Qualquer símbolo comporta diferentes significados de acordo com o contexto em que é empregado e as origens de alguns símbolos são difíceis de apurar. Miríades de símbolos surgem, de modo autónomo, em diversas culturas que não se relacionam entre si; às vezes com definições diferentes, outras com sentidos semelhantes. A interpretação deve ser feita no âmbito dessas diversificadas aplicações. O pentagrama é um símbolo universalmente reconhecível que evoca, de imediato, imagens associadas à bruxaria e ao satanismo, principalmente quando surge “invertido”, mas essa ligação, popularizada por livros, filmes e séries de televisão, é contemporânea: antes de meados do século XIX, ninguém usou um pentagrama, invertido ou não, para representar o Diabo ou as forças do Mal. Na verdade, a noção de um pentagrama “invertido” nem sequer existia.
A palavra pentagrama provém do substantivo grego pentágrammos, que significa formado por cinco linhas. É possível encontrar pentagramas em vários artefactos arqueológicos, como egípcios, gregos e romanos, e, na maioria das vezes, esse símbolo não possui outra função que não seja decorativa, embora se especule sobre qual o seu verdadeiro significado quando presente no âmbito de algumas clássicas “escolas” filosóficas (como a pitagórica). Neste caso tem sido avançada a teoria de que consistia num símbolo adoptado dos ensinamentos do filósofo grego Ferécides de Siro que, no século VI a. C., escreveu um influente tratado teológico intitulado Heptamichos (Os Sete Esconderijos); de modo geral, crê-se que Ferécides de Siro, divulgador da teoria da metempsicose (que advoga a transmigração da alma para um novo corpo após a morte), foi mentor do filósofo grego Pitágoras, cuja doutrina esotérica e profiláctica assentava sobre esse pressuposto. Assim, o uso do pentagrama pelos pitagóricos estaria relacionado com os ensinamentos de Ferécides de Siro, nos quais as forças do caos foram encerradas, no início dos tempos, numa espécie de calabouço com cinco celas. Enquanto símbolo de reconhecimento entre os pitagóricos, o pentagrama encontra-se, também, associado às suas praxes salubres, representadas pela saudação pitagórica hygíeia (saúde), étimo da nossa palavra higiene. Encontram-se vestígios desta associação pré-socrática do pentagrama à salubridade na imagética medicinal ocidental, principalmente a partir do século XVI, aquando da recuperação renascentista de saberes greco-romanos, com pentagramas inscritos em indumentárias e instrumentos médicos. Por outro ponto de vista, talvez ainda represente um conceito que se associa à arte pitagórica da música, pois ainda hoje se usa o nome pentagrama para designar o sistema musical de cinco linhas paralelas, com os respectivos espaços, que serve para determinar a altura das notas e marcar outros sinais de escrita musical (claves, compassos, pausas, etc.) A designação de pauta, que chegou até nós através de uma homógrafa palavra castelhana, por sua vez derivada da latina pacta (plural de pactum, ou seja pacto), possuía o significado de convénio, de contrato e só a partir do período da Baixa Idade Média (séculos XI-XV) adquiriu os de lei e, em principal, o de aparato para escrever correctamente. Seja como for, muitos músicos e compositores apenas chamam pauta ao conjunto de pentagramas necessários para escrever partituras para diversos instrumentos.
No advento da Idade Média, o pentagrama era usado pelos cristãos como símbolo crístico. Já em 312, ano em que se converteu ao cristianismo, o imperador romano Constantino adoptou, juntamente com o cristograma chi rho (a abreviatura XP, formada pelas duas primeiras letras da palavra grega Khristós), um pentagrama cristão como seu selo pessoal (acrescente-se que o pentagrama constantiniano, por acaso, era “invertido”, o que desvirtua o truísmo de que desenhado desta forma era um símbolo do Diabo). Elementos retirados dos Evangelhos fixaram a simbologia do pentagrama à mitologia crística, tal como a estrela que conduziu os Reis Magos até Belém e as cinco chagas infligidas a Cristo na crucificação, equivalente ao número de raios da estrela pentagonal. De igual modo, o pentagrama foi empregue pelas comunidades cristãs como sinal identificativo e amuleto primitivo contra o mal – usos que poderão ser ecos do esoterismo pitagórico. Para fortalecer a ligação do pentagrama a Cristo, concorreu certamente a influência exercida pela obra do anónimo teólogo sírio Pseudo-Dionísio, o Areopagita, que, por altura do ano 500, escreveu (pelo menos) quatro tratados de teologia, muito influenciados pelo neo-platonismo; um deles, intitulado Theologia Mystica (Teologia Mística), introduziu o conceito de que Deus é análogo à luz e de que a luz é, de facto, um símbolo para a Sua bondade: «O grande, radiante, sempre-aceso Sol é a imagem da bondade divina, um eco distante do Bem».
No século XII, em obras como Imago Mundi (A Imagem do Mundo) e Liber Divinorum Operum (Livro das Obras Divinas), o teólogo francês Honorius de Autun e a freira mística alemã Hildegard de Bingen cunharam, respectivamente, o conceito de que o número cinco era o número do homem, num elaborado sistema de correspondências entre o corpo humano e os corpos celestes. Em suma, entre macrocosmo e microcosmo; dessa forma, o pentagrama adquiriu o significado de símbolo do homem, esse microcosmo: reflexo terreno do universo perfeito e divino. Em 1230, o clérigo francês Guillaume d’Auvergne, bispo de Paris, patrocinador do conceito da magia naturalis (magia natural), pronunciou-se no seu De Legibus (Sobre as Leis) contra as inexistentes propriedades mágicas de falsas imagens e talismãs, entre os quais o pentagrama; também associado à figura do rei Salomão, por culpa de um livro espúrio intitulado Testamentum Salomonis (O Testamento de Salomão), escrito por altura do século V por um autor anónimo: neste grimório pseudo-epigráfico, atribuído ao próprio Salomão, conta-se como este dominou dezenas de demónios graças a um anel pentagrafado, oferecido pelo arcanjo Miguel. Os grimórios Clavis Salomonis (A Chave de Salomão) e Clavicula Salomonis (A Chave Menor de Salomão) seguem esse exemplo, enriquecendo a reputação do sábio Salomão como grande invocador e domador de diabretes.
Entende-se assim a inclusão de um pentagrama no escudo do lendário Gawain, sobrinho do Rei Artur e cavaleiro da Távola Redonda, no poema Sir Gawain and the Green Knight (Sir Gawain e o Cavaleiro Verde), do século XIV: com efeito, uma notável parte do poema é dedicada à elucidação simbólica do pentagrama e como ele foi usado pelo rei Salomão para dominar demónios. A cultura popular apropriou-se desta significação, mais ou menos erudita, na configuração do conspícuo “signo-de-salomão” ou “signo-saimão”, um dos amuletos mais vulgares contra demónios, malefícios de bruxaria e maus-olhados. Ainda é possível observá-lo nos mais variados e insuspeitos lugares e objectos, em soleiras de portas, chaminés, lareiras, lápides, lajes, pendentes e moedas. Uma curiosa lenda portuguesa das Caldas da Rainha, mas que possui versões semelhantes em outras localidades do país, conta que se um indivíduo traçar um signo-saimão no solo de uma encruzilhada, à meia-noite da noite de São João, e sobre ele se deitar, logo se verá cercado de demónios que querem puxá-lo para fora desse símbolo; se não perder a coragem e persistir, os demónios desistem e a roupa que ele tiver vestida nesse momento adquire propriedades repelentes contra os poderes infernais.
Consequentemente, alguns ocultistas desenvolveram nos seus trabalhos as propriedades mágicas do pentagrama, como o alemão Cornelius Agrippa de Nettesheim, na obra De Occulta Philosophia Libri Tres (Três Livros de Filosofia Oculta), publicada integralmente em 1533, na qual pode ver-se uma figura humana, de braços e pernas estendidos (à guisa de homem vitruviano), desenhada sobre um pentagrama inscrito num círculo rodeado de signos planetários: é evidente que esta imagem resgata as concepções de Autun e Bingen, apresentando-se como uma alegoria do microcosmo influenciado pelo macrocosmo. Cinquenta e oito anos depois, o filósofo italiano Giordano Bruno apresentou no ensaio em verso De Monade Numero et Figura (Sobre a Mónade, o Número e a Figura) duas variantes desse símbolo: uma com a figura humana virada para a frente, representando a imagem da boa fortuna, e outra com uma figura semelhante voltada de costas, representando o infortúnio. Escrevendo que «é porque a figura humana é circunscrita por um pentágono que a raça execrável dos adeptos da magia negra se servem do pentagrama para lançar as suas sortes nefastas», e admitindo a duplicidade do pentagrama poder ser usado “de frente e de costas”, quase previu a ideia revolucionária que sobrevirá no século XIX.
Em 1620, foi publicada uma obra intitulada Calendarium Naturale Magicum Perpetuum (Calendário Natural Mágico e Perpétuo), cuja autoria costuma ser erroneamente atribuída ao astrólogo dinamarquês Tycho Brahe: com efeito, a versão latinizada de 1620 é uma duplicata de um tratado mais antigo (finais do século XVI), escrito em alemão e conhecido pela designação de Wroclaw Codex (Códice de Wroclaw), da autoria do nebuloso alquimista alemão Johann Baptista Grosschedel von Alicha e do célebre ourives e gravador belga Theodorus de Bry. Este pequeno tratado, intitulado Immerwahrender Naturlich-Magischer Calender (Verdadeiro e Definitivo Calendário Natural-Mágico), que consiste numa síntese de símbolos cristãos, numerológicos e herméticos, apresenta versões de um hexagrama e de um pentagrama com as figuras respectivas de Deus e Jesus Cristo. Em 1659, o físico francês Lazare Meyssonier escreveu um manuscrito inteiro dedicado ao pentagrama, intitulado Pentagonum Philosophico-Medicum (Pentágono Filosófico-Médico), no qual acrescenta mais analogias entre esse símbolo, o firmamento, os planetas e os elementos.
Em 1850, Rob Morris estabeleceu no manifesto ritualista The Rosary of the Eastern Star (O Rosário da Estrela do Oriente) as bases da organização Order of the Eastern Star (Ordem da Estrela do Oriente): ordem maçónica de adopção, inspirada no rito de adopção francês, pensada para maçonas. As primeiras publicações da Ordem da Estrela do Oriente apresentavam pentagramas como insígnia, no qual cada ponta representava uma personagem feminina decalcada da Bíblia e associada a uma virtude feminil, mas esse pentagrama tanto aparecia “direito” como “invertido”. Em pouco tempo, e de modo arbitrário, acabou por fixar-se na forma “invertida”, o que valeu à ordem, muito posteriormente, acusações de bruxaria e satanismo. De qualquer das formas, o pentagrama já era usado como símbolo para a Luz na ritualística da maçonaria especulativa, na forma da Estrela Flamejante, no mínimo desde 1717, como atesta a imagética do Primeiro Grau Simbólico que foi exposta publicamente em 1730 no livro Masonry Dissected (Maçonaria Dissecada) do inglês Samuel Pritchard – ou seja, o pentagrama já seria usado como símbolo maçónico quarenta e nove anos antes do Barão Thérodore de Tschoudy publicar, em 1766, o livro L’Etoile Flamboyante, ou la Societé des Francs-Maçons Considerée Sous Tous les Aspects (A Estrela flamejante, ou A Sociedade dos Franco-Maçons Considerada Sob Todos os Aspectos). Aliás, um maçon ainda mais antigo, o escocês Robert Moray, iniciado na Loja de Edimburgo em 1641, revelou na correspondência que manteve com o cronista inglês John Evelyn que usava um pentagrama como selo pessoal.
A mitologia do pentagrama invertido como símbolo do Diabo data em exclusivo de 1856, ano em que o pioneiro francês do ocultismo Alphonse Louis Constant, mais conhecido pelo pseudónimo de Eliphas Lévi, publicou o livro Dogme et Rituel de la Haute Magie (Dogma e Ritual da Alta Magia), no qual o pentagrama invertido é entendido por ele como um símbolo para Satanás: «Com duas pontas para cima, o pentagrama representa Satanás ou o bode do Sabat; com uma só ponta para cima representa o Salvador. O pentagrama é a figura do corpo humano, com quatro membros e a cabeça. A figura humana invertida representa, naturalmente, um demónio – ou seja: subversão do intelecto, desordem e loucura».
Este bode satânico representado pelo pentagrama invertido não é o Baphomet ilustrado por Lévi no mesmo livro: este, que aparece com um pentagrama grifado na testa, consiste num rebus para determinados conceitos esotéricos, que em nada se relacionam com as energias caóticas caracterizadas pelo seu pentagrama invertido. Mais tarde, pela mão do jornalista francês Léo Taxil, autor de panfletos e livros anti-maçónicos, como Les Mystères de la Franc-Maçonnerie (Os Mistérios da Franco-Maçonaria), de 1890, o Baphomet inventado por Lévi foi transformado no deus satânico dos maçons, surgindo em diversas ilustrações, ora seduzindo donzelas apanhadas de surpresa ou presidindo às reuniões secretas do New and Reformed Palladium (Paládio Novo e Reformado): organização satânico-maçónica inventada por Taxil e cujo Papa Negro seria o maçon norte-americano Albert Pike.
Ex-diácono, iniciado no misticismo feminino pela quietista francesa Madame Guyon e amigo da pioneira feminista francesa Flora Tristan (a avó do pintor impressionista francês Paul Gauguin), Alphonse Louis Constant foi um fervoroso adepto do culto cristão mariano, e activista das políticas socialistas feministas, até começar a interessar-se, com maior profundidade, pelo esoterismo e passar a designar-se pelo pseudónimo Lévi. Na realidade, foi o responsável pela renascença mágica que marcou a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX, popularizando no “Discours Préliminaire” (“Discurso Preliminar”) de Dogme et Rituel de la Haute Magie o substantivo occultisme (ocultismo). Na verdade, a palavra já circulava, como se comprova pela sua inclusão no Dictionnaire de Mots Nouveaux (Dicionário de Palavras Novas) de francês Jean-Baptiste Richard de Randonvilliers, publicado em 1842, com o significado de «sistema oculto, de ocultação», mas é inegável que Lévi que lhe deu o sentido contemporâneo de “esoterismo ocidental oitocentista”, movimento concebido no contexto neo-martinista que viu florescer ocultistas como o hispânico-francês Gérard Encausse (Papus) e ordens como a nova Teosofia blavatskiana e a Hermetic Order of the Golden Dawn (Ordem Hermética da Aurora Dourada). Acrescente-se que o ocultista inglês Arthur Edward Waite, que pertenceu durante algum tempo a essa ordem, foi o grande tradutor e divulgador dos livros de Lévi na língua inglesa.
Um dos ocultistas desse período foi o escritor francês Stanislas de Guaïta (que morreu aos 36 anos de idade). Autor de livros como Le Temple de Satan (O Templo de Satanás), de 1891, e La Clef de la Magie Noire (A Chave da Magia Negra), de 1897, recuperou a ideia do pentagrama satânico de Lévi e sobrepôs-lhe pela primeira vez – em La Clef de la Magie Noire – o desenho da cabeça de um bode, numa figuração gráfica que chegou até aos nossos dias, em múltiplas manifestações.
Esse sigilo sincrético é devedor do espírito romântico do tempo, mas conquanto a concepção tenha sido de Guaïta pode especular-se se o desenho terá sido do seu secretário, o ocultista e maçon suíço Oswald Wirth, também criador de um novo baralho de Tarot inspirado no de Marselha. Em 1911, no volume Le Compagnon (O Companheiro), segundo tomo do seu tríptico La Franc-Maçonnerie Rendue Intelligible à ses Adeptes (A Franco-Maçonaria Tornada Inteligível aos seus Adeptos), Wirth apresentou uma versão graficamente apurada, mas também mais caricatural, do pentagrama satânico de Guaïta. A noção do pentagrama “invertido” enquanto símbolo de Satanás solidificara-se.
Assim, interpretações do símbolo pentagramático também têm de considerar esta provável significação (sempre à luz do contexto em que o símbolo surge), mas, como é evidente, somente para iconografias posteriores a 1856.