A 6 de Agosto de 2002, os icónicos MESHUGGAH provavam que o nada pode pesar toneladas.
No panorama do metal contemporâneo, poucas bandas conseguiram criar uma linguagem tão singular e hermética quanto os MESHUGGAH. Ao longo da sua carreira, tornaram-se sinónimo de complexidade, precisão e dissonância — traços que, mais do que simples escolhas estilísticas, funcionam como pilares de uma estética que recusa soluções fáceis ou repetições banais.
Em «Nothing», o quarto LP da banda sueca, essa filosofia atingiu todo um novo patamar, desafiando as próprias convenções que a banda ajudou a estabelecer. Este foi o disco em que expandiram o léxico do metal ao ponto de o distorcer, puxando-o em direcções que mais parecem saídas de um laboratório de física quântica do que de uma sala de ensaios.
Após a revolução de «Destroy Erase Improve» e a brutalidade caótica de «Chaosphere», a pergunta era inevitável: para onde poderia seguir uma banda que já parecia operar fora das coordenadas normais do género? A resposta chegou com a força de uma singularidade gravitacional. «Nothing» é, acima de tudo, um disco onde o peso não se mede apenas em decibéis, mas em densidade conceptual, desconstrução estrutural e tensão atmosférica. Isto ão os MESHUGGAH no seu melhor.
O título, longe de ser uma provocação niilista, aponta para um estado de consciência onde o vazio deixa de estar ausente para se tornar matéria — uma entidade própria que engole certezas e devora a lógica tradicional da composição musical. A introdução das guitarras de oito cordas por Fredrik Thordendal e Mårten Hagström marca uma das grandes transformações do álbum. Esta escolha, longe de ser apenas uma curiosidade técnica, permitiu aos MESHUGGAH descerem a níveis sísmicos de frequência, arrastando o ouvinte para uma profundidade sonora rarefeita onde cada riff parece deslocar placas tectónicas.
No entanto, o mais notável não é o peso em si — é a forma como esse peso se organiza em estruturas rítmicas labirínticas, cheias de polirritmias, silêncios e colapsos internos. Em faixas como «Glints Collide» ou «Closed Eye Visual», a sensação é de estarmos a atravessar uma sucessão de passagens dimensionais, onde a noção de tempo se torna instável, quase ilusória.
Neste contexto, as linhas vocais de Jens Kidman funcionam como um elemento maquinal — mais do que expressar emoções, servem como intensificadores dessa alienação. São gritos processados, clínicos, que contribuem para a atmosfera de desumanização e colapso psicológico que perpassa o colossal quarto LP dos MESHUGGAH. O tema-título, profundamente enraizado no existencialismo, não é apresentado como um grito de desespero, mas como uma reflexão gélida sobre os limites da percepção e da razão.
Em «Straws Pulled At Random», a aleatoriedade das decisões humanas parece ser confrontada com a indiferença do cosmos. Em «Spasm», o corpo torna-se um instrumento de tortura interna, uma entidade convulsiva a braços com impulsos que não consegue compreender. E depois temos «Obsidian», o fecho inquietante do disco, onde ressoam ecos lunares e pulsos quase industriais, como se a própria música dos MESHUGGAH estivesse a tentar escapar ao vórtice da gravidade que a atrai.
O virtuosismo técnico dos músicos, especialmente de Thordendal, não se manifesta aqui em exibições de velocidade ou floreios melódicos, mas sim em desconstruções quase jazzísticas, onde o cromatismo e a dissonância são usados como ferramentas de desestabilização. Há momentos em que a sombra dos TOOL se insinua, não tanto na forma como no espírito: a ideia de que a música pode ser uma exploração do subconsciente, uma cartografia do desconhecido. No entanto, onde os norte-americanos apostam na espiritualidade e na expansão sensorial, os MESHUGGAH preferem o colapso, a implosão, o abismo.
É inegável que o «Nothing» não é um disco para todos. Requer escuta atenta, entrega total e, acima de tudo, disposição para abdicar das estruturas familiares. No seu âmago, está uma proposta radical: a de que o metal extremo pode ser uma forma de ciência abstracta, arquitectura de frequências e fórmulas rítmicas que desafiam os sentidos e exigem reinterpretação constante. É música para quem prefere a vertigem da dúvida à segurança da catarse.
Ainda assim, num universo onde tantas bandas procuram conforto na repetição, os MESHUGGAH seguiram em direcção ao desconhecido, não por desejo de originalidade, mas por necessidade de coerência com a sua própria lógica interna. Em «Nothing», essa lógica atingiu o seu estado mais puro — e, paradoxalmente, mais inatingível. Este álbum é, simultaneamente, um ponto final e um novo começo; que, mesmo mais de vinte anos após o seu lançamento, continua a ser uma anomalia fascinante no ADN do metal.
















