[Texto: JOSÉ MIGUEL RODRIGUES | Fotos: PEDRO ROQUE]
Embora já andem a fazer música há mais de uma década, foi com o seu terceiro disco de longa-duração, «Exercices In Futility», de 2015, que os MGŁA se transformaram por fim num nome de referência, aplaudido em uníssono pelo underground black metal. A sua abordagem crua, mas muito melódica, ao género, viu a banda tornar-se uma das principais exportações do metal extremo made in Europe dos últimos anos e, a prová-lo, ontem tivemos um RCA Club esgotado para os receber, depois da estreia há uns anos como “suporte” aos conterrâneos Behemoth. Se, nessa altura, no palco do Paradise Garage, o quarteto polaco já tinha deixado uma óptima impressão, desta vez, armado com o recém editado «Age Of Excuse», elevou o seu estatuto a um patamar superior com uma actuação irrepreensível – que, dúvidas restassem, veio cimentar o seu nome como um dos mais interessantes que o black metal tem hoje para oferecer. Mas já lá vamos.
Antes disso, os também polacos ABOVE AURORA e MARTWA AURA trataram de aquecer os ânimos com aquilo que, bem vistas as coisas, foram variações de um tema comum aos três nomes que passaram pela sala lisboeta nesta noite ventosa. Neste caso, o black metal frio e cortante, mas injectado de ganchos e melodias orelhudas, popularizado… Pois, pelos cabeças-de-cartaz. E esse acaba por ser o maior problema das duas bandas de suporte desta tour… Com pequenas variações, os ABOVE AURORA apostam mais na rapidez e os MARTWA AURA preferem alternar tempos rápidos com passagens a meio-tempo, ambos navegam exactamente o mesmo território que o actual expoente máximo da tendência – e, claro, acabam por empalidecer por causa disso. Resultado, não há nada propriamente errado ou fora de sítio nestas duas bandas, mas nenhuma delas parece interessada em fazer nada extraordinário, que os destaque de toda a competição.
Com o relógio a aproximar-se das 22:00 e uma inquietante introdução a brotar das colunas do PA, a empolgação era já alta para a entrada em palco dos MGŁA e, de maneira apropriada, a banda deu início à prestação com o ataque acutilante da dupla «Exercises In Futility I» e «Exercises In Futility IV». Aqui, caso nunca tenham visto a banda ao vivo, é importante referir a importância do aspecto visual dos músicos em relação à música. Não, não são gente que ande a correr pelo palco, a puxar pelo público ou a tentar invocar uma qualquer energia palpável. Também não usam corpse paint, nem sangue, nem pulseiras de cavilhas. Em vez disso, caminham de peito feito para a frente do palco, totalmente vestidos de preto, com os rostos tapados e apresentam-se assim, com uma imagem tão niilista como o som que criam. Porque os olhos também comem, o impacto é considerável.
Não há, no entanto, como negar que as canções são tão fortes como a imagética e, por esta altura, os MGŁA já têm material mais que suficiente no seu fundo de catálogo para fazerem uma actuação de cerca de 60 minutos composta apenas por grandes “malhões”. Mantendo-se em território familiar, o concerto prosseguiu com «Mdłości II» e «Exercises In Futility II» e, sem se dirigirem uma única vez que fosse à plateia durante toda a noite (o que, certamente, quebraria a intensidade da entrega), mergulharam rapidamente em dois soberbos temas novos, «Age Of Excuse II» e «Age Of Excuse III». Como todos os discos que os MGŁA fizeram antes, o «Age Of Excuse» funciona melhor quando apreciado como um todo e não como uma colecção de músicas individuais, mas nesta ocasião ficou provado – especialmente com a linha “At the end of the day, it’s same old script / Do you believe in victory or do you lay in defeat?”, no segundo dos dois temas novos tocados, a revelar-se particularmente memorável – que todas estas canções, as mais velhas ou as mais recentes, funcionam também muito bem de forma isolada.
Mantendo a toada sinistra, apesar de não serem a banda mais dinâmica ou diversa do mundo, não foi fácil cair num transe hipnótico e o alinhamento de cerca de 60 minutos voou, com o espectáculo a chegar ao fim em crescendo, com a tríade composta por «With Hearts Toward None VII», «Exercises In Futility VI» e «Exercises In Futility V». E, como chegaram, partiram – sem merdas, sem encores. Se houvesse algum defeito a apontar, teria de ser a mistura demasiado baixa das guitarras no som geral. Esse é o elemento que carrega as emoções da música dos polacos, mais ainda que os ritmos ou percussão muito inventiva, mas nesta noite (e poderia muito bem ser do sítio da sala onde estávamos), soou um pouco abafado pelas vozes e pela secção rítmica. Enfim, um pequeno defeito num concerto que, para todos os efeitos, foi incrível.