No regresso dos GRAVEYARD a Lisboa, os mestres nacionais do stoner rock MISS LAVA celebram duas décadas de viagem com a apresentação de um disco sombrio e visceral. Em antecipação, estivemos à conversa com o vocalista Johnny Lee e K. Raffah… Aqui ficam os “highlights”.
No dia 26 de Abril de 2025, o LAV – Lisboa ao Vivo acolhe um encontro marcante entre duas forças do rock psicadélico e stoner contemporâneo: os suecos GRAVEYARD, em regresso aguardado ao nosso país, e os nacionais MISS LAVA, que assinalam no mesmo palco o lançamento do seu quinto álbum de estúdio, «Under A Black Sun», e celebram vinte anos de uma carreira feita de resiliência, reinvenção e intensidade. O momento não podia ser mais simbólico — como se o próprio cosmos conspirasse para alinhar a história da banda com a celebração de um novo ciclo criativo.
A história dos MISS LAVA é a história de quatro — agora cinco — amigos que decidiram fazer do stoner rock a sua linguagem emocional. Em conversa com a LOUD!, captada num registo muito informal, mas ainda assim profundo, revela um grupo em constante adaptação, onde as exigências do quotidiano se entrelaçam com um compromisso inquebrável para com a criação musical.
Como confessa Johnny Lee, o vocalista dos MISS LAVA, “eu saio do trabalho às vezes às dez, onze da noite e ainda estou a fazer coisas para a banda até à uma, duas da manhã, ou estou numa entrevista, ou a fazer capas para discos”. O stoner rock da banda lisboeta não é só estética: é um modo de vida, uma forma de resistência artística e pessoal.
O Sr. Lee, metade do tempo em Angola e metade em Lisboa, representa bem essa tensão entre distância e proximidade. A ausência do vocalista obrigou o grupo a reinventar processos: “faz com que o tempo que ele está cá, queiramos aproveitar ao máximo, o que faz com que vivamos tudo com mais energia ainda”, diz o Raffah. Foi essa intensidade que moldou «Under A Black Sun», um disco nascido de retiros criativos e pré-produções como nunca antes.
O disco do eclipse
Lançado a 25 de Abril pelas editoras Small Stone Records (nos Estados Unidos) e Kozmik Artifactz (na Alemanha), «Under A Black Sun» é um álbum de peso, literal e figurado. Para a banda, representa um ponto de viragem — musical, pessoal e espiritual. Gravado nos Generator Music Studios por Miguel “Veg” Marques, misturado por Steve Lehane nos Rustbelt Studios (em Detroit) e masterizado por Chris Goosman em Ann Arbor, o registo sonoro prima por uma clareza invulgar dentro do género, mesmo quando tudo aponta para o abismo.
A escolha de afinações ultra-graves, novas camadas de guitarra, experimentações várias e um processo de gravação meticuloso conferem ao álbum uma densidade emocional palpável. Como sublinha a banda, “experimentámos muitas afinações diferentes […] todas elas muito graves, e por norma este género é muito fácil cair numa coisa meio muddy […] Nós tentámos fazer o oposto disso, e eu acho que conseguimos”, diz o guitarrista fundador do grupo.
A entrada do baterista Pedro Gonçalves foi decisiva. A sua abordagem mais “laid back”, profundamente enraizada no groove, trouxe um novo dinamismo à banda — algo que, segundo os próprios, se sente em cada batida do novo álbum. Pedro não é só baterista: é também guitarrista, baixista e produtor, alguém que pensa as canções de forma holística. “Ele está muito ligado em tudo. É capaz de se levantar da bateria e tocar o riff também na guitarra”, explicam.
A colaboração intensa, as longas horas de estúdio, as discussões sobre estruturas e arranjos levaram a que temas como «Evil Eye Of The Witch» fossem totalmente reformulados: “tivemos uma maqueta com uma estrutura, e um dia eu digo ‘isto está ao contrário’. Fiz esse debate, argumentei, e no fim o tema ficou outra coisa completamente diferente”, recorda Raffah. Este é o ADN dos MISS LAVA: transformação constante, sem medo do conflito criativo.
Do caos à catarse
«Under A Black Sun» é também um disco de sombras interiores. O vocalista, assumidamente afectado pelos efeitos prolongados da pandemia, mergulhou num processo de escrita intensa e catártica: “não entrei numa depressão profunda, mas sinto que não saí bem da depressão”, diz ele. O isolamento, a distância física e emocional, os desafios da paternidade e da vida adulta espelham-se nas letras: “é um negro à procura da luz. É eu a tentar mandar os meus demónios para fora”. Esse lado melancólico, mas ao mesmo tempo cósmico e urbano, é uma constante no universo lírico da banda.
Metáforas espaciais, imagens oníricas e reflexões existenciais cruzam-se numa teia densa e sensível. Como resume Johnny Lee: “nós todos andamos à volta de um Sol, seja no espaço, seja cá. O Sol é uma fonte do meio. Há magnetismos, há atrações. Está tudo mais ou menos ligado”. A tensão entre o político e o pessoal também não é nova na obra dos MISS LAVA. Em discos anteriores, como «Doom Machine», a crítica ao extremismo e à degradação ambiental foi explícita.
Neste novo registo, embora o foco seja mais íntimo, não faltam também momentos de indignação, como na explosiva «Chaos Train», “uma fúria contida”, como eles próprios descrevem, inspirada pela ascensão da extrema-direita e o colapso ético do discurso público. Ainda assim, os MISS LAVA continuam a recusar panfletarismos: “não vou estar aqui a entrar em factos políticos concretos”, diz o cantor.
Não será preciso fazer grandes contas de cabeça para perceber que esta gente também não é indiferente à mudança. As transformações tecnológicas e culturais afectaram o modo como compõem — desde o uso de novas afinações à exploração de ferramentas digitais, incluindo recursos como inteligência artificial para desbloquear palavras e ideias.
No entanto, nem tudo mudou. Com quase duas décadas de percurso, os MISS LAVA resistiram à erosão do tempo mantendo-se curiosos e desafiando-se a cada novo passo que dão. De concertos ao lado de nomes como Truckfighters, Red Fang ou Danko Jones à consagração em palcos internacionais, a banda nunca se resignou ao conforto. A cada álbum, surge um novo risco, uma nova busca. Em «Under A Black Sun», essa busca atinge um novo patamar de profundidade e coesão. É um disco que parte da escuridão para tentar reencontrar a luz — sem pressas, sem atalhos, sem ilusões.
No LAV – Lisboa Ao Vivo, quando os primeiros acordes dos MISS LAVA ecoarem pelas paredes do recinto, não será apenas o início de um concerto. Será o culminar de um processo longo, pessoal e colectivo. Um ritual de purgação e celebração. Uma oferenda ao Sol — mesmo que esse Sol esteja coberto de trevas. Depois, vèm os GRAVEYARD. Mas a noite já estará em chamas. Os bilhetes para o espetáculo custam 28€, à venda em primeartists.eu e nos locais habituais.
