Há 22 anos, com o «Untouchables», os KORN conseguiram manter o seu lugar como inovadores num géneros com muitos seguidores, mas poucos líderes a sério.
11 de Junho de 2002. Após uma pausa de três anos que incluiu projectos a solo e trabalhos para bandas sonoras, o ressurgimento dos KORN no Verão de 2002 foi recebido com grande antecipação. Quiçá ciente disso mesmo, o que a banda entregou aos fãs foi o «Untouchables», um álbum que, pela primeira vez, mostrou os músicos liderados pelo enigmático Jonathan Davis a expandirem o som que os tornou famosos enquanto enfatizava, simultaneamente, as suas características mais fortes.
“É o meu disco favorito de todos os que fizemos”, disse o vocalista e líder do grupo numa entrevista ao The Independent datada de 2017. “Continuo a achar que soa aos ASIA a tocarem heavy metal. A produção a nível da qualidade sónica, pelo menos, é do mesmo calibre. Gastámos muito dinheiro a fazer esse disco e tomou-nos cerca de dois anos a fazer; lembro-me que passámos um mês apenas a tentar a obter os sons de bateria.”
Esta é uma daquelas revelações que podem ser surpreendentes; os KORN são obviamente uma banda única com enorme sucesso a nível comercial, mas só muito raramente receberam o respeito merecido entre os seus pares. Convenhamos, mesmo hoje em dia o mais provável é que sejam ridicularizados por serem uma banda de nu-metal.
Talvez por isso, Davis e os seus companheiros encararam este álbum como o seu ‘magnum opus’, uma declaração de intenções que, pelas suas dimensões artísticas, os mostrou a elevarem em muito a fasquia da criatividade e a afastarem-se do incitamento gratuito da angústia adolescente a que estavam, até ali, normalmente associados.
Parece estranho? Pois, mas acaba por ser bastante menos que se possa pensar à partida e, se olharmos com atenção além dos singles «Here To Stay» e «Thoughtless», que colocaram o disco nas tabelas de vendas, há todo um estranho mundo pronto a ser descoberto ao longo destes 65 minutos. Verdade seja dita, para um disco que, só na semana do lançamento, vendeu umas astronómicas 434,000 cópias nos Estados Unidos, o «Untouchables» consegue ser uma experiência bizarra.
Carregando uma aura verdadeiramente distinta, a atmosfera geral tresloucada traduz na perfeição os problemas de saúde mental que inspiraram a escrita destes temas. No entanto, sendo que esses tópicos estão constantemente a ser abordados (até pelos próprios KORN), o mais interessante aqui é mesmo a forma como conseguiram captar sonicamente o caos que ia na cabeça de Jonathan Davis naquela altura.
Cada uma destas canções surge coberta por um véu desolador e espesso, providenciado por uma gigantesca parede de guitarras — em momentos, ouvem-se sete pistas de guitarra ao mesmo tempo. A nível vocal há, num mesmo tema, até 24 pistas sobrepostas para criarem um efeito sombrio, tipo coro. A isto acresce a utilização de efeitos sonoros nas guitarras, que são usados com parcimónia e cuidado para não se tornaram demasiado abrasivos para o ouvido menos treinado.
Tal como se ouve frequentemente na música pop dos anos 80, nesta ocasião os KORN testaram o uso de múltiplas melodias e vozes encharcadas de efeitos, enterradas na mistura atrás das linhas vocais principais dos refrões, para criarem um efeito que é muito maior que a soma das suas partes. Ouça-se, por exemplo, a «Make Believe»…
Depois do refrão pegajoso, as guitarras parecem sirenes a soar alto e bom som num manicómio e as vozes de apoio assumem um tom assombroso e cintilante, desconcertante. O resultado é um bolo sonoro incrivelmente denso e sufocante, que quase permite sentir fisicamente a força do som que brota das colunas.
“O MIchael Beinhorn é o meu produtor preferido de todos os tempos, tem um grande ouvido e não tem medo de te dizer que não prestas se for esse o caso“, recordou o vocalista da banda na tal conversa com o The Independent. “Lembro-me bem de fazer uma série de takes vocais e pensar que eram óptimos, só para depois ele me dizer para ir para casa porque achava que a minha voz não estava bem.
Em momentos, conseguiu chatear-me a sério, mas adoro-o. Foram sessões de gravação mesmo muito, muito trabalhosas; se conseguir encontrar as filmagens, um dia ainda vou juntar tudo num pequeno documentário sobre esse disco, porque é único — nunca mais vamos fazer nada assim“. E, muito provavelmente, não vão mesmo.
É sabido que a música pesada se presta naturalmente à criação deste tipo de atmosferas obscuras com mais facilidade do que outros géneros, mas este foi o disco em que os KORN perceberam que podiam ser contidos o suficiente para não dependerem apenas das guitarras “gravalhonas” para fazerem passar a mensagem. Feitas as contas, ao cortarem parte da “gordura” e encontrarem novas formas de fazer valer a sua marca, os músicos de Bakersfield conseguiram manter o seu lugar como inovadores num género com tão poucos líderes.