Hoje, 24 de Setembro, celebramos os MEGADETH e o aniversário de um dos álbuns mais icónicos da história do thrash.
Os méritos de Dave Mustaine e a sua importância histórica para o metal são inquestionáveis, da mesma forma que o seu feitio por vezes dificulta a constatar um facto tão óbvio. Além da importância que teve no início de carreira dos METALLICA, toda a carreira dos MEGADETH, que sempre foram o #2 em termos de popularidade dos Big 4, atesta esse facto. Mustaine tem um legado musical riquíssimo e isso, goste-se ou não da música ou da figura, nunca ninguém lhe pode retirar.
Não que isso seja relevante, aqui deixo o disclaimer: era fã dos MEGADETH na adolescência, em momentos até apreciei mais que METALLICA, mas o último disco que ouvi foi o «Risk». Terei ouvido outras canções soltas depois disso, mas não creio que tenha ouvido um disco da banda posterior do início ao fim. Acredito que isso diga mais sobre mim, e dos meus interesses que seguiram noutras direcções, que propriamente dos MEGADETH e das suas diferentes encarnações neste século, mas aqui fica a nota.
No 30.º aniversário do «Rust In Peace», que é quase unanimemente considerado a obra-prima do grupo, não resisti ai livro lançado por Dave Mustaine e adquiri o ebook em poucos segundos (consta que a versão audiobook vale bastante a pena). Já tinha lido «Mustaine: A Heavy Metal Memoir» e achei ser um bom livro, honesto, que faz compreender atitudes e pontos de vista, e é bom entretenimento também, por isso achei que este também seria uma tarde bem passada (tem 208 páginas, lê-se de uma assentada).
A primeira coisa a dizer é que se o Slash escreveu mesmo o prefácio, e não o ditou a alguém, este livro é mais dele que do Dave Mustaine, que se assume como autor. Na sua autobiografia é creditado Dave Mustaine com Joe Layden, que é, na verdade, o ghost writer (quem dá à tecla), o que é prática habitual na indústria, mas este livro é uma história oral, que consiste em entrevistas feitas a diversos intervenientes e as suas respostas transcritas em discurso directo.
Portanto, não faz qualquer sentido Mustaine ser creditado como autor com Joel Selvin, sendo este último quem o escreveu. Mustaine é tanto autor quanto todos os outros entrevistados, mas com a injusta vantagem de poder reagir a algumas respostas de outros intervenientes. E estes são os restantes elementos dos MEGADETH na altura, Dave Ellefson e Marty Friedman, faltando o baterista Nick Menza que faleceu em 2016, mas também o anterior baterista Chuck Behler, o produtor Mike Clink, a mulher de Mustaine (que conheceu nesta altura) e vários outros associados.
O livro começa com a fase final de «So Far, So Good… So What!» e com o afundar no abismo da heroína de Dave Ellefson. Podiam ser todos junkies, mas pela narrativa parece que foi Ellefson quem não conseguiu lidar com o vício e prejudicou a banda. Tournées canceladas, mudanças de management e planos furados, tudo devido ao cavalo, branca e álcool. A primeira parte do livro é focada nos vícios dos elementos da banda, incluindo naturalmente Mustaine, e na forma como o quarteto se desintegrou antes do seu quarto álbum.
Reabilitações várias, o técnico de bateria Nick Menza a ficar com o lugar do patrão; Marty Friedman a ser contratado, mas teria de “fazer alguma coisa àquele cabelo”; Dimebag Darrell quase a ser contratado, mas só aceitava se levasse o irmão Vinnie Paul para a bateria (que já estava ocupada); Jeff Waters também esteve na calha para guitarrista… Várias informações que já eram conhecidas do grande público e outras de maior ou menor interesse.
Uma interessante é que só passado um mês dos MEGADETH começarem a gravar é que Mustaine apareceu no estúdio, pois estava internado numa clínica de reabilitação. E não houve cá conversas sobre direitos de autor, arranjos, ou o que quer que seja. É tudo do Mustaine e não se fala mais nisso, mas como o disco era curto lá se deu uma esmola a Ellefson que compôs «Dawn Patrol». Conforme os elementos sobreviventes não terá sido bem assim, mas assim ficou. A propósito, a imagem de dócil subserviência que Ellefson tem a Mustaine chega a ser irritante, de tão incómoda. Quando Mustaine diz ser o Lone Ranger e Ellefson o Tonto tive de fazer um intervalo na leitura.
Embora se compreenda o enfoque em «Rust In Peace», fica sempre a sensação de que a narrativa deveria continuar e o livro deveria ser sobre todo o período da formação clássica dos MEGADETH, composta por Mustaine, Ellefson, Friedman e Menza, que teve um percurso de ainda maior sucesso nos anos seguintes. «Rust In Peace» pode ser o melhor disco para muita gente, mas «Countdown To Extinction» foi o grande sucesso comercial e essa seria uma fase interessante de conhecer mais a fundo.
Como o foco é este álbum, dá-se um salto de vários anos quando se falou da possibilidade de reunião, de como não foi possível chegar a um acordo, porque as exigências de Friedman e Menza eram inaceitáveis e Menza já não conseguia tocar o material, mesmo já não estando cá para se defender (mas Mustaine diz que o adora e dedica o livro à sua memória). Se em vários momentos fica a sensação de que Mustaine é um tirano de feitio irascível, nesta fase do livro essa sensação é quase insuportável.
Apesar de tudo isto, o livro é interessante e informativo sobre todos os aspectos do disco, o contexto em que surge, todo o processo de gravação e o que se seguiu para os MEGADETH graças a ele. Uma das partes mais aliciantes para os fãs será o capítulo em que Mustaine disseca cada um dos temas, sobre as ideias de composição, a inspiração para as letras e outras trivialidades. Além de um grande músico, Mustaine é um homem inteligente, culto e, de uma forma geral, interessante. Não precisava de se esforçar tanto para ser desagradável.
Se em «Mustaine: A Heavy Metal Memoir» deixa uma imagem diferente, mais íntima, positiva e compreensiva, em «Rust In Peace: The Inside Story of The Megadeth Masterpiece» fica a imagem daquele Mustaine nos seus piores momentos, e parece tão natural quanto intencional.