Com os LEPROUS a liderar os procedimentos, muito bem acompanhados pelos GÅTE e pelos ROYAL SORROW, o público testemunhou duas noites de progressivo que começaram em Lisboa, com uma série de contratempos, e terminaram no Porto, em pura consagração.
Os LEPROUS regressaram a Portugal para duas datas que prometiam duas noites de sonho — mas o que prometia um paraíso anunciado acabou por se transformar numa travessia entre o inferno e o céu. Nesta digressão europeia, os noruegueses fazem-se acompanhar pelos ROYAL SORROW e GÅTE, trazendo na bagagem o seu mais recente lançamento, intitulado «An Evening Of Atonement», disco ao vivo captado na Holanda que acompanha o álbum de originais «Melodies Of Atonement».
Amados por uns e desafiadores para outros, os LEPROUS continuam a dividir opiniões — tal como um clube de futebol que se adora ou se detesta. Mas a questão impunha-se: continuam eles a entregar ao vivo com a mesma intensidade de sempre?
A resposta a essa pergunta fica para depois, porque, em Lisboa, começou o inferno. Já depois das portas abrirem na República da Música, e após um longa espera, o público foi informado de que o autocarro dos ROYAL SORROW se avariara em Espanha, algures no meio do nada. Perante a falta de cooperação local, a promotora portuguesa Free Music Events enviou duas carrinhas para resgatar não a banda finlandesa, mas também o reboque que transportava o backline dos GÅTE e o merchandise de todas as bandas.
Eventualmente, o público foi avisado de que o espectáculo sofreria atrasos para possibilitar a actuação dos GÅTE, mas o imprevisto prolongou-se mais do que o esperado e, para agravar, o ar condicionado da sala deixou de funcionar, tornando o ambiente sufocante. Mais tarde, a promotora esclareceu que a sua decisão de manter o alinhamento com os GÅTE antes dos LEPROUS partiu do tour manager e da própria banda principal. Ainda assim, no final os GÅTE acabaram por tocar apenas cerca de vinte minutos, e os LEPROUS mantiveram o seu set habitual.
Como este vosso escriba pretendia assistir tanto à actuação dos ROYAL SORROW como à dos GÅTE, a escolha foi óbvia: seguir para o Porto no dia seguinte, livre de sobressaltos logísticos. E, felizmente, o céu abriu-se no Hard Club. Tudo estava pronto à hora marcada: as bandas, o merchandise, o material técnico — e, sobretudo, um público ansioso por boa música.

















A noite começou então com os jovens finlandeses ROYAL SORROW, que assinaram um contrato com a InsideOut Music antes mesmo de terem material gravado, sinal da confiança que a editora deposita no grupo. O álbum de estreia, «Innerdeeps», confirmou essa aposta: um registo sólido, moderno e muito melódico, com laivos de prog e sonoridades alternativas.
Formados pelo guitarrista/vocalista Markus Hentunen, pelo baixista Eero Maijala, pelo baterista Janne Mieskonen e pelo guitarrista Tony Olsén (que ingressou no grupo posteriormente à gravação do disco), os ROYAL SORROW deram início à actuação com «Release Your Shadow», seguindo-se «Evergreen» e «Samsara», esta última já incontornável. O grupo apresentou-se muito coeso e energético, e, depois da atribulação da véspera, parecia até revigorado. «Metrograve», «Give In» e o tema-título «Innerdeeps» dissiparam quaisquer dúvidas sobre o valor dos ROYAL SORROW.







Seguiram-se depois os GÅTE, representantes da Noruega no festival da Eurovisão de 2024. A energia e a intensidade sentiram-se de imediato: Gunnhild Sundli dominou o palco com uma presença magnética, enquanto o guitarrista Magnus Børmark e o baixista Mats Paulsen se moviam como forças indomáveis. Nesta digressão, a banda conta com Arent Todal na nyckelharpa, substituindo John Stenersen, por estes dias em digressão com os WARDUNA.
Revelando uma coesão notável, o grupo abriu o concerto com «Skarvane», onde Gunnhild brilhou de imediato com a força e expressividade da sua voz. O alinhamento prosseguiu com «Svarteboka», que deixou evidente a fusão entre o folk nórdico, o rock e a electrónica — marca distintiva dos GÅTE. Entre temas, a vocalista partilhou com o público a sua ligação pessoal a Portugal, contando que é casada com um português. A actuação incluiu ainda duas novas canções, «Oskorsreia» e «Sannsiger», e, claro, uma inevitável , «Ulveham», a canção com que representaram a Noruega na Eurovisão e que dá nome ao mais recente álbum. «Bannlyst» encerrou o concerto, deixando no ar o desejo de uma actuação mais longa.










Por fim, subiram a palco os LEPROUS, que parecem ter consolidado uma ligação especial com o público portuense. Desde os primeiros acordes de «Silently Walking Alone» até ao clímax de «The Sky Is Red», a entrega foi total, tanto da banda como da audiência. O alinhamento diferiu ligeiramente do de Lisboa: se na capital se ouviu «Faceless», no Porto o lugar coube a «Observe The Train». «Moon» também marcou presença, embora o sintetizador vintage de Einar Solberg tenha causado alguns percalços.
No entanto, é claro que um dos momentos altos da noite foi a inesperada versão de «Take On Me», dos A-HA, surgida do desafio Covers On The Spot, lançado pelos estúdios Musora, no Canadá — um exercício que acabou por conquistar definitivamente os fãs e integrar o repertório da digressão. Já perto do final, o público escolheu entre «Passing» e «Forced Entry», optando pela segunda. Baard Kolstad, na bateria, lá voltou a provar porque é um dos músicos mais impressionantes da cena progressiva, tocando com a fúria de quem vive o último dia na Terra. Einar, por seu lado, manteve a habitual mestria vocal, ainda que os seus agudos exijam algum hábito auditivo.
E sim, os LEPROUS continuam definitivamente a entregar ao vivo — e quem é fã sai de cada concerto de sorriso rasgado. A banda está a crescer a olhos vistos no nosso país, que, entretanto, se tornou já uma paragem obrigatória nas suas rotas europeias. Ainda bem, dizemos nós.











