30 anos depois, o terceiro álbum dos noruegueses IMMORTAL continua a ser um ponto de fricção – e um dos grandes manifestos do extremismo sónico no black metal.
Não se pode falar de black metal sem falar dos IMMORTAL. Veteranos da cena norueguesa dos anos 90, foram não só pioneiros da sonoridade base do género, como também definiram o seu imaginário visual: couro a rodos, corpse paint e uma teatralidade que os distinguia pelo toque de humor autorreferencial, contrastando com a sisudez do culto “trve kvlt” que dominava à época. Ao longo das décadas, os dois IMMORTAL cimentaram-se como uma força incontornável — uma daquelas bandas que qualquer fã do género terá, mais cedo ou mais tarde, de enfrentar.
A discografia da banda é marcada por uma constante evolução, mas nenhum álbum capturou de forma tão brutal a essência excessiva do género como o «Battles In The North», lançado em 1995. Agora que se assinalam30 anos desde o seu lançamento, vale a pena revisitar este disco não apenas como um capítulo no percurso dos noruegueses IMMORTAL, mas como um verdadeiro estudo de caso sobre a filosofia do black metal.
Convenhamos, o black metal nasceu da vontade de ultrapassar limites. O heavy metal transformou-se em speed metal, evoluiu para thrash, depois death, sempre em busca de mais peso, mais velocidade, mais provocação. Quando, nem os blast beats, nem as letras gore do death metal foram suficientes, surgiu a necessidade de criar algo mais extremo, mais frio, mais cruel. Foi esse impulso que deu origem ao black metal norueguês no início dos 90s — uma proposta estética e musical que não queria agradar, mas sim chocar.
O «Battles In The North», dos IMMORTAL, representa essa pulsão de forma crua e intransigente. Já entre o «Diabolical Fullmoon Mysticism», de 1992, e o «Pure Holocaust», de 1993, se notava um salto considerável — tudo se tornava mais escuro, mais violento, mais sufocante. Mas segundo Demonaz, o guitarrista e principal compositor da banda, ainda havia mais para explorar. O objectivo? Levar a velocidade ao limite. O resultado? Um dos discos mais divisivos e extremos de toda a cena.
A controvérsia em torno do «Battles In The North» é compreensível. A começar pela bateria: Abbath, embora um guitarrista e baixista competente, não é baterista de formação. O que em «Pure Holocaust» era disfarçado pela produção densa, aqui é exposto sem pudor. A mistura sonora coloca a bateria em primeiro plano, num duelo constante com as guitarras de Demonaz, gerando uma cacofonia onde os tempos oscilam, os fills parecem improvisados e os pratos soam por vezes como uma tempestade de granizo.
A produção, mais limpa e aguda do que no disco anterior, também não ajuda: está tudo demasiado alto, demasiado presente, como se cada instrumento lutasse por atenção. O título do disco é, nesse sentido, profético — há, de facto, batalhas constantes em cada faixa. A guitarra, embora tecnicamente mais sólida, também contribui para o caos. Os riffs trocam-se à velocidade da luz, as estruturas são fragmentadas, e há momentos em que a composição roça mesmo o delírio. As canções acabam abruptamente, deixando o ouvinte desorientado. Não há refrões memoráveis, nem melodias fáceis — há apenas uma torrente de neve, gelo e fúria. Os IMMORTAL em toda sua glória, portanto.
Numa primeira audição é fácil descrever o «Battles In The North» como um desastre. Parece um disco feito às três pancadas, com decisões erradas em todos os departamentos. Mas há algo de estranho que acontece após múltiplas audições: o caos começa a fazer sentido. As escolhas dos IMMORTAL passam a soar intencionais. A cacofonia transforma-se numa linguagem. De repente, não estamos só a ouvir um álbum — estamos a atravessar uma tempestade glacial, onde o som se torna geada e o frio se faz sentir na pele.
Mais do que em qualquer outro disco dos IMMORTAL, aqui sentimos o norte gelado como força mítica e hostil. As paisagens nevadas de Blashyrkh, universo lírico da banda, são menos épicas e mais brutais, aqui despojadas de qualquer romantismo. A neve não é beleza, é só destruição. O gelo não é pureza, é morte certa. O som capta tudo isto, como se estivéssemos presos num vendaval.
Verdade seja dita, o black metal nunca foi feito para soar bem. A sua missão era (e é) provocar, perturbar, colocar o ouvinte fora de pé. Essa lógica está na base de discos como «Transilvanian Hunger», «Nattens Madrigal» ou «In The Nightside Eclipse», cada um à sua maneira desafiando convenções de composição e produção. O «Battles In The North» pertence a esse grupo: álbuns que parecem repelir o ouvinte, mas que, com tempo, se revelam experiências únicas e transformadoras.
Ao fim de 30 anos, o «Battles In The North» mantém essa força. Continua a dividir, continua a intrigar, continua a ser difícil. Mas também continua a ser um testamento vibrante da criatividade que nasce do excesso — uma qualidade que o black metal nunca perdeu, mesmo depois de décadas de evolução. A arte, por vezes, nasce precisamente da recusa em seguir regras. E quando funciona, como no caso deste terceiro álbum dos IMMORTAL, o resultado é algo que resiste ao tempo, ao gosto e à lógica.
