MINISTRY

MINISTRY: «Psalm 69», um manifesto de caos, decadência e depravação

Mais de três décadas após a sua edição, exaltamos a genialidade de um colosso intemporal de riffs e vulgaridade alimentada por drogas, cortesia dos lendários MINISTRY.

Por esta altura, a maioria dos nossos leitores está familiarizada com o início dos MINISTRY, mas para aqueles que não conhecem a história, Al Jourgensen começou por explorar uma sonoridade pop dominada por sintetizadores quando deu os primeiros passos com o seu principal veículo de criação musical. À medida que a década de 80 avançava e a tensão social aumentava, tanto nos Estados Unidos como no resto do mundo, a sua música começou a tornar-se cada vez mais pesada e abrasiva.

Esta relação simbiótica chegou ao fim com a transição dos anos Reagan para o reinado de George Bush, dando origem a álbuns seminais como «The Land Of Rape And Honey» e «The Mind Is A Terrible Thing To Taste». No entanto, em 1992, com o lançamento do icónico «Psalm 69», Al estava mais que pronto para doutrinar o mundo, assumindo o papel da velha cobra no jardim, determinada a convidar o ouvinte a dar uma dentada na maçã.

O título alargado do álbum é «Psalm 69 – The Way To Succeed And The Way To Suck Eggs», que é uma referência ao ‘The Book Of Lies’, de Aleister Crowley, onde a frase é transformada num trocadilho para a posição sexual 69 (chupar sementes e chupar ovos). Mas já lá vamos porque, primeiro, há mais segredos a revelar. Ou nem tanto, porque – pelo menos entre os fãs do grupo – é sabido que o quinto álbum dos MINISTRY, lançado originalmente a 14 de Julho de 1992, foi criado num turbilhão de caos alimentado por drogas, deboche ultrajante e múltiplos cruzamentos perigosos com a morte.

E também é do conhecimento geral que, por esta altura, a relação entre Jourgensen e o baixista (e colaborador de longa data) Paul Barker começava a revelar as primeira fissuras. No entanto, por muito disfuncional que química entre os dois estivesse, a verdade é que, entre 1991 e 1992, conseguiram pôr de lado as suas diferenças para criarem e gravarem uma colecção de temas sem precedentes.

Como em qualquer grande receita, aqui os ingredientes são de primordial importância. Gravado com a ajuda de Barker e de um recém-recrutado Mike Scaccia, que vinha dos thrashers da Bay Area RIGOR MORTIS, o «Psalm 69» afirmou-se desde cedo como algo totalmente diferente do que os MINISTRY tinham feito até ali – e acabaria mesmo por ditar, com resultados flutuantes, muito do que Jourgensen faria a partir daí.

Com o tom de guitarra de Scaccia sublimado pelas maquinações industriais criadas por Al, o ataque tornou-se incrivelmente preciso e os riffs, apoiados numa cadência quase marcial, tornaram-se muito mais abrasivos. O resultado, soava como a banda-sonora perfeita para musicar um apocalipse que parecia cada vez mais próximo. Entre 1991 e 1992, o mundo viveu num frenesim de agitação social e de guerra não muito diferente daquele em que vivemos hoje.

A Guerra do Golfo tinha terminado e, à medida que os veteranos norte-americanos regressavam a casa após a conquista do Iraque, toda a raiva contida tinha, de uma forma ou outra, de ser expelida. Colocando agora as coisas em perspectiva, o tema de abertura do álbum, «N.W.O.», soa como uma espécie de despertar, um olhar para trás e para a frente através dos túneis do tempo, uma análise do que poderia ser, e do que nunca deveria ser.

Depois, da inspirada ode ao vício que é a inesquecível «Just One Fix» ao final com a desoladora «Grace», passando pela devastação abrasiva de «TV II», pelo colossal tema-título ou pelo frenesim de «Jesus Built My Hotrod» (que conta com uma tresloucada participação de Gibby Haynes, dos BUTTHOLE SURFERS), o «Psalm 69» conseguiu abrir um rasto em terras virgens para o bem da arte.

Há trinta anos, quando foi lançado, o disco provocou ondas de choque e a banda viu-se justificadamente nomeada para um Grammy. Embora não tenham ganho, é – como em muitos outros casos semelhantes – através dos olhos dos seus pares que o respeito nascente gerado por este álbum seminal é revelado na sua plenitude.

Basta, de resto, dar uma vista de olhos ao documentário ‘Fix’ para ensaiar um mergulho mais profundo no amplo apreço revelado através de entrevistas de músicos como Dave Navarro, Trent Reznor e Buzz Osborne, entre muito outros, dispostos a dar o justo crédito onde o crédito justo é devido. Com um som inigualável, o «Psalm 69» exala uma sensação quase cirurgicamente limpa devido à sua produção imaculada, bastante dicotómica quando comparada com o conteúdo musical ousado e cáustico.

E, no que toca a isso, muitas são as bandas – dos FEAR FACTORY aos STATIC X, passando pelos SLIPKNOT e WHITE ZOMBIE – que deviam pagar umas quantas refeições ao bom do Tio Al. Tendo isso em conta, e ouvindo estes temas com a perspectiva que só a passagem do tempo nos permite, torna-se mais que óbvio que, com este clássico de 1992, os MINISTRY se propuseram a destruir tendências, a inverter paradigmas e a conduzir o ouvinte através da lama da loucura, do vício, da blasfémia, da depravação e de uma visão apocalíptica – não só dos Estados Unidos, mas do mundo.