia a atenção do público. Claro que isso não invalidou que atacassem a seguir com «Let’s Get Rocked», que meteu toda a gente ar dança. A partir dai, foi um desfilar de clássicos que garantiu que esse fosse o estado vigente ao longo dos cerca de 90 minutos que durou o concerto. O incontornável «Hysteria» acabou por ser, previsivelmente, o disco mais requisitado pelo alinhamento e por onde passaram as reacções mais efusivas. Outros regressos ao passado foram também muito recebidos, inclusive a instrumental «Switch 625», do clássico «High ‘n’ Dry» (com direito a um curto solo de bateria por parte de Rick Allen) ou a «Foolin’», do «Pyromania», álbum de onde foram retirados também os temas finais, «Rock Of Ages» e «Photograph». Som perfeito, actuações sem falhas a apontar e um público rendido. Haveria melhor?
Essa era mesmo a grande questão. Os MÖTLEY CRÜE são um dos grandes nomes do hard’n’heavy mundial, mas, apesar do sucesso planetário, em Portugal nunca tiveram uma base de fãs fomentada por presenças ocasionais, apesar do alcance dos seus discos na década de 80. A visibilidade — proporcionada pelo filme ‘The Dirt’ fez com que houvesse um atiçar de popularidade que a banda soube aproveitar bem e, verdade seja dita, os mais cépticos em relação à sua popularidade em solo português devem ter ficado bastante surpreendidos com a recepção exuberante por parte do público. Depois de uma introdução prolongada — primeiro ao som de «Requiem in D minor, K. 626» de Mozart e, depois, com um boletim de notícias que dava conta da chegada do quarteto norte-americano ao melhor estilo apocalíptico –, «Wild Side» marcou a abertura oficial do concerto. Ficaram ali desfeitas as dúvidas em relação ao impacto da banda, que teve o público do seu lado desde o primeiro momento, tal como aconteceu com os parceiros de digressão britânicos. Apesar de todas as polémicas nos últimos tempos relativamente à voz de Vince Neil e ao uso (ou não) de backing tracks, aquilo que se sentiu é que o público estava mais preocupado em viver o momento do que em ser analítico ao ponto de descobrir se havia veracidade em todas as anteriores alegações. E falando desse elefante no meio de Algés, não nos pareceu que houvesse backing tracks a nível dos principais instrumentos e Neil também não comprometeu. A sua voz nunca foi brilhante e a articulação das letras também já viu melhores dias, mas quando se tem o público a cantar músicas como «Too Fast For Love», «Live Wire» e «Dr. Feelgood», a tarefa também fica mais que facilitada. A imperfeição também faz parte do rock’n’roll, por muito que custe a um público pouco habituado a isso. A banda esteve bastante comunicativa, todos se dirigiram ao público a certa altura, tendo sido Tommy Lee aquele que mais entusiasmo gerou. John 5 esteve ao seu nível de excentricidade e, a demonstrar o grande guitarrista que é, encaixou perfeitamente como substituto de Mick Mars. Diversão rock’n’ roll (onde se enquadra o medley onde se ouviu The Beatles, Ramones, Sex Pistols tudo no mesmo saco) num espectáculo que foi o acontecimento hard rock do ano em solo português. Neil disse que iriam voltar — e já sabemos quantas digressões finais passaram pelo nosso país por parte da mesma banda –, mas sem garantias que isso aconteça, este foi mesmo mais um item riscado da bucket list de muitos apreciadores de hard’n’heavy.
Fotos: Jorge Botas [cortesia RTP]