METALLICA

METALLICA: «Kill ‘Em All», ou como rebentar as cabeças que não abanam

Poucos discos mudam vidas, perspectivas e géneros inteiros de música. O «Kill ‘Em All», dos METALLICA, é um deles.

Os METALLICA têm sido um bem cultural durante tanto tempo que é difícil imaginar as suas vidas antes da fama global. Felizmente, existe uma cápsula do tempo: «Kill ‘Em All», o LP de estreia que mudou para sempre a vida dos músicos. Lançado no dia 25 de Julho 1983, o disco chegou aos escaparates quando os membros da banda tinham acabado de sair da adolescência. Mais de quatro décadas depois, continuam a ser, literalmente, os METALLICA no seu melhor: ferozes, intransigentes e determinados.

Muito antes escreverem baladas, de terem gravado um álbum com o Lou Reed ou de terem tocado com a Lady Gaga, os METALLICA eram um grupo ousado com uma mentalidade de nós contra o mundo. Sim, eram miúdos à procura de uma oportunidade na emergente cena do metal e, como resultado, o «Kill ‘Em All» esmaga tudo à sua passagem.

Como expectável, as histórias que rodeiam o disco tornaram-se lendas do underground. Para começar, os METALLICA despediram o guitarrista Dave Mustaine (devido ao seu consumo de álcool) mesmo antes da gravação do disco e substituíram-no por Kirk Hammett, dos EXODUS. O músico, destroçado, foi enfiado num autocarro de regresso a Los Angeles e, durante a viagem, criou os seus MEGADETH, dando início a quase meio século de drama, rumores e inquietação.

Naquela altura, os recursos financeiros para apostar numa banda como os METALLICA eram limitados e o «Kill ‘Em All» foi prensado inicialmente em lotes de 500 unidades… No final de 1983, já tinha vendido 17.000 cópias. Desde então, vendeu cerca de nove milhões — não tantas como «Metallica», mas muito mais do que a maioria das discografias. Resultado: foi uma aposta inteligente tanto para Jon Zazula, ex-proprietário de uma loja de discos em Nova Iorque que “cheirou” o talento do quarteto, quanto para os METALLICA.

Certo, o «Reign In Blood», dos SLAYER, é um marco do thrash. No entanto, o «Kill ‘Em All» foi o tiro de partida — um disco deve ser visto para além das histórias de fundo. Para uma geração que já alcançou a meia-idade, faz parte do seu crescimento e é um dos discos formativos que alimentou o seu amor pelo metal. É todo feito de angústia, propulsão e impulso para a frente.

Apesar de ser a faixa de abertura, «Hit the Lights» não é, de maneira nenhuma, a canção mais poderosa. Essa honra pertence a «Whiplash» — uma obra-prima do thrash que, em apenas quatro minutos, acaba por encapsular todos os condimentos que definiram o estilo. Verdade seja dita, o álbum está repleto de riffs inesquecíveis e refrões cativantes: «Seek And Destroy», «The Four Horsemen» e «No Remorse» vão estar para todo o sempre entre as melhores canções do metal alguma vez escritas e gravadas.

O «Kill ‘Em All» é um registo feroz, mas também acessível, dominado por um ritmo galopanto, em que o baixista Cliff Burton mostra os seus talentos de forma omnipresente, seja naquele lendário solo de baixo de «(Anesthesia) Pulling Teeth» ou na melodia que suporta a «Jump In The Fire». Há uns tempos, James Hetfield explicou que Burton tinha um sentido extraordinário de harmonia e melodia, que tinha um dom inato para transformar um bom tema numa canção exemplar. Pois bem, fica nitidamente a ideia que foi o baixista que conseguiu elevar os METALLICA de uma boa banda thrash a uma potência capaz de sucesso mundial, que mostrou capacidade de alcançar um vasto público logo desde o início.

Convenhamos, LPs como o «Kill ‘Em All» — escritos por miúdos para miúdos — nunca envelhecem. São poderosos porque foram feitos com energia ilimitada e apetite pela vida e, mesmo que sejam apreciados por ouvidos mais velhos e sábios, continuam a captar de forma plena uma parte da experiência humana. Embora não possamos voltar a ser jovens, podemos continuar apreciar toda a determinação, imprudência e ambição que acompanham a juventude. Caso restem quaisquer dúvidas, não será descabido considerar que praticamente todas as 17.000 pessoas que compraram o «Kill ‘Em All» em 1983 acabaram por criar as suas próprias bandas, tornaram-se fãs de metal, ou ambas.