O Shark Attack, colectivo que organizou esta matiné incendiária no Gasolive ACD, no Barreiro, tem vindo a dar cartas pesadas no seu pouco tempo de existência, tendo ainda recentemente trazido os londrinos Negative Frame ao nosso país para duas datas. Desta vez, contaram com o apoio e parceria da Stronger Bookings, para um grande evento num espaço cultural que vive essencialmente da promoção do surf urbano e do skate — dentro do espaço em que decorrem os concertos há inclusivamente um half pipe que serve de palco às bandas. Com a distribuidora Mondo Negro, e a sua habitualmente excelente curadoria de catálogo que representa do melhor que há essencialmente na música extrema, também há marcar presença, não faltavam portanto motivos de sobra para uma romaria ao Barreiro. A tarde começou com os CLERICBEAST a abrirem as hostilidades com «Deaf Ears» e «Atonement». Este foi o último concerto do grupo nos próximos tempos e o entusiasmo da plateia foi bem visível, sobretudo quando diversos elementos do público se juntaram ao vocalista Pedro Barreiro para berrarem diversas partes de músicas, chegando mesmo a arrancar-lhe o microfone das mãos. As influências ecléticas são muitas na música extrema que este colectivo pratica, dando-lhe uma complexidade e identidade musical bastante notórias. Ficaremos a aguardar o que possam trazer de novo num futuro próximo e fazemos votos de que, com tanto potencial para concretizar, não se transformem em mais um projecto que fique parado ou se desvaneça com o tempo.
Os VICIOUSLY HATEFUL fazem parte doe um leque de bandas que apareceram nos últimos anos dentro da cena do HC nacional e que rapidamente têm evoluído e tocado bastante. Pois bem, se já se notava o entusiasmo do público com a primeira banda no palco em formato de half pipe, com a entrada deste pessoal da margem sul esse sentimento ainda se intensificou mais um pouco. Estiveram também em palco o Rafa, dos Fear The Lord, no tema «Trust None», o João Reis, dos Unexist (e que também foi vocalista dos Beneath Shortcuts) e Cvnt entre outros amigos da banda, e que também lhes foram arrancando o microfone das mãos em variadas alturas. O público, esse, continuou a mostrar-se totalmente demolidor e, entre todo o tipo de rotativos, spin-kicks, two-stepping moves, crowd kills e voos, alimentaram a energia das próprias bandas. Aliás, quando os norte-americanos GATES TO HELL deram início à sua actuação já estavam mais que visivelmente abismados com a intensidade do público português. Os death metallers oriundos de Louisville, que assinaram pela Maggot Stomp recentemente e relançaram o seu LP de estreia de 2022, estão a passar por um período de grande actividade e, nesta tour europeia com os KRUELTY, certamente ganharam diversos novos seguidores. Foi, pelo menos, isso que aconteceu nesta vinda ao Barreiro com uma actuação explosiva e que deixou muito boa gente de queixo caído.
Não é todos os dias que se vê uma banda japonesa extrema e underground em concerto. Aliás, não é normalmente nada fácil apanhar bandas asiáticas em tours que passem por cá, e ainda mais uma banda que tem vindo a ganhar atenção pelas boas críticas que tem recebido. Dentro da cena hardcore, o Japão também é conhecido pelo seu estilo próprio no circle pit, que é caracterizado por muitos movimentos de artes marciais entre outras referências de outros moves mais conhecidos dentro do beatdown. A cultura que representam destaca-se quase tanto quanto a música, e os KRUELTY combinam essa parte intensa da experiência com riffs esmagadores de death e doom metal, culminando numa combinação potente e cheia de pujança. Desde logo em linha com bandas como os No Zodiac e os Xibalba, esta gente deve muito da sua sonoridade aos riffs old school e à força dos breakdowns. O LP de estreia, «A Dying Truth», é muito fácil de apreciar apenas nesses termos, o que ajudou os músicos a evitarem a armadilha contínua do beatdown com composições com outra complexidade — bandas como esta provam que é possível tocar um som monolítico com outro tipo de referências, adicionar-lhe algo de novo e interessante e dar outra vida a este subgénero. Continuam a diferenciar-se sem perder a identidade no segundo álbum, «Untopia», que atinge um equilíbrio convincente entre o hardcore não filtrado e um death metal sangrento sem sacrificarem nenhuma das extremidades. E foi esse mesmo disco que vieram apresentar ao Barreiro, num concerto que pode ser descrito como uma faca muitíssimo bem afiada enfiada no pescoço numa matiné que já parece ter-se tornado histórica.
FOTOS: Solange Bonifácio