MARILYN MANSON

MARILYN MANSON e a metamorfose glam de «Mechanical Animals»

Entre a alienação e a fama, MARILYN MANSON assinou um dos discos mais marcantes dos anos 90.

Em 1998, poucos discos foram tão aguardados e discutidos como «Mechanical Animals», o terceiro trabalho de estúdio de MARILYN MANSON. Depois do impacto brutal de «Antichrist Superstar», um disco corrosivo marcado pela mão de Trent Reznor e pela estética industrial agressiva editado apenas dois anos antes, o público esperava um sucessor que continuasse a explorar a violência sonora e a iconografia blasfema que já tinham colocado a banda no centro da cultura popular.

O que encontrou, no entanto, foi uma transformação inesperada: um mergulho colorido e decadente no glam rock setentista, com claras influências de David Bowie, Marc Bolan e até uns ecos dos Pink Floyd. A própria capa anunciava a mudança. O andrógeno alienígena nu, de pele pálida e formas artificiais, dava a conhecer não apenas uma provocação estética, mas também a criação de um novo alter ego: Omega, um Messias alienado, perdido na cultura de drogas e de excessos da máquina de Hollywood.

A iconografia chocou os grandes retalhistas norte-americanos, que recusaram vender o álbum com a arte original. No caso da Wal-Mart, a reacção foi ainda mais drástica: não apenas se recusaram a comercializá-lo, como baniram todos os discos de MARILYN MANSON dos seus escaparates após o trágico massacre de Columbine, quando o músico foi transformado num bode expiatório mediático.

Musicalmente, «Mechanical Animals» abriu novas portas. As guitarras industriais e abrasivas deram lugar a linhas mais limpas e acessíveis, marcadas por riffs alternativos e melodias pop envolventes. As camadas de sintetizadores evocavam tanto o glam decadente dos 70s como o rock de arena dos 80s, aproximando o grupo de territórios inesperados.

Canções como «The Dope Show», «I Don’t Like The Drugs (But The Drugs Like Me)» e «Rock Is Dead» tornaram-se hinos imediatos, com uma energia contagiante que contrastava com a escuridão de faixas introspectivas como «The Speed Of Pain» ou «The Last Day On Earth». Logo no arranque, «Great Big White World» servia de declaração de intenções. A melodia etérea e os versos “In space / The stars / Are no nearer / They just glitter / Like a morgue” criavam uma atmosfera quase psicadélica, onde o vazio cósmico se confundia com a alienação das colinas de Los Angeles.

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Essa alienação foi um dos grandes motores líricos do álbum. Se em «Antichrist Superstar» predominava a agressão contra a sociedade americana, aqui emergia o desencanto e a apatia, como o próprio Manson explicou numa entrevista à NPR: “Tanto sonora como liricamente, trata-se da depressão da alienação, em vez da agressividade dela. É sobre o vazio.”

A crítica apontou rapidamente a influência de David Bowie, não apenas na estética glam, mas também na concepção do LP como uma ópera rock conceptual, muito à semelhança do clássico «The Rise And Fall Of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars». A personagem Omega, criada por Marilyn Manson, era um reflexo distorcido da figura de Ziggy: um messias alienígena arruinado pelo estrelato e pelo abuso de substâncias. Essa encenação prolongou-se para os palcos, onde a banda adoptou visuais espalhafatosos, com cabelos vermelhos, maquilhagem brilhante e roupas que misturavam decadência e futurismo.

Apesar das mudanças, MARILYN MANSON não abandonou completamente o seu lado corrosivo. Faixas como «I Want to Disappear» e «Posthuman» mostravam que a banda ainda tinha raízes punk, metal e industriais, agora filtradas por um espírito mais sarcástico e dançável. A presença de Zim Zum, que gravou a maioria das guitarras antes de abandonar a banda, e de John 5, que assumiu a função ao vivo, reforçava essa transição. O álbum contou ainda com a participação especial de Dave Navarro em «I Don’t Like the Drugs (But the Drugs Like Me)», sublinhando a conexão com o rock alternativo de finais dos anos 90.

O impacto comercial foi imediato. Lançado a 15 de Setembro de 1998, o «Mechanical Animals» estreou directamente no topo da Billboard 200, tornando-se o primeiro álbum de MARILYN MANSON a alcançar o número um. O feito mostrava que, apesar das mudanças estéticas e sonoras, o público não só aceitava a nova direcção como a celebrava. A recepção crítica, embora dividida, acabou por reconhecer a ousadia da transformação.

Agora, em retrospetiva, o «Mechanical Animals» pode ser visto como um ponto de viragem. Ao mesmo tempo que consolidou MARILYN MANSON como um dos nomes mais controversos e mediáticos do final da década de 90, demonstrou também a sua capacidade de reinventar-se artisticamente, escapando não só à sombra de Trent Reznor, mas também da estética puramente industrial. O disco abriu caminho para uma carreira mais versátil, onde a experimentação passou a conviver com a provocação.

Mais de duas décadas depois, continua a ser lembrado como uma das obras mais ousadas e enigmáticas da banda. Não apenas pelo som, mas pelo retrato cruel de uma cultura onde fama, alienação e drogas se confundem numa narrativa tão artificial quanto brilhante. Tal como Omega, em «Mechanical Animals» o Sr. Manson foi simultaneamente estrela e cadáver, profeta e vítima — e talvez seja precisamente nessa dualidade que reside a sua força duradoura.