MATA-RATOS, BOOBY TRAP, ARTIGO 21, DEADLY MIND, CONTRASENSO, CENTOPEIA @ RCA Club, Lisboa | 17.12.22 [reportagem]

Como terminar uma digressão de comemoração das quatro décadas da banda mais influente (e infame) do punk rock nacional? Quando o resto da população vive alheio ao que se faz no underground, cabe ao underground assinalar da melhor forma a ocasião — e, neste caso, a celebração não podia ter sido mais épica. Para começar, tivemos o muito celebrado lançamento do segundo volume do CD-duplo de homenagem aos MATA-RATOS, intitulado «Covers, Cu & Mamas», uma edição limitada a 300 unidades, lançada pela Hell Xis Records. Depois, além de ser o último de uma longa série de concertos, tendo percorrido todo o país durante o presente ano, também tivemos cinco (5!) bandas o devido “tributo”, com concertos curtos mas cheios de intensidade, fazendo com que esta paragem no RCA Club, em Lisboa, fosse uma verdadeira maratona imprópria para cardíacos.

Os CENTOPEIA iniciaram esta noite alucinante com o seu híbrido de sludge e rock musculado e cheio de raça. A super banda, que conta com membros e ex-membros dos Grankapo, Dr. Bifes E Os Psicopratas, Jackie D e Dollar Llama, atacou cheia de energia quando a sala ainda estava a ser preenchida. Para além dos temas que já conhecemos, como «October 7th», «Your God» ou «Temptation», pudémos ouvir um novo («Million Voices») e ainda uma rendição bem pesada de «Os Mortos Também Dançam». Numa onda mais descontraída, vieram de seguida os CONTRASENSO, uma das grandes propostas de punk rock melódico do nosso underground. Entraram com o gás todo, com Daniel Hipólito vestido a rigor (afirmando depois que pensava que era Halloween), e não deram sequer espaço para respirar com uma descarga composta por «Cabeça Erguida», «Um Segundo» e «Reviravolta», todas do álbum de estreia homónimo. A segunda metade da actuação foi dedicada às homenagens, começando com «Nervous Breakdown», dos Black Flag, seguindo-se «Wild In The Streets», dos Circle Jerks, e terminando, como não poderia deixar de ser, com «Expulsos Do Bar», original dos senhores da noite. Carregando no peso surgiram os DEADLY MIND, com um hardcore musculado que aumentou a intensidade no pit, graças a um set explosivo quase totalmente centrado no álbum «Recognize The Threat». Excepção feita para «Release Those Chains» e para a cover de «Vozes Da Raiva» que teve um tratamento especialmente explosivo, e se transformou num dos pontos altos da noite. A actuação teve, infelizmente, um pequeno contratempo, quando o baterista Bósnia se sentiu mal e precisou de algum tempo para se recompor. Ainda assim, conseguiu finalizar o alinhamento, tocando as duas canções que faltavam para completar o set sem nunca diminuir a intensidade — e, na plateia, até ténis voaram.

A par dos CONTRASENSO, os ARTIGO 21 também são outro dos expoentes máximos do punk rock melódico luso, eles que têm andado em digressão pelo país a celebrar uma década de existência. Como já dissemos anteriormente, a banda atravessa um grande momento de forma e o alinhamento mais curto só fez com que esse facto se tornasse ainda mais evidente. Daniel Hipólito (aqui) na bateria redimiu-se da escolha de vestuário na sua outra banda e sentou-se atrás do kit vestido apenas com os seus boxers, sustentando ritmicamente uma selecção de temas onde é impossível não destacar a forma entusiasta com que «Só Mais Um Bocado» e a excelente versão de «Inocente O Doente» foram interpretados. O título de banda mais pesada da noite vai para os BOOBY TRAP, o rolo compressor crossover que veio à capital prestar homenagem aos MATA-RAOS e, no processo, espalhar a palavra de uma vasta carreira com tantos destaques que o espaço seria sempre curto. Foi um rol de curtas descargas de adrenalina que começou em grande estilo com a instrumental «March Of The Boobies», a fazer lembrar a «March Of The S.O.D.», e que nos trouxe também temas como «Stand Up And Fight» e «No Conformity». A homenagem aos cabeças-de-cartaz surgiu com a rendição de «Rock Radioactivo», que antecedeu a já imprescindível «O Bom, O Mau e O FIlho Da Puta».

Cinco bandas, cinco faces diferentes do peso nacional, cinco exemplos perfeitos da forma como o nosso underground foi universalmente influenciado pelos MATA-RATOS. E, apesar da recepção entusiasmada por parte do público a todas as bandas anteriores, foi (e será sempre) impressionante verificar como os infames mestres do punk rock luso colocam logo toda uma sala (que terá estado muito perto de esgotar) em completa efervescência. Já faz parte do espectáculo em si, mas apesar de ser habitual — e de sermos sortudos o suficiente para já o termos presenciado bastantes vezes –, não deixa de ser um ambiente sempre único e especial. De tal forma que é redutor falar desta ou daquela música como clássicos quando o público acompanha, canta e faz a sua dança tribal da mesma forma e intensidade (e com ténis a teimarem em voar) em todas. Claro que  certos temas conseguem sempre provocar aquele caos memorável, como a «Napalm Na Rua Sésamo», a «C.C.M.» ou uma triunfal «Xu-Pa-Ki» que surgiu quando a banda já estava pronta para dar por terminada a noite, mas resolveu chamar ao palco o ex-baterista Alberto para tocar o tema, ele que esteve presente na gravação original. No final, os sobreviventes limparam o suor satisfeitos por terem chegado vivos ao fim de mais um concerto dos MATA-RATOS, o último de 2022, e também o último a assinalar os festejos de 40 anos de street punk por parte de uma banda que, aconteça o que acontecer no futuro, já provou que é imortal.

Fotos: Sónia Ferreira