FICHEIROS DE UMA ALCATEIA SEM VIAS DE EXTINÇÃO
por: Nelson Santos
ilustrações: Stebba Ósk
Muito já se disse e escreveu em torno da principal banda portuguesa de metal e um dos nomes mais importantes da música do país, além-fronteiras. Mas talvez poucos conheçam o que vai no âmago destes lobos após 23 anos de história (se não contarmos os três primeiros como Morbid God). Num conteúdo exclusivo para esta página, em busca dos uivos mais sentidos dos cinco Moonspell, investimos pelo covil adentro e registámos as considerações de cada um deles a três questões fortes.
Opções difíceis, palavras emotivas, mas é também nessa ingrata viagem das escolhas que reside a grandeza de uma banda com identidade própria. Onde se cruzam vidas e percursos pessoais. Nunca o grupo fez dois álbuns semelhantes seguidos e «Extinct» não foge a essa norma. Poderão ler tudo acerca do novo disco (e ver a ilustração completa, cujos extractos individuais aqui desvendamos) na edição de Março da LOUD!. Paralelamente, saibam aqui algumas respostas que talvez sempre tenham desejado saber.
FERNANDO RIBEIRO
voz | nos Moonspell desde 1992
Um momento marcante
Escolho um momento pessoal. A regressar da Alemanha, com o Ares, na altura, a ouvir o «Wolfheart» num walkman. Andámos muitos anos a ensaiar em Portugal, em sítios que não tinham condições e, essa, foi a primeira vez em que ouvimos a nossa música tal como ela era. Foi uma sensação muito forte e esse é sempre um momento mais privado, quando ouço a música antes de estar disponível ao público. Esse é também o momento que define muito os discos. É aí que eu sei se esses momentos especiais vão acontecer ou se será algo mais calmo em que vamos ter de lutar mais por aceitação. Fiz exactamente isso com o «Extinct», desta vez não em cassete, mas no iTunes. [risos] Eu faço isto desde a maqueta «Anno Satanae» e lembro-me perfeitamente de estar ali numa esplanada da Rua Augusta, já pelas seis ou sete da manhã; tínhamos vindo de Almada, no primeiro barco e ouvia a cassete sem falar com ninguém, sem interrupções.
Um tema e um álbum dos Moonspell
O álbum, diria, «Irreligious». Sem dúvida que foi um disco bastante importante e o nosso verdadeiro breakthrough na altura. Enquanto músico, foi quando pude viver da música e também me pude tornar um homem independente. Foi um disco que vendeu muito bem, o disco certo para a altura certa mas, para beneficiarmos disso, foi uma grande luta com a nossa editora. A verdade é que conseguimos, é um álbum muito importante e, musicalmente, é fantástico; não vejo ali uma música que não toquemos ao vivo ou de que não gostemos. Por outro lado, e como também é mais recente, elejo como tema «The Future Is Dark» do álbum «Extinct». Não é para as pessoas ouvirem ou deixarem de ouvir, é porque é uma canção muito especial para mim e na qual eu cheguei a uma performance vocal que queria fazer há muito tempo. Uma coisa entre proximidade, contenção, dramatismo e toda a letra… toda aquela carta que eu também escrevo ao meu filho. Embora não seja uma música muito metaleira, é algo em que me revejo muito. Nesta altura da minha vida, destacaria essa.
O que têm sido os Moonspell para mim, até hoje
Se o resumisse numa palavra – sobrevivência. Tem o seu quê de bonito, tem o seu quê de lutador e também o seu quê de dramático que eu gosto sempre de revelar às pessoas. Muita gente vem para a música pensando que vai ter uma vida descansada e gloriosa, com pessoas de ambos os lados da avenida a aplaudirem… e não. No final de contas, a tua sobrevivência como músico envolve muita coisa e está muito dependente daquilo que investires, espiritualmente, como músico. Numa perspectiva ainda mais pessoal, os Moonspell são a minha vida. Nem sequer se misturam com ela; a minha vida é que se mistura muitas vezes com a dos Moonspell. Muitas vezes, o nosso calendário não é marcado por 1996, 1997, etc., é marcado pelos álbuns – Ah, essa era altura do «Wolfheart», isso foi na altura do «Sin»… – é assim que nós marcamos a nossa vida. Eu fui pai em Abril de 2012, mas também costumo dizer que foi na altura em que estava a lançar o «Alpha Noir». [risos]
MIKE GASPAR
bateria | nos Moonspell desde 1992
Um momento marcante
Quando recebemos a chamada do Robert para assinarmos pela Century Media. Logo com contracto para seis álbuns. Na altura, éramos fãs de Samael, Tiamat e todo o happening dos anos ’90 estava muito naquela editora como Unleashed, Grave, etc. Ter uma oportunidade dessas, atendendo à realidade que enfrentávamos em Portugal, foi o ponto marcante. De repente, estávamos a gravar o «Wolfheart», em tournées na estrada com os Morbid Angel e os Tiamat. Passado um ano, já estávamos com o «Irreligious» gravado. Aberturas para Type O Negative, numa das melhores fases da carreira deles, a tocar para 5,000 pessoas na Arena de Berlim, por exemplo. Algo que só imaginavas, não pensavas que era possível e… estavas lá!
Um tema e um álbum dos Moonspell
Pensando nos primeiros tempos, a «Wolfshade (…)». Ainda vínhamos muito da onda do «Under The Moonspell», foi tudo muito rápido. Foi no princípio de ’95, ainda havia muito aquele lado do black metal e toda aquela origem crua do underground. E também pela experiência que foi e por todas as barreiras que tivemos de quebrar para gravarmos. O trabalho que deu gravar aquela música, estar lá de manhã até à meia-noite, nunca estava bem, nunca esteve bem, ainda hoje não está bem! [risos] O «Wolfheart» é aquele primeiro álbum que vai ficar sempre na história. E claro, o «Irreligious». Qualquer música era um single. E o prazer que ainda dá tocá-las todas, seja a «Full Moon Madness», a «Raven Claws», a «Opium»… Mas também neste novo álbum há temas como a «Breathe (…)» que é algo fora deste mundo, pensando nas últimas coisas que temos feito.
O que têm sido os Moonspell para mim, até hoje
Eu estou na banda desde os dezasseis anos. Vou fazer 39, acho que dá para ter uma ideia da importância dos Moonspell na minha vida. Para mim, a banda acabou por ser uma formação. Não terminei a escola e tive toda uma aprendizagem através da banda. A vida na estrada, contacto com o estrangeiro, os produtores, eles próprios – que eram um pouco mais velhos que eu – eram quase os meus big brothers. Quatro anos antes de entrar nos Moonspell, eu vivia nos E.U.A. Só a complexidade de conseguir falar correctamente português… De repente, vejo-me numa banda que já estava a levar projectos a sério. De alguma forma, Moonspell salvou-me a vida. Se não fosse a banda, se calhar, tinha voltado para os E.U.A.; não havia assim muitas oportunidades por cá. Através deste grupo, tenho viajado pelo mundo. Tenho oportunidade de ir aos E.U.A. quase todos os anos e vejo lá a minha família que aparece nos concertos. Moonspell, para mim, é um mundo gigante. Acho que sou o único que tem tatuagens, mesmo da banda… Sou um membro mas, ao mesmo tempo, sou um grande fã.
PEDRO PAIXÃO
teclas, guitarras | nos Moonspell desde 1994
Um momento marcante
Tal como o Mike, jamais me esquecerei desse momento em que fomos convidados a assinar pela Century Media. Em termos cronológicos, sigo para a gravação do primeiro álbum. Isso também definiu muito a banda. Levámos bastante na cabeça e eram exigências para as quais revelámos algum engenho para conseguirmos um bom resultado que é, na minha opinião, o «Wolfheart». E foi muito importante a nossa postura, logo a seguir. Não baixar os braços nem desmotivar e fazer os arranjos que foram precisos para levar isto mais além. Sempre almejámos não ser apenas um projecto, mas sim uma banda e até uma banda de culto. Mas, naquele momento, não só definimos como provámos que aquilo era muito sério. O facto de termos aceite todas aquelas tours de carrinha no início foi uma aposta. Todo aquele período entre o «Wolfheart» e o «Irreligious» foi também um pilar da nossa existência.
Um tema e um álbum dos Moonspell
Para mim, preferidos, é impossível dizer. Mas, sei lá, se me aparecesse aí um extraterrestre a pedir-me para lhe mostrar o que é Moonspell… eu talvez escolhesse a «Opium». Em termos de álbum, também é muito complicado. Vou destacar um por ser diferente e por ter acompanhado certos momentos da minha vida que eu lembro com muito prazer – o «The Antidote». Mas só por isso, porque não é o nosso melhor álbum, na minha opinião. Agora temos um novo disco e é o melhor. Não sei se, daqui a dez anos, mantenho essa opinião. Mas, de todos os outros, o «Irreligious» seria aquele que eu também mostraria ao extraterrestre.
O que têm sido os Moonspell para mim, até hoje
Isso é quase como me perguntarem… como tem sido o oxigénio para ti? É tão grande e tão envolvente que, por mais que penses no assunto, estás completamente cercado. Por vezes, até pode ser opressivo, mas é como perguntares como tem sido crescer? Num sentido mais mundano, mais real, é ter tido, simultaneamente, o privilégo e a experiência. O privilégio de poder fazer um estilo de vida criativo e desamarrado de muito mais cordas que a grande maioria das pessoas. E, com isso, ter conseguido poder sobreviver com qualidade. A experiência é poder ver olhos de pessoas de várias nacionalidades e culturas a absorveram a mesma música de formas tão diferentes E fui completamente absorvido por isto; assoberbado! [risos]
RICARDO AMORIM
guitarras | nos Moonspell desde 1995
Um momento marcante
Jamais me esquecerei do concerto no Convento do Beato, em 1996. A banda ainda estava nos primeiros anos e tivemos aquele impacto na Europa com o «Wolfheart». Subimos prioridades na editora, houve a reedição do disco, foi um sucesso. Estava tudo a fervilhar um pouco. Eu tinha entrado para a banda e havia uma grande expectativa antes de sair o «Irreligious». Felizmente, correu muito bem e foi aquela histeria toda. Foi overwhelming. [risos] Era toda a imprensa estrangeira, o canal VIVA e toda a gente à nossa volta a congratular-nos. O concerto foi tão mágico, tão mágico, que senti – estamos mesmo aí para ficar. Está aqui algo para crescer. Foi especial.
Um tema e um álbum dos Moonspell
Também não sei responder, já é muita música importante para mim. Mas se alguém me pedisse para mostrar uma faixa que represente o que é Moonspell, eu mostro-lhe a «Full Moon Madness». Quanto ao álbum, estas coisas são sempre temporárias porque, de cada vez que sai um disco novo, estamos sempre tão impressionados, que essse disco é sempre o melhor. E acho que o «Extinct» é mesmo o melhor disco que fizemos. Mas entendo que o que melhor nos define enquanto banda e que foi tão marcante na nossa vida, imagino que seja o «Irreligious».
O que têm sido os Moonspell para mim, até hoje
Este ano, vou fazer vinte anos de Moonspell. No dia de Santo António – estranhíssimo. [risos] Quando entrei toda a minha vida mudou. Mandei estudos para trás, porque isto foi algo que eu sempre quis fazer. É impressionante o quanto faz hoje parte da minha vida. É, de facto, arrebatador. É incrível como, ao longo de 20 anos, consegues tocar nas pessoas com a tua arte, em diversos locais. Estou a falar de Pequim, de Vancouver, de Krasnoyarsk ou, de repente, aqui perto, na Amadora. É imenso. Nunca pensei que a minha vida se expandisse tanto. Conheço milhares de pessoas; lembro-me, provavelmente, de dezenas… [risos] Tenho imensas coisas que posso contar quando tiver filhos, netos e… não é uma vida para todos. Nem toda a gente consegue ter este privilégio. Posso até pensar por vezes – Se a gente tocasse estádios é que era! Tocando estádios ou bares, tocas. Fazes o que gostas e gostas do que fazes. E não há melhor que isso.
AIRES PEREIRA
baixo | nos Moonspell desde 2003
Um momento marcante
A saída dos outros baixistas. Se não fosse isso, eu não estaria aqui! [risos] Agora a sério: tinha feito uma audição com a banda e saí de lá com uma boa perspectiva. Passado três dias, o Fernando ligou-me. Lembro-me que foi numa manhã após uma noite de copos, tinha tocado com outra banda em Leiria e estava com uma ressaca daquelas. Era normal, na altura. Ele perguntou-me se eu achava que conseguia “pôr um concerto em pé” dali a três ou quatro dias, na Queima das Fitas, no Porto. Na altura, tinha bastante trabalho, mas como não sou de fugir aos desafios, aceitei. Então, tocava como sempre naqueles dias e, quando chegava a casa pelas 04:00 ou 05:00 da manhã, ia tirando temas. Três deles, do álbum «The Antidote» que estava para sair, tive de os aprender no camarim. Foi um desafio que quis provar a mim mesmo e cá estou.
Um tema e um álbum dos Moonspell
Um tema que gosto muito de tocar ao vivo e que é especial para mim, é o «Mephisto». Sinto que tem uma grande carga dramática e também foi dos temas em que me foquei mais quando foi a audição. Um álbum: quando conheci Moonspell estava, na altura, na Madeira. Tenho grandes amigos lá, entre os quais a malta dos Incógnita e o Márcio era quem tinha mais acesso a coisas que iam saindo. Foi ele que me mostrou a «Opium», embora já conhecesse a «Alma Mater». Afinal, era eu o extraterrestre… [risos] Reparei logo que estava ali algo de diferente. O «Irreligious» foi aquele álbum. Mas agora estou a ser injusto para outros álbuns de que gosto muito, também.
O que têm sido os Moonspell para mim, até hoje
Este ano completo doze anos com os Moonspell. Para além do privilégio que é, foi a grande oportunidade que tive de poder tocar o que gosto e poder realizar-me enquanto pessoa e como músico. Tem sido uma grande aprendizagem em ambos os aspectos. Moonspell apanhou-me na altura certa. Eu já fazia a vida profissional de músico, em vários estilos e com alguns cantores de nomeada. Recebia muitos elogios, mas não me sentia realizado. Não foi para isto que comecei a tocar o baixo, pensava para mim. Quando cheguei a esta banda, encontrei-me comigo mesmo. Fui aprendendo com eles e crescendo como pessoa. E curiosamente, foi a partir daí que fiz a minha família e já vou a caminho do terceiro filho! Eu nasci na Venezuela. Sabes que, na América do Sul, é um orgulho quando algum latino-americano está numa banda assim e faz tours a sério. Isso era um sonho, uma improbabilidade. Em resumo, um privilégio.