«Hermitage» é um disco que reflecte mais do que nunca a liberdade criativa que tem pautado a carreira dos MOONSPELL. É um brado de revolta e alerta, “gritado” com uma serenidade, uma maturidade e uma clareza que os MOONSPELL nunca antes tiveram, ou pelo menos não a este nível. É também um manifesto da individualidade do colectivo português, ao afastar-se – qual eremita! – da confusão, das convenções, do expectável, do instantâneo e, por isso mesmo, inspirador. «The Greater Good», o primeiro single, surpreendeu e motivou reacções polarizadas, exactamente o que este 13.º longa-duração da banda da Brandoa, fará. Até porque esse tema, sendo diferente do que nos habituaram (quando, na verdade, só nos habituaram a não nos habituarmos a nada!), está longe de ser a maior surpresa do disco. É, aliás, um dos mais imediatos e orelhudos, dando o tónico para a (necessidade de) mudança e revelando apenas um pouco do que se seguirá: secção rítmica criativa e poderosa, e tensão controlada até ao clímax final.
O segundo single, «Common Prayers», será o mais próximo do que os MOONSPELL fizeram no passado e, sem dúvida, a única canção imediata do álbum. Está para este «Hermitage» como a «Opium» está para o «Irreligious» ou a «2econd Skin» para o «Sin/Pecado». Numa analogia com a capa do disco, apetece dizer que os MOONSPELL apontam a um caminho novo, que se aparta do caos. No primeiro tema, captam a atenção do ouvinte, com o segundo, mostram que podiam limitar-se ao alinhamento com o passado, e só depois se isolam, (quase) por completo, e começam a revelar a verdadeira essência deste «Hermitage». «All Or Nothing» dá início a essa quebra. Um dos mais belos e contemplativos temas que já escreveram, começando com guitarra acústica e evoluindo para um registo muito PINK FLOYDiano (a referência maior ao longo do disco, que atinge o apogeu na ainda mais progressiva «Without Rule»). Os teclados criam atmosfera, mas são os leads etéreos da guitarra de Ricardo Amorim que comandam a música, criando maravilhosas melodias que conduzem a um belo refrão e a um solo deslumbrante.
Fernando Ribeiro afirmou que, após o desvio feito em «1755», «Hermitage» partiria de onde o «Extinct» tinha ficado. Mas se esse foi um disco moderno, pejado de canções directas e orelhudas, com influências de world music a DEPECHE MODE, orquestrações grandiosas e uma produção bem cheia, à boa maneira de Jens Bogren, «Hermitage» segue na direcção oposta. Bebe muito do space e prog rock da década de 70, algo que se nota nas estruturas pouco ortodoxas e nos sintetizadores e efeitos brilhantemente executados por Pedro Paixão, soa mais orgânico, e é bem mais introspectivo e menos urgente do que o seu antecessor. Não tem pressa nenhuma de acontecer – como mostram dois relevantes instrumentais num total de dez temas – e, como tal, exige paciência para ser devidamente absorvido. É a antítese da azáfama em que vivemos nos dias que correm. «Hermitage» é destemido, ousado e requer abertura de espírito. É um puzzle que junta muitas peças inesperadas, capazes de encaixarem bem melhor do que seria expectável. São os MOONSPELL soltos como nunca antes os ouvimos, como se as canções resultassem de jams. Sem regras. [9] J.A.R.