MEAT LOAF

MEAT LOAF: Maior que a vida

Há exactamente dois anos descobrimos que morrera MEAT LOAF, uma das vozes mais marcantes da sua geração.

Terminou na noite de 20 de Janeiro de 2022, de forma aparentemente pacífica – ao lado da mulher Deborah, e recebendo a visita das filhas e dos amigos mais próximos – uma vida atribulada, cheia de peripécias e histórias nem sempre agradáveis para contar, mas que vai ficar para sempre na história da música (e da sétima arte, como o nosso Emanuel Ferreira também explica no seu artigo de homenagem) por performances absolutamente singulares, plenas de intensidade, emoção, paixão, raiva, suor e lágrimas.

Falamos de Michael Lee Aday (nascido Marvin Lee Aday), o larger than life MEAT LOAF, que nos deixou aos 74 anos), mas que tanto nós como as gerações futuras vamos continuar a ouvir com a mesma pertinência de sempre. A trilogia «Bat Out Of Hell», a obra que mais vai perdurar na memória dos fãs de MEAT LOAF, elaborada na companhia do também já saudoso Jim Steinman, o génio compositor que partiu em Abril do ano passado, é uma das peças de música mais universais que existem, atingindo uma unanimidade comercial e crítica, e com uma longevidade que parece infinita.

Toda a intensidade, teatralidade e expansividade que se reconhece ao norte-americano, nascido em Dallas, no Texas, a 27 de Setembro de 1947, era de facto um reflexo da sua personalidade. O jovem Michael teve uma infância traumática, daquelas que não se desejam a ninguém – o pai, Orvis, era um polícia alcoólico que espancava o filho com regularidade e o atormentou até ao dia em que, depois de uma luta particularmente brutal, desencadeada por Orvis ter tentado matar o filho com uma faca, Michael saiu de casa, ainda adolescente… like a bat out of hell, poderia dizer-se, de forma quase semi-literal.

A mãe, igualmente vítima dos abusos do monstro com quem vivia, morreu de cancro em 1966, pouco tempo antes do episódio da faca, uma perda e um desgosto que marcou o cantor/actor para sempre. Na escola, por causa do seu tamanho (no sétimo ano, pesava mais de 100kg), era um alvo fácil para os bullies, encontrando apenas conforto nas produções de teatro escolar em que participava, tendo feito parte de elencos de «The Music Man» ou «Where’s Charley?» ainda no liceu.

Também “brilhou” no futebol americano, onde terá sido um jogador interessante, dependendo daquilo que acreditarmos dos seus relatos altamente variáveis (o MEAT LOAF nunca escondeu que mentia regularmente em entrevistas e exagerava ou até inventava histórias mirabolantes do seu passado, só porque sim). Aliás, a famosa alcunha vem dos tempos do futebol, onde das iniciais M.L., rapidamente os engraçadinhos transformaram em MEAT LOAF. Bem ao seu jeito, ownou a alcunha maldosa e é hoje conhecido no mundo inteiro por ela.

Chamamos-lhe cantor/actor, mas não era propriamente assim que ele se via. O teatro e a representação eram tudo. “Não sei cantar! Tudo soa terrível até ter a cena toda montada,” disse uma vez numa entrevista. “Nunca ouviram o Meat Loaf cantar uma canção em nenhum dos meus álbuns. Foram sempre personagens. Eu sou só um actor que tem a mania que consegue cantar.

De facto, o seu primeiro grande sucesso foi – apesar de ser um musical – no campo da representação, no “Rocky Horror Show”, do qual o Emanuel nos fala muito melhor no seu artigo paralelo a este. No entanto, quase ao mesmo tempo em que trabalhava nesse sucesso, outro ainda maior estava na calha. «Bat Out Of Hell» já estava na forja desde 1972, mas foi só em 1973 que começou a tomar forma a sério, quando Steinman e MEAT LOAF se conheceram, durante uma audição para um musical de Steinman, intitulado “More Than You Deserve”.

Reza a lenda que MEAT LOAF cantou um tema da Motown intitulado «(I’d Love To Be) As Heavy As Jesus». Quando terminou, Steinman foi ter com ele e disse-lhe “já agora, tu és tão pesado como dois Jesuses.“More Than You Deserve” não foi um grande sucesso, mas quando MEAT LOAF cantava a música que Steinman tinha escrito para ele, a multidão (umas 100 pessoas por noite) entrava em delírio.

Apesar de pressões para trabalhar com outras pessoas, M.L. manteve-se fiel ao seu novo colaborador, apesar de o sucesso planetário não ter aparecido durante alguns anos e outros projectos onde trabalharam juntos. Aposta que valeu a pena – o «Bat Out Of Hell», sem contar com as duas sequelas, vendeu por si só mais de 40 milhões de cópias a nível mundial. Só o «Thriller», de Michael Jackson, o «Back In Black», dos AC/DC, e a banda-sonora de “O Guarda Costas” (à boleia de Whitney Houston) apresentam números superiores.

Como quase tudo na sua vida, a relação com Jim Steinman sofreu ao longo dos anos altos e baixos, incluindo disputas mediáticas em tribunal e tudo o mais. Mas no final, a importância de cada um no sucesso conjunto e a forte ligação que sempre tiveram parece ter prevalecido. “O Jim viverá para sempre no meu coração e na minha alma. Vou ter saudades tuas,” disse MEAT LOAF aquando da morte de Steinman.

Mesmo nunca tendo atingido a altura estratosférica de «Bat Out Of Hell» e subsequentes sequelas, a carreira de MEAT LOAF foi longa e recheada de sucessos ainda assim. «Dead Ringer For Love», na companhia de Cher, é um highlight óbvio, e álbuns como «Midnight At The Lost And Found» (1983) ou o surpreendentemente enérgico «Hell In A Handbasket», já numa fase que se poderia considerar descendente da carreira (2011), são marcos que têm todas as características que fizeram de MEAT LOAF grande – o vozeirão, a energia, a intensidade sempre a bater no vermelho, a grandiosidade teatral, e as grandes canções.

Sempre um animal de palco, às vezes até demais. Consta que no auge das actuações de «Bat Out Of Hell» o cantor precisava de oxigénio para recuperar depois de cada concerto onde dava literalmente tudo o que tinha. Foi também, sem surpresa, nessa altura que o seu problema de consumo de substâncias atingiu o seu auge, e as destruições de quartos de hotel e camarins, e peripécias várias com músicos e outros membros da comitiva (atirando suportes de microfone à cabeça de membros da banda e na direcção do público, coisas desse género), eram comuns.

A primeira de várias lesões graves sofridas ao longo da carreira por excessos em palco veio terminar uma tour de grande sucesso, quando MEAT LOAF se atirou para fora do palco durante «Paradise By The Dashboard Light», fracturando uma perna e dando início a uma espiral de depressão, que só não terminou numa tentaiva efectiva de suicídio porque, segundo consta, o seu tour manager Sam Ellis o convenceu a não se atirar de uma janela.

Tudo isto apenas raspa a superfície do impacto que Meat Loaf teve na cultura contemporânea. Cinema, teatro, televisão e música, este “homem torturado” atirou-se a todas elas com uma paixão desenfreada. O actor britânico Stephen Fry, com quem MEAT LOAF protagonizou um sketch hilariante numa edição de Saturday Night Live nos anos 80, disse hoje no Twitter que “ele tinha a qualidade de ser simultaneamente aterrorizante e fofo, o que é raro e maravilhoso,” o que parece descrever Michael Lee Addy e todos os seus personagens de forma perfeita.

Apesar dos problemas de saúde que se foram agravando ao longo dos anos, estava prevista, segundo o próprio, estava prevista uma entrada em estúdio para gravar temas inéditos das décadas de 80, 90 e 00. Já não houve tempo. Recuperamos novamente o comunicado publicado pela família de MEAT LOAF no seu Facebook. Termina assim: “From his heart to your souls…don’t ever stop rocking!” Se há mensagem que este personagem colossal e a sua vasta obra deixam, será essa. Saibamos honrá-la.