Quando o JCS me pediu para escrever a crítica a «Acts Of God», e habituado que estava ao papel, questionei pelo limite de caracteres. Respondeu que, online, seria “muito mais à vontade” mas também me alertou: “se bem que é de evitar uma tese de mestrado sobre os Immolation”. Portanto foi precisamente uma tese que escrevi. Depois de cinco anos de silêncio editorial, e porque não vale a pena acelerar processos mas sim refiná-los, os Immolation regressam em 2022 com este «Acts of God». Considerando que a banda nova-iorquina está em actividade desde 1986 (durante dois anos com a designação Rigor Mortis), não se pode dizer que, com onze álbuns, sejam das mais produtivas mas são, sem dúvida alguma, das mais consistentes. E essa consistência assenta em cinco pontos essenciais:
- Constância – Ainda que espaçada no tempo e fora da lógica editorial actual (aquela patranha do disco / ano e meio de estrada / novo disco), normalmente temos um álbum novo a cada três anos, e dado que agora houve uma pandemia pelo meio, até nem se pode dizer que tenha demorado muito;
- Personalidade – É uma das bandas com uma sonoridade mais facilmente identificável do death metal, e pela positiva. Todos os elementos da sua música: voz, componente rítmica e o intricado trabalho de guitarra, dos riffs aos solos, são únicos e imediatamente reconhecíveis;
- Qualidade – Embora possa parecer ser uma característica subjectiva, os Immolation têm critérios qualitativos elevados que aplicam à sua música, que passam pela escrita nos seus momentos mais primários, como pelos arranjos, execução, produção, conteúdo lírico e tudo o que envolve a realização de um álbum;
- Melhoria contínua – Ao ouvido mais leigo, ou menos versado no death metal, poderá soar tudo ao mesmo, mas é notória uma preocupação artística de evolução na escrita e de refinamento técnico para melhor servir a canção.
- Mestria – quanto a isto não haja dúvida. Os Immolation são mestres naquilo que fazem.
Em «Acts of God» não se encontram diferenças substanciais em relação ao antecessor «Atonement», um dos grandes discos da carreira dos Immolation, ou em relação a qualquer um dos outros, verdade seja dita, e desde que começaram a trabalhar com Paul Orofino (desde 1999, com «Failures for Gods») também em termos de som as diferenças nunca foram drásticas. Porém, dentro da sua matriz de som, os Immolation continuam a explorar possibilidades e atmosferas que demonstram que essa matriz não é tão confinada sobre si mesma quanto poderá parecer à primeira vista.
Desde a sua génese, o death metal enveredou por diferentes tendências estilísticas que vão do mais rápido e técnico ao mais arrastado e primitivo, com todas as variações e elementos adicionais possíveis. Mas há algo que deve ser sempre o foco do criador: boas canções. E tanto nas vertentes mais técnicas como na mais recente tendência de regresso ao old school, isso raramente acontece. Vemo-lo em líderes de tendências, como Gatecreeper ou Grave Miasma (para citar apenas dois exemplos da actualidade), mas na vasta maioria das bandas a composição consiste apenas em juntar a parte A com a B e depois a C que tinha sobrado de outra canção, ou qualquer outra possível equação de sequências coladas a cuspo (ou gosma). Serve esta dissertação para sublinhar a capacidade dos Immolation, e em particular do seu principal compositor, Bob Vigna, em escrever canções. Cada composição tem uma lógica interna própria, com as suas diferentes partes e secções a terem um encadeamento que ora soa natural, ora serve de ruptura com o anterior para enfatizar o efeito dramático pretendido ou criar surpresa. Vigna dota as canções de uma lógica narrativa e com suficientes traços identitários que as distinguem entre si mas com um fio condutor que as atravessa. A própria sequência de temas é pensada ao pormenor e a longa duração deste disco (52 minutos divididos em quinze canções) nunca funciona em seu desfavor.
Dito isto, poderá parecer injusto destacar temas neste álbum, e os primeiros singles de avanço, «Apostle» e «The Age Of No Light», seriam indubitavelmente pontos altos caso os restantes lhes fossem de algo devedores. Não o são. Mas a sequência entre «Immoral Stain» e «Incineration Procession» é particularmente bem conseguida, por atingir espectros melódicos e atmosféricos tão abrangentes e que sumarizam bem o todo que é este disco. Também no artwork, cujas composições digitais tanto deixavam a desejar (especialmente «Majesty And Decay» e «Kingdom Of Conspiracy»), testemunhamos uma preocupação estética acrescida, e a pintura de Eliran Kantor, sozinha, já valeria o preço da edição em vinil.
Em jeito de conclusão, poderia referir-se que dificilmente haverá melhor disco de death metal em 2022 ou outro lugar-comum do género, mas além de não fazer sentido hierarquizar lançamentos, os Immolation, pela sua grandeza, já deviam estar numa categoria própria. Se ainda não o sabes, já vai sendo tempo. [9]