MOONSPELL

MOONSPELL + ORQUESTRA SINFONIETTA DE LISBOA @ MEO Arena | 26.10.2024 [reportagem]

Ao longo das últimas três décadas, os MOONSPELL mantiveram-se fiéis a uma filosofia de evolução constante e, no palco da MEO Arena, continuaram a expandir os seus horizontes, numa celebração do legado e da vontade de ultrapassar os limites de género.

Lançado há quase quatro décadas, nos idos de 1985, o incontornável «To Mega Therion», dos CELTIC FROST, é amplamente reconhecido como um registo pioneiro na fusão do heavy metal com elementos da música clássica. Fruto da genial parceria criativa gerada por Tom G. Warrior e pelo malogrado Martin Eric Ain, esse foi, para todos os efeitos, o LP que, ao incluir arranjos orquestrais e corais em temas como «The Usurper» ou «Necromantical Screams», introduziu à cena de peso uma estética inovadora e, à altura, controversa, mas que, ainda hoje, continua a dar frutos.

Convenhamos, apesar de ter inicialmente gerado estranheza nos fãs mais tacanhos, a abordagem ousada da banda suíça abriu portas para uma nova dimensão no metal extremo, inspirando um subgénero onde a atmosfera sinistra do metal dialoga com a grandiosidade da música clássica, e influenciando géneros como o black e death metal.

Pondo isto em perspectiva, não há como negar que, sem ter sido perfeito, o recente concerto dos MOONSPELL na MEO Arena com a Orquestra Sinfonietta de Lisboa — que celebrou as primeiras três décadas de carreira da banda e, ao mesmo tempo, a sua estreia em nome próprio naquela que é a maior sala de espectáculos do país — sublinhou de forma evidente essa evolução do metal na sua relação com a música clássica. Assim como o «To Mega Therion» demonstrou o potencial do metal ao incorporar elementos orquestrais e corais, o espectáculo da mais internacional das bandas nacionais no Sábado passado tratou de celebrar essa fusão em larga escala, reforçando o impacto e, sobretudo, a intensidade atmosférica que este tipo de sinergia pode ter ao vivo.

Pegando em algumas orquestrações já existentes assinadas pelo Pedro Paixão e por John Phipps (com o qual os os MOONSPELL colaboraram nos álbuns «Extinct» e «1755»), revisitando algumas canções icónicas e resgatando composições menos conhecidas, o compositor e realizador Filipe Melo, em colaboração com o maestro Vasco Pearce de Azevedo, adaptou o material à orquestra com uma classe invegável e, pelo caminho, trouxe uma dinâmica nova ao som do grupo.

O momento era, portanto, de celebração e, sobretudo de conquista, um proverbial marco num percurso marcado pela reinvenção e pela ousadia de quebrar barreiras musicais. Cientes disso, e como seria expectável, os MOONSPELL brindaram o seu público com um alinhamento bastante diferente daquele a que o têm habituado e que, com mestria, colocou em grande destaque a sua faceta mais sinfónica.

Foi num ambiente de expectativa crescente que, poucos segundos passavam das 22:00, a orquestra entrou em palco, seguida de um coro de seis elementos envergando vestes gregorianas, do maestro Azevedo e de Hugo Ribeiro, que cumprimentou a plateia e sentou-se atrás da sua bateria. Uma intro sinfónica antecedeu a entrada da banda em palco e preparou o terreno para «Em Nome do Medo», que explodiu das colunas na versão épica incluída em «1755».

O som, de uma definição rara na MEO Arena, introduziu a presença avassaladora dos MOONSPELL e, à excepção da predominância de médios na guitarra de Ricardo Amorim, tudo soou como devia logo desde o primeiro momento — estava dado um sólido tiro de partida para a criação de um ambiente quase cinematográfico, que agarrou de imediato os presentes. Mantendo-se em território familiar (leia-se: a tocar material que, por natureza e nas suas versões de estúdio, já se prestava a esta roupagem orquestral), o ensemble deu continuidade à actuação com «1755», «In Tremor Dei», «Desastre» e «Ruínas», totalizando cinco temas tocados do álbum de 2017.

Pelo meio, o sempre comunicativo Fernando Ribeiro já se tinha dirigido várias vezes à plateia, frisando o carácter único da noite (“Preparados para uma noite muito especial under the fucking spell?”, perguntou ele a dada altura, suscitando um urro de concordância por parte do público) e desdobrando-se em agradecimentos a todos os envolvidos na produção deste concerto e, acima de tudo, aos fãs do grupo — estivessem presentes na sala ou em casa, a assistir à transmissão streaming.

A seguir, os músicos recuaram até «Extinct», do qual interpretaram «Breathe (Until We Are No More)», e o tema-título. É certo que, por esta altura, já se tinha percebido que a ausência de graves na guitarra de Ricardo Amorim iria manter-se durante todo o concerto, mas, ainda assim, esse pormenor foi compensado pela clareza dos solos, pelo desempenho de Ribeiro (que se mostrou exemplar nas transicões do registo gutural e limpo), pela solidez da secção rítmica composta por Hugo Ribeiro e Aires Pereira, e, claro, pela enorme desenvoltura de Pedro Paixão, dividido entre os teclados e a guitarra.

Com a instrumental «Proliferation» a ser usada como transição elegante e a evocar o «Memorial» em sintonia perfeita com a orquestra (aqui destacaram-se os metais, que muito enriqueceram esta versão), sucederam-se «Finisterra», «Everything Invaded», de «The Antidote», e uma muitíssimo bem recebida «Scorpion Flower», de «Night Eternal». Já na recta final do espectáculo, foi com a clássica «Vampiria» em versão reinventada, sustentada por um arranjo muito poderoso e dramático que emocionou o público, que a sinergia com a Orquestra Sinfonietta de Lisboa atingiu o auge.

O tema, já de si emblemático, foi elevado a uma nova dimensão, deixando muito boa gente imaginar o que poderia ter sido esta actuação se o alinhamento tivesse incluído mais que dois temas dos clássicos «Wolfheart» e «Irreligious», ampliando ainda mais o peso nostálgico da noite. No encerramento, a já habitual (e incontornável) «Full Moon Madness» proporcionou mais um momento apoteótico, com Ricardo Amorim a entregar um solo sublime, enriquecido pelo acompanhamento orquestral, e Fernando Ribeiro a erguer orgulhosamente a bandeira nacional, num gesto simbólico que reforçou figurativamente o reconhecimento que só uma noite como esta podia proporcionar.

É verdade que, por esta altura, este tipo de experiências já não podem ser propriamente descritas como inéditas ou inovadoras – o que Fernando Ribeiro e companhia fizerem surge na senda do que bandas como os DEEP PURPLE, METALLICA, SCORPIONS ou DIMMU BORGIR, para citar só as mais marcantes, fizeram antes deles –, mas seria injusto não classificar o que se passou na MEO Arena como tendo sido um dos momentos mais significativos da carreira dos MOONSPELL.

Mais não fosse, só o peso histórico do local bastaria para dizermos isso, mas o facto do espectáculo ter celebrado trinta anos de uma carreira sólida, durante a qual estes músicos nunca se vergaram ao status quo, subindo a pulso e graças a níveis de dedicação e trabalho quase inéditos cá no burgo, jamais poderá ser ignorado.