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No arranque do EVILLIVƎ FESTIVAL, os veteranos JUDAS PRIEST provaram porque ainda continuam a ser uma força dominante do heavy metal — agora com «Invincible Shield» e a celebração de um clássico intemporal.

Lisboa, Estádio do Restelo, 27 de Junho de 2025. Em mais de cinco décadas de história, os JUDAS PRIEST tornaram-se sinónimo de resistência, renovação e fidelidade a uma visão sonora que ajudaram a forjar. No entanto, o concerto que encerrou a noite inaugural da primeira edição ao ar livre do EVILLIVƎ FESTIVAL acabou por não ser apenas mais um espectáculo numa carreira que levou o quinteto de Birmingham a alguns dos palcos emblemáticos mais emblemáticos do mundo— foi o fechar de um ciclo, um regresso com carga simbólica para a banda e para os fãs portugueses.

Mais de três décadas depois da sua estreia em Portugal, em 1991, ao lado dos Pantera e Annihilator com a lendária digressão de «Painkiller» a passar pelo Pavilhão do Dramático de Cascais, os JUDAS PRIEST regressaram a Lisboa como cabeças de cartaz daquele que é o maior festival nacional dedicado ao som eterno— um feito inédito, e que, nas palavras do baixista Ian Hill, em entrevista à LOUD! nos dias que antecederam o espectáculo, “vai ser lembrado por isso, se não for por mais nada.

Convenhamos, o contexto tornava o momento ainda mais especial. A Shield Of Pain Tour arrancara semanas antes na Finlândia, no Turku Rockfest, marcando o início de um novo capítulo na história da banda: a promoção do novo álbum «Invincible Shield» e, em simultâneo, a celebração dos 35 anos de «Painkiller», um dos discos mais marcantes da história do metal.

Com pontualidade britânica, a banda subiu ao palco às 21:35, envolta numa aura metálica projectada pelos ecrãs e pelos feixes de luz azul e vermelha que antecipavam o embate. Em vez de um início previsível, os JUDAS PRIEST optaram por surpreender: «All Guns Blazing», faixa raramente incluída nos alinhamentos ao vivo e recuperada para esta digressão, abriu a noite com brutalidade técnica e impacto imediato. O tema, com os seus falsetes dilacerantes e estrutura acelerada, revelou um Rob Halford em forma notável. Aos 73 anos, o vocalista mostrou que, mesmo com o passar do tempo, continua capaz de enfrentar canções exigentes sem sacrificar intensidade nem clareza.

Se dúvidas houvesse quanto ao vigor da banda em palco, elas dissiparam-se nos primeiros minutos. A transição para «Hell Patrol» manteve o ritmo incandescente, enquanto a chegada de «You’ve Got Another Thing Comin’» trouxe uma vibração de celebração e familiaridade, com muita gente a bater o pé e a abanar a anca. O estádio, sem estar cheio, uniiu-se num coro que deu a Halford uma oportunidade para respirar — mas também para saborear a comunhão que define cada grande concerto dos JUDAS PRIEST.

Olhando à volta, não era sequer preciso fazer grandes contas de cabeça para perceber que o público que acorreu ao Restelo nesta noite de sexta-feira representava bem o alcance transgeracional dos JUDAS PRIEST. Entre fãs que os viram no Dramático de Cascais em 1991 e jovens que agora os descobrem através das plataformas digitais, havia uma unidade rara. Todos sabiam porque estavam ali. Quando Halford, a meio da actuação, se dirigiu à multidão com a frase “Portugal, esta é uma noite especial para nós. Obrigado por estarem connosco há tantos anos. O metal vive em todos vós”, não se tratava de um cliché de palco. Era uma constatação sentida.

Essa cumplicidade foi visível não só na reacção aos clássicos, mas também na forma como o público acolheu o novo material. «The Serpent And The King» e «Giants In The Sky», ambas retiradas de «Invincible Shield», mostraram que a banda continua a criar canções que desafiam os limites do género, mas que ainda soam a puro PRIEST. A sonoridade pesada, com riffs elaborados, secção rítmica compacta e refrões marcantes, provou que a relevância destes “velhotes” não vive apenas da nostalgia.

Ainda assim, o epicentro emocional da noite foi, inevitavelmente, a celebração dos 35 anos de «Painkiller». Sem tocar o álbum na totalidade, os JUDAS PRIEST incluíram sete dos seus dez temas no alinhamento— uma selecção generosa, capaz de cobrir as várias facetas de um álbum que, para todos os efeitos, permanece como um clássico incontornável do heavy metal. O impacto de temas como «Metal Meltdown», «Night Crawler» e «A Touch Of Evil» foi palpável, mas nenhum momento se comparou à interpretação da menos tocada «One Shot At Glory», que ganhou uma dimensão épica com os visuais de fundo e os jogos de luz a sublinharem cada crescendo dramático.

Quando o riff cortante de «Painkiller» ecoou pelo estádio, já perto do fim do espectáculo, o público respondeu como se todo o concerto tivesse conduzido a esse momento. Scott Travis, autor da batida original que transformou o tema num marco do metal moderno, brilhou no seu mini-solo introdutório. Halford, por seu lado, enfrentou o desafio vocal com valentia e convicção, compensando eventuais limitações com presença e dramatismo. O resultado foi uma interpretação poderosa, acompanhada por um mar de braços erguidos e vozes em uníssono.

Importa ainda referir que a banda demonstrou coesão e entusiasmo ao longo de todo o concerto. Richie Faulkner, cada vez mais seguro do seu lugar como herdeiro da linhagem de guitarristas da banda, trocou solos com Andy Sneap de forma fluida, sem egos nem sobressaltos. Ian Hill, sempre discreto, mas omnipresente, manteve a fundação rítmica com uma eficácia quase invisível, como um verdadeiro pilar sonoro. Travis, como sempre, foi um dos motores centrais da noite — técnico, potente e versátil.

O encore, ao contrário do arranque do concerto, foi previsível, mas nada menos que perfeito: «Electric Eye», «Hell Bent For Leather» (com a já obrigatória entrada de Halford em cima de uma Harley Davidson) e «Living After Midnight» fecharam a noite em tom de festa. A plateia cantava como se o tempo não tivesse passado, celebrando não só uma banda, mas uma ideia de música que continua viva e relevante.

Os JUDAS PRIEST, por sua vez, mostraram que, apesar da idade avançada, ainda conseguem entregar uma actuação superior à maioria das bandas em actividade. E, por tudo isso, este regresso afirmou-se como a consagração de uma relação construída ao longo de décadas entre a banda e o público luso. Uma relação sustentada por respeito mútuo, entrega ao vivo e uma paixão partilhada pela música que resiste ao tempo. No Restelo, ficou claro que a fé no heavy metal continua intacta — e que o escudo invencível brilha com força própria.

ALINHAMENTO:

01. All Guns Blazing | 02. You’ve Got Another Thing Comin’ | 03. Freewheel Burning | 04. Breaking The Law | 05. A Touch Of Evil | 06. Night Crawler | 07. Solar Angels | 08. Gates Of Hell | Battle Hymn | 10. One Shot At Glory | 11. The Serpent And The King | 12. Between The Hammer And The Anvil | 13. 13. Giants In The Sky | 14. Painkiller | The Hellion | 16. Electric Eye | 17. Hell Bent For Leather | 18. Living After Midnight