MASMORRA FEST 2018: Antevisão do festival [entrevista]

Dois anos depois, o Masmorra Fest regressa, com a mesma devoção às artes negras que a sua estreia em 2016 já prometeu. É já no próximo dia 9 de Junho, no Another Place em Almada, que vamos ter a oportunidade de descer às catacumbas do underground ibérico, num alinhamento recheado de eventos únicos. Conversámos com Nuno, o organizador.

 

Qual foi a ideia por trás da primeira edição, em 2016, e que balanço fazes dessa estreia?

Nuno: Antes de mais, obrigado desde já pela oportunidade para falar um pouco deste pequeno festival, que está ainda agora a dar os primeiros passos. A ideia que levou a realização do Masmorra Fest em 2016, na verdade, foi uma evolução da ideia original que era a de organizar um concerto. [risos] Na altura, eu, o Nuno dos Ravensire e o Francisco da editora A Forja/Corman juntámo-nos um par de vezes, várias possibilidades surgiram para compor o line-up da data, e a coisa começou a ganhar alguma forma. A determinado momento creio que nos começámos a entusiasmar e sugeri pegar eu na organização do concerto, mas já numa perspectiva de festival. Foi aí que a Caverna Abismal entrou como principal figura organizadora, até porque A Forja na altura já não estava muito activa. A partir desse momento tomei as rédeas da organização e assumi o festival como um evento da Caverna Abismal. Sendo um evento com o selo da editora, levei isto para uma direcção que tivesse mais a ver com os espectros musicais nos quais a editora se move, que são necessariamente baseados no meu gosto pessoal. Para mim, esta coisa de organizar concertos era tudo novidade, e claro que a ajuda preciosa do Francisco, do Nuno e de vários outros amigos foi fundamental. Mas foi um processo bastante didáctico e interessante, e deu-me muito gozo organizar este festival, que é algo bastante diferente de gerir uma editora, banda ou seja lá o que for. Portanto, claro que a organização não foi perfeita, cometi vários erros ao longo do processo, mas que servem de experiência para eventos futuros. No entanto, de uma perspectiva geral acho que correu muito bem, fiquei muito satisfeito com o alinhamento do festival e creio que quem lá esteve levou boas memórias dessa edição. Destaco, por exemplo, os concertos dos Festering, que deram o seu primeiro concerto após décadas de existência, dos Filii Nigrantium Infernalium, que tocaram um curto mas intenso set de músicas dos seus primórdios ou ainda dos Goatfükk ou Alcoholocaust que são presenças pouco assíduas nos nossos palcos, apesar da sua qualidade inquestionável. Todas as outras bandas tiveram o seu momento e deram o seu contributo, que já agora, só para acabar o ciclo de nomeações, os Disthrone com o seu crust/punk que foram a banda ideal para abrir o festival, e os Ravensire, a banda perfeita para acabar, que na altura apresentaram o seu novo (e grande) álbum «The Cycle Never Ends». Os Corman na altura também chegaram a ser anunciados, só que infelizmente devido a compromissos profissionais do Francisco não chegaram a tocar. No final de contas, não ganhei nem perdi dinheiro, o que foi exactamente o que eu queria, e para isso muito contribuíram as 180 pessoas que por lá passaram algumas horas da sua vida. Creio que o balanço foi bastante positivo.

 

Nessa altura, já pensavas em fazer disto um evento regular? Que tipo de condições tiveram que estar reunidas para acontecer agora a segunda edição, dois anos depois?

Na altura em que organizei a primeira edição não pensei muito no futuro mas sim no presente. Se essa edição corresse bem então logo pensaria em fazer a segunda edição. O importante era que a primeira edição corresse bem! Depois de passada a tempestade não quis ouvir falar mais em Masmorras durante umas semanas. [risos] Mais tarde, com um certo distanciamento, ficou claro para mim que isto era algo para continuar. A segunda edição levou dois anos a compor-se porque na verdade em 2017 não consegui reunir um alinhamento que me agradasse a 100%. E para estar a fazer só por fazer, ainda que com as minhas limitações, se não tiver a qualidade que eu acho necessária, se não tiver um interesse adicional e se não acrescentar nada, então prefiro não fazer. Se dantes o pessoal se queixava que não havia concertos, agora, de certa maneira, é ao contrário. E sendo assim, senti que não havia necessidade de estar a repetir bandas que tocam regularmente e por todo o lado porque só iria saturar as agendas do nosso público e trazer entropia a um underground que, por si só, já é um meio muito pequeno. A alternativa seria trazer bandas estrangeiras a Portugal, o que na verdade também tentei e não consegui, por várias razões. Agora, para esta edição, sinto que tenho um line-up interessante, coerente, com bandas que estão de certa maneira ligadas às actividades da Caverna Abismal, por isso a celebração não podia ser melhor. É claro que estou sempre limitado a um orçamento pequeno, mas acredito que para construir algo forte os primeiros passos são essenciais e importantes para se estabelecer uma base segura e que permitirão atingir novos voos. Mas para já, esta edição para mim está perfeita.

O cartaz é composto na sua maioria por bandas que não tocam ao vivo com frequência, ou que até se estão a estrear, ou seja, quase tudo concertos “especiais”. Imagino que esta toada geral tenha sido propositada, de forma a dar uma vertente mais “única” ao festival?

Essa é, sem dúvida, a ideia geral do meu planeamento. Um pouco no seguimento do que estava a dizer anteriormente. Estamos num meio que, em relação a concertos, está perto da sua saturação. Isto, na minha opinião, é a principal causa de dispersão levando a termos alguns bons concertos com poucas dezenas de maníacos na assistência. O que para alguns pode ser bastante interessante, seja pela aproximação que se tem às bandas em palco, ou pelo espírito mais familiar que se tem nesse tipo de concertos, a verdade é que do lado das bandas e organizadores essas situações são sempre dramáticas, pelas razões óbvias. Mas sejamos realistas. Mesmo para os maníacos mais underground, como eu (falo por mim), creio que ver a mesma banda várias vezes ao ano acaba por ser desinteressante quando, entre outras razões, há tantas outras bandas de qualidade que também merecem ter o seu espaço e destaque. E isto não é uma crítica para ninguém, é apenas a minha opinião. Portanto, quando pensei nestes line-ups, pensei no concerto ideal para mim próprio, ou seja, algo que não veja todos os dias e que me fascine. O factor “único”, como dizes, é de facto importante para mim. Num mundo em que tudo se pode ver no YouTube e tudo está disponível num piscar de olhos, o que conta mesmo são as experiências pessoais. E para quem vive esta nossa subcultura e gosta deste tipo de sonoridade sabe do que estou a falar. A experiência de ver os temas de «Os Métodos Do Pentagrama» tocados novamente em palco, expelidos com a raiva típica de um Belathauzer possesso, e reviver tempos áureos e profeticamente reais, são experiências que não se esquecem. Ver uns Perpetratör ou uns Festering a tocar é quase como ter ali fantasmas em carne e osso, que incendeiam a alma e a devoram até ao tutano. E é esse tipo de reacções que gosto de ter, e de proporcionar aos nossos maníacos das criptas infernais.

 

Quais foram os principais critérios de selecção das bandas? Tens algum limite estilístico traçado, por exemplo?

Acima de tudo, as bandas têm que me agradar. Este festival é o puro reflexo dos meus gostos pessoais, com as suas limitações claro. E quando digo limitações, é basicamente relacionado com questões orçamentais, e físicas também. Nada mais me agradaria do que ressuscitar o Quorthon e meter cá os Bathory, ou pagar umas jolas e um frango assado ao Chuck Schuldiner e ter cá os Death mas, de facto, não dá. Não tenho um limite estilístico mas também não vou muito além do que já incluí, que são muito sucintamente os estilos com os quais mais me identifico. Além disso, ao contrário da tendência geral dos grandes festivais, não vejo muito sentido em fazer misturas de géneros. Não quer isto dizer que não oiça outros géneros, mas acho que não é coerente, seja por razões contextuais, estilísticas ou ideológicas, por aí fora. Tem que haver um estado de espírito comum para que, de certa forma, se consiga relacionar e integrar bandas de diferentes contextos líricos e musicais, e por vezes isso não se consegue com a panóplia de bandas que existe. No Masmorra tento fazer com que esse espírito seja comum. Não há um limite traçado, mas esse limite vai até onde eu entender.

 

É importante ter um nome mítico do underground português como os Filii Nigrantium Infernalium para de certa forma ajudar a validar a presença do evento, eles que são os únicos “repetentes” da primeira edição? Vão passar a ser a banda “fetiche” do Masmorra?

Os Filii Nigrantium Infernalium são únicos. Cada concerto é um concerto diferente, mesmo que toquem o mesmo set vezes seguidas. Mas como podes calcular, a razão para ter esta banda repetida não é casual. Em 2016, estava-se a preparar há já algum tempo o «Inmunditia Odii Plena» que reúne os materiais mais antigos da banda, que incluíam a demo «The Miracle Of Death» dos Bactherion, e «Os Métodos Do Pentagrama» já com a insígnia dos Filii, tudo material de 1993 para trás. E o que eu pensei foi simplesmente aproveitar esta data para promover o lançamento e dar oportunidade aos mais novos (como eu) de poder ouvir temas destas demos lendárias do nosso panorama nacional tocadas ao vivo e a cores. Seria certamente especial, curto mas com um significado muito grande para mim, e espero que, para quem assistia também. Agora em 2018, com o novo álbum “Hóstia” cá fora no dia 25 de Maio, não podia desperdiçar esta oportunidade de os meter a tocar novamente, e desta vez apresentando as novas malhas, fresquinhas e bem negras. Na minha opinião, e apesar de achar que eles têm material mais do que suficiente para fazerem vários sets para vários concertos, eu creio que já faziam falta novas músicas e novas blasfémias em palco. Este novo álbum está repleto de malhões, bem directos e bem elaborados, com uma sonoridade muito típica deles e que cobre grande parte das suas fases. Presentear o público com as novas músicas do álbum e dar uma oportunidade à banda para se exprimir defronte daquele que será, muito provavelmente, o seu tipo de público mais acérrimo pareceram-me argumentos mais do que válidos para os “repetir” nesta edição.

 

Duas bandas galegas este ano a assinalar a estreia de bandas estrangeiras no Masmorra – acompanhas o underground do país vizinho em geral, e da Galiza em particular, com especial atenção? Achas que seria benéfico haver mais alguma união e colaboração entre as cenas de Portugal e Espanha (ou Galiza)?

Eu sigo bastante o que se passa em Espanha e acho que têm muito boas bandas em vários géneros. Recentemente têm vindo a expelir actos insanos como Teitanblood, Altarage, Sheidim, Omission, Proclamation, Sacrificio, Ataraxy, Domains, Graveyard, Körgull The Exterminator, Apologoethia, etc. A Galiza, na minha opinião é ali um cantinho especial de Espanha, que acho terem um traço muito próprio, donde são originários não só os Balmog e os Marthyrium, mas também os Sartegos, Spectrum Mortis, Arkaik Excruciation, Suspiral entre outros.

As duas bandas Galegas que estão nesta edição, são de facto de grande nível. Já viajei de propósito à Galiza para ver um concerto de Xerión, Marthyrium e Balmog, ainda andavam eles com as demos, talvez em 2008, se não estou em erro. Desde então tenho seguido ambas as bandas de perto. Quanto à segunda questão que me colocas, eu creio que seria sempre benéfico haver mais união e colaboração, claro. Seria bom termos mais bandas Portuguesas a tocar em Espanha, o que até mesmo com esta proximidade não acontece muito, e vice-versa. Não sei explicar. Mas creio que ambos os países estão agora numa boa fase e a experiência e uma colaboração conjunta mais forte poderia ajudar a evidenciar talvez a qualidade das bandas, e a gerar uma maior credibilidade da música que se faz neste canto da Europa, que ainda nos olha como o patinho feio. Não é que eu me importe com isso, muito honestamente, mas há bandas que deveriam ter mais reconhecimento e que não têm porque “gostamos” de nos manter por cá, nos nossos piqueniques e praias de águas quente.

 

Há planos, ou pelo menos ideias vagas, para uma continuidade? Tornar o Masmorra anual, por exemplo?

Os planos são que não há planos. Se eu achar que merece a pena continuar ou fazer outras edições então logo pensarei nisso. Para já, gosto de não me sentir obrigado a fazer seja o que for, porque me comprometi a fazer todos os anos. Faço isto por devoção e enquanto sentir a chama a arder irei continuar.