LORD RYÜR
«Pact With The Sinner»
[Edição de autor, 1986]
Há anos já longos, embora já na altura do CD-R trading, veio parar-me às mãos uma gravação deste 7″ EP, que muito me impressionou; excelente heavy metal com uma voz muito particular em dois temas muito bons. Mais uma obra oriunda dessa terra fantástica onde as bandas metálicas de nível superior nasciam como cogumelos, o Canadá. A história é que em 1985 o guitarrista Bernard Michaud resolveu gravar um projecto. Compôs estes temas, entrou num estúdio em Montreal com músicos contratados e gravou às suas custas este single. Apesar de ser guitarrista, resolveu ser também ele a cantar, e o resultado é invulgar, devido à sua forma pouco habitual e bastante variada de fornecer vocalizações a estas duas músicas, alternando entoações cantadas melodicamente com partes agressivas. É também muito graças à voz que esta rodela de vinil tem o interesse que tem.
Fizeram-se 1.000 exemplares do single mas 800 foram destruídos… e os 200 que sobraram não tinham capa. Seja como for, Bernard Michaud arranjou em seguida um alinhamento fixo de músicos para a banda e começaram a tocar ao vivo mas, sem despertar interesse de editoras, separaram-se. Passando apenas a vocalista, Michaud arranjou novos músicos e levou a banda a estúdio para gravar mais dois temas, mas a carreira dos Lord Ryür iria findar por aí.
Anos mais tarde arranjei a versão em CD que a grega No Remorse Records resolveu pôr cá fora, seguindo a sua prática habitual de recuperar verdadeiras pérolas perdidas do underground metálico do passado. Confesso que foi um choque ver finalmente uma fotografia da banda… pareciam um agrupamento glam rock de LA! Mas consegui ultrapassar esta incompatibilidade visual e apreciar condignamente a música contida nesta impressionante obra.
Além dos dois temas originais, gravados em 1985, esta reedição inclui outros dois, gravados em 1989, um pouco mais comerciais e sem tanto fulgor, embora mantenham características em que remanesce a individualidade dos Lord Ryür. Encerra com uma versão ao vivo de «Pact With The Sinner» (uma música sobre a venda da alma ao diabo), gravada no Québec em 1987 em frente a uma multidão de 20.000 pessoas… ou pelo menos assim parece, ao escutarmos o som do público (ao longo de toda a música). Sempre me divertiram estes públicos aldrabados dos álbuns ao vivo, mas era prática comum… já o Mark Shelton falava do que a editora tinha feito com o «Roadkill», o álbum ao vivo dos Manilla Road.
Até é propositado falar deste formidável EP porque saiu recentemente uma edição em vinil de 12″ pela Return to Analog, com o som remasterizado, uma capa diferente, e os mesmos temas da versão em CD. Vale a pena ver se a caçam. Fica a sugestão… ou pelo menos a de ouvirem esta pérola perdida do heavy metal!
E aqui findaria a Missa Ortodoxa desta semana se eu não tivesse casualmente encontrado o próprio Bernard Michaud aqui pela net… resolvi fazer-lhe algumas perguntas. Portanto, e excepcionalmente, encerro com uma entrevista à mente-mestra por trás dos Lord Ryür!
Qual é o significado de Lord Ryür?
O significado de Lord Ryür será explicado no futuro álbum pelo que não o revelarei agora, mas posso dizer-vos que é um personagem que faz parte de um mundo imaginário que traça um paralelo entre a sociedade dos nossos dias e a sociedade antiga.
Aparentemente a banda foi em grande medida a tua criação pessoal… contrataste músicos com dinheiro do teu bolso para gravar o 7″ EP. O que te levou a formar a banda? Quais eram as tuas influências e objectivos?
Há diversas maneiras de compor e aquela que prefiro é a solo, em que te encontras sozinho com as tuas ideias, sem quaisquer influências exteriores. Enquanto componho visualizo a canção na sua totalidade; já sei como será a bateria, o baixo, a voz, as melodias, mas deixo lugar para a criatividade dos músicos dentro de um quadro bem definido. E a única maneira de o fazer foi pagar sozinho a produção e contratar músicos. Decidi formar a banda porque queria viver da música, fazer digressões e avançar a 100% nesse mundo musical. As minhas influências musicais eram Metallica, Ozzy Osbourne, Black Sabbath, The Beatles, Yes, Led Zeppelin. O meu objectivo era em primeiro lugar formar uma banda sólida, criar nome no meio e em seguida arranjar um contrato discográfico.
A tua voz e a tua maneira de cantar é peculiar e carismática e, na minha opinião, cria em grande parte a atmosfera do 7″. Havia algum motivo ou influência em especial por trás disto?
Creio que não tenho uma influência vocal específica, mas sobretudo global. Não sou um cantor técnico e tento exprimir-me no que canto; deixo portanto o meu feeling falar.
Como é que desapareceram 800 dos 1.000 EPs originais?
Hoje em dia, creio que foi durante uma mudança de casa em que a caixa foi deitada ao lixo por engano. Só nos apercebemos algumas semanas mais tarde.
Nunca chegou a haver capa para o EP na altura? Tinhas alguma ilustração em mente ou quaisquer planos relativamente a isto?
Não, não havia capa nem planos de fazer uma, porque o 45 rotações nunca foi distribuído e só se vendia nos nossos concertos.
A esse propósito, sei que tocaram ao vivo na altura. Como eram os concertos? Tocaram muitas vezes? Algumas bandas com as quais tenham gostado de partilhar o palco?
Tocámos muito nos bares de rock do Québec. Tocávamos todas as semanas, por vezes sete dias seguidos. Era muito difícil em termos vocais. Partilhámos o palco com os Sword, o Lips (dos Anvil), Voivod, e outros…
De quem foi a ideia de adicionar o som de público obviamente falso que se ouve na faixa de bónus ao vivo nas posteriores versões do EP em CD e agora em 12″?
Recebi a cassette ao vivo de um técnico de som que nos tinha gravado e já vinha assim.
Fiquei um pouco chocado quando finalmente vi uma fotografia da banda, uma vez que o vosso visual se aproximava muito mais do de uma banda glam de Los Angeles do que eu teria esperado, a julgar pelo vosso som. Porque adoptaram este estilo?
O nosso visual foi-se alterando com as modas; houve uma altura em que tínhamos um aspecto mais próximo de bandas como Black Sabbath ou Deep Purple, mas depois, com o sucesso dos Mötley Crüe, optámos por esse estilo mais vendável, porque era o que as agências procuravam.
Porque acabou a banda? Foi a falta de interesse das editoras?
Não fazíamos dinheiro suficiente para viver e tivemos de optar por um estilo menos rock e mais comercial. Fiz por isso um grupo mais corporativo que tocava música pop.
Pelos visto tens tido uma carreira de sucesso, ainda ligada ao meio musical mas muito distante do som heavy metal. Podes falar um pouco sobre isso?
Produzi bandas mais comerciais e toquei em casinos e hotéis de cinco estrelas por todo o mundo. Durante 30 anos toquei em mais de 60 países e geri durante dez anos uma girl band chamada AKA, cinco cantoras no estilo das Pussycat Dolls, que tiveram algum sucesso com a música «Hot For Me» no jogo de video «Just Dance 4» (Ubisoft). Neste momento estou situado em Bangkok e sou gestor de uma agência artística que produz bandas e artistas por todo o mundo. Temos escritórios em seis países e produzimos mais de 400 artistas.
Tens-te mantido a par do que se vai passando no mundo do metal nesta última década ou duas?
Mantenho sempre um olho sobre o mundo do metal; no meu coração sou e sempre serei um rocker. Mas não conheço todas as novas bandas de rock.
Fala-me dos teus planos de regressar ao estúdio e gravar o velho material de Lord Ryür que nunca chegou a ser gravado. Há muitos temas? Como pretendes fazer?
Quero demorar o tempo que for preciso para terminar o álbum e recriar o ambiente dos anos 80. Claro que a qualidade de som será melhor mas a base sonora será a mesma, com o Alain Gagnon, o Jean-François Preiss e eu próprio, que somos os músicos originais do 45 rotações, e não espero que esteja terminado antes de um ou dois anos. Há algumas composições inacabadas que tenho de terminar e juntar letras. Terá pelo menos dez temas, ainda não defini. E desta vez será distribuído após considerar diversas propostas de editoras.