A pandemia foi um período muito produtivo para o vocalista dos Dream Theater, JAMES LABRIE. Para além de gravar um novo disco com a banda norte-americana, LaBrie editou recentemente o seu novo trabalho a solo, «A Beautiful Shade Of Grey», um registo que juntou o cantor canadiano ao guitarrista dos EDEN’S CURSECurse, Paul Logue. Para falar deste álbum que estava “apalavrado” há uma década, sentámo-nos à conversa com o próprio James LaBrie.
Quando começaste a dedicar-te a este trabalho?
Em Fevereiro de 2020, actuei em Glasgow com os Dream Theater e, no dia seguinte, no aeroporto, encontrei o Paul Logue. Esse foi o catalisador, porque de resto nada foi planeado. Na altura, o Paul disse-me que, se o vírus “fechasse o mundo” como diziam, podíamos fazer o disco de que já andávamos a falar há dez anos. Eu já tinha feito uma canção com ele em 2011, a «No Holy Man», para a banda dele, os Eden’s Curse. Já tínhamos falado e, se houvesse uma oportunidade, sabíamos que podíamos escrever um disco juntos. Passados dez anos, com a pandemia a acontecer, aceitei então concretizar essa ideia, achei que seria bom para manter a sanidade mental e fazer algo de que gostamos muito. No dia 15 de Março de 2020, o mundo “fechou”. Nessa altura, eu e o Paul começámos a trocar ideias e ficheiros de áudio, porque tínhamos ambos um monte de ideias acumuladas. Mas a beleza deste processo, apesar das ideias todas que tínhamos, foram as que surgiram de forma espontânea no momento. A primeira conversa que tive com o Paul foi sobre o facto da minha intenção passar por fazer algo completamente diferente, mostrar um lado mais pessoal. Claro que haveria sempre semelhanças e paralelos, porque sou quem sou… Mas disse-lhe que queria fazer algo que prestasse homenagem à era do rock clássico. O Paul é um músico fenomenal e um bonito ser humano. É muito sincero, genuíno, inteligente. Disse-lhe que queria fazer este disco com uma base acústica e que isso era essencial. E foi assim que tudo começou, com guitarra acústica e voz. A certa altura, também disse ao Paul que achava que seria melhor termos uma banda, porque — e foi este o exemplo que dei — quando vamos acampar e alguém pega na guitarra acústica e canta, mais cedo ou mais tarde a malta começa a ficar aborrecida. [risos] Ele sugeriu o Christian Pulkkinen, que é um excelente teclista, e eu sugeri o Marco Sfogli, que é um grande guitarrista. Foi o Paul que acabou por sugerir o Chance — o meu filho — para tocar bateria. Foi assim que tudo aconteceu. Lentamente, eu e o Paul lá começámos a construir as canções que agora são o «Beautiful Shade Of Grey».
Lembras-te qual foi a primeira canção que escreveram para o álbum?
Bem… Lembro-me de ter dito ao Paul que queria fazer um tema que fosse um pouco mais funk, mais orgânico, e ele apresentou-me um riff, que acabou por ser o do tema «Devil In Drag». Foi o que acabou por ser o início do processo e dar a direcção que o disco iria seguir. Libertou as ideias para os temas que se seguiram. Logo aí nos apercebemos que estávamos no caminho certo para a composição.
Uma das minhas músicas preferidas do disco é, curiosamente, a mais curta, «Conscience Calling».
Primeiro de tudo, essa ideia apareceu quando eu estava a fazer uma caminhada. Como qualquer pessoa nos dias de hoje, andamos sempre com o telemóvel na mão e sempre que surge a ideia para uma letra, para uma melodia ou um riff, basta gravar para o telemóvel e por lá fica. Certamente que o Beethoven deve estar cheio de inveja. [risos] Consegues imaginá-lo com uma pena e papel sempre à mão? Mas sim, estava a fazer uma caminhada e estava a pensar em algo mais assustador — estava com a minha filha, e comecei a brincar um pouco e a gravar uns sons, e ela gozou comigo porque não era assim tão assustador. De repente, a melodia entra na minha cabeça e gravei-a para o telemóvel. Quando cheguei a casa, comecei a juntar as peças, e em cinco minutos consegui construir a melodia toda. A partir daí, apresentei-a ao Paul e pensámos juntar a outra ideia que já tínhamos, mas ele acabou por sugerir que devia ser a sua própria entidade e servir de prefácio para a canção seguinte. Devia ser uma espécie de voz orquestral. Nessa altura, soube logo com quem devia falar para a ideia ficar completa, e entrei em contacto com o Henning Pauly, com quem fiz um disco de Frameshift… Ele é muito bom a trabalhar vozes orquestrais. Quando trabalhei com ele mostrou logo apetência para experimentar com várias camadas de voz. Disse-lhe que tinha esta melodia e estas palavras e perguntei-lhe se conseguia criar algo como tínhamos criado nesse tal trabalho dos Frameshift. Pedi-lhe para criar uma espécie de orquestração vocal que soasse como um coro enorme. Claro que gravei todas as vozes… acho que ainda foram umas 70 faixas de voz para aquela secção. E foi assim que surgiu esse tema, «Conscience Calling».
Há também uma versão de «Ramble On», que é a tua homenagem aos Led Zeppelin.
Sabes que a «Ramble On» até foi a nossa segunda escolha. Originalmente iamos fazer a «That’s The Way» [aqui James LaBrie começa a cantar o refrão] e eu tinha dito que era essa a versão que queria fazer. O Paul concordou e disse que lhe podíamos fazer justiça. Os Led Zeppelin são a maior banda de rock da história, por isso é uma responsabilidade enorme fazer uma versão, temos que nos manter fiéis ao original. A ideia então era fazer a «That’s The Way», mas a certa altura o Paul lembrou-se que numa entrevista eu tinha dito que a «Ramble On» era uma das minhas músicas preferidas, e achou que podíamos arrasar com uma versão. Decidimos então fazer a «Ramble On» em mais tarde, se quisermos, sempre podemos voltar à «That’s The Way». Foi assim que surgiu a ideia e ficámos bastante satisfeitos.
Em relação às letras, o que inspirou este «Beautiful Shade Of Grey»?
À excepção da «Wildflower» que foi o Paul que escreveu, as restantes letras foram todas escritas em conjunto. E quando deitava os olhos pelas letras, melodias e tudo mais, estava sempre a pensar no significado das várias camadas do que significa ser um ser humano. Li as letras todas e questionei-me acerca de qual o tema que tinham em comum, e era isso: ser humano, o que significa? Há o lado bonito, é um milagre ainda andarmos por aqui, ainda existirmos, termos esta vida, estas experiências, todas estas emoções, e depende de nós como navegamos nelas. Tornamo-nos alguém que vai contribuir para a sociedade ou tornamo-nos um perigo? Isso depende de nós. Por isso, há um lado bonito, que tem muitas camadas, mas depois há o lado negro. Sempre pensei que carregamos connosco um certo nível de tristeza. Não quero soar mórbido, mas isso acontece porque sabemos bem lá bem no fundo da nossa mente que a vida é finita. É muito breve, somos mortais… por isso não existimos para sempre. Mas acredito que vamos para um lado além da nossa compreensão. Acredito que isto não é o fim, é apenas uma transição para outro lado. Foi então que a frase beautiful shade of grey apareceu na minha cabeça, e fez todo o sentido, porque é isso que significa ser um ser humano. Há a beleza e depois os “tons de cinzento”, que são o lado melancólico, a tristeza que carregamos connosco, mas que tentamos sempre transcender e ultrapassar. Todos temos os nossos problemas e desafios na vida, mas também tentamos arranjar sempre forma de os ultrapassar. Tentamos ser mais fortes, para podermos celebrar, sairmos vitoriosos desses desafios e sermos felizes.
Falaste em estarmos em transição para outro lado… acreditas na reencarnação?
Reencarnação… há tantos lados quando se fala em reencarnação — que voltamos como um tigre ou como um caracol — e não, nisso não acredito. Mas acredito, para mim, que pode haver aquela parte de voltamos como seres humanos e de forma subconsciente podemos aprender com a nossa vida passada sem termos consciência disso. Sim… acredito nessa parte, mas também acredito que vamos para um outro mundo de existência. Seja numa outra forma ou algures neste vasto universo em que nos tornamos conscientes de tudo o que nos rodeia a um nível superior. Regressamos como seres humanos? Não necessariamente… voltamos para aqui ou vamos para uma dimensão totalmente diferente? É isso que penso, sim. Acredito que vamos para uma dimensão que vai para lá da nossa compreensão. É de loucos, eu sei, mas presentemente não temos os meios para a compreender ou registar na totalidade o que acontece. Portanto, acredito que, ou voltamos na forma humana e tornamo-nos melhores ou vamos para uma dimensão para a qual nem temos noção que existe e que não devíamos saber, onde existimos numa outra forma. É nisso que também acredito.
Há tanto que não sabemos sobre o nosso universo… Só conhecemos esta galáxia, mas há mais.
Temos a Via Láctea, que é a nossa galáxia e que são 100 mil anos-luz de uma ponta à outra! E é uma das galáxias mais pequenas… supostamente, e segundo cálculos matemáticos, há cerca de 400 mil galáxias que temos noção que existem. É de loucos… e nós estamos apenas numa dessas galáxias. Isso a mim diz-me que há vida lá fora. Tem de haver! Nós estamos posicionados na galáxia numa forma que permite que haja vida, porque estamos longe o suficiente do sol para que tal aconteça. Isso para mim significa que devem existir mais formas de vida. Pelo menos isso! Talvez mais… não sei. Se queremos ver milagres, basta olhar à nossa volta. A natureza, o reino animal… é absolutamente maravilhoso. É tão vasto e diverso e profundo, quando olhas para o que nos rodeia! Se pensarmos que uma árvore enorme nasceu de uma mera semente. E o seu propósito é respirar o que nós expiramos e depois devolve-nos o que temos que respirar, oxigénio! É o grande desígnio.
E o ser humano está a fazer o seu melhor para destruir esta criação!
É verdade. Mas vamos deixar de existir se continuarmos a proceder de forma arrogante como estamos actualmente a fazer. O planeta vai deixar de nos suportar. Pelo menos as coisas de que precisamos já cá não vão estar. Mas dentro de um milhão de anos, o planeta volta ao normal e vai reflorescer e nós vamos ser como os dinossauros, extintos!
«Beautiful Shade Of Grey» está já disponível pela InsideOut Music.