Terceiro dia seguido em que a LOUD! esteve presente no RCA Club e o último era mesmo para arrasar tudo. A segunda edição do HAMMER SMASHED FEST teve um parto complicado e só à terceira é que se materializou – depois do cancelamento em 2020 e no passado 4 de Dezembro de 2021. Pela primeira vez a realizar-se no RCA, a escolha não poderia ter sido melhor e mais ajustada a nível de condições para a celebração da música extrema – em grande parte nacional, sendo apenas os noruegueses DISKORD a excepção que comprova a regra. E como já vamos demonstrar, valores de relevo não faltam ao nosso underground. A estrear o dia, às três horas da tarde em ponto, os VØIDWOMB abriram o certame com o seu death/black metal frio mas poderoso. O EP «Altars of Cosmic Devotion» foi um dos lançamentos memoráveis do ano anterior e em palco o que fizeram só fez com que as boas impressões se mantivessem. Aliás, o impacto é superior do que aquele que têm disco. Além de se focar no atrás referido EP, a banda também levantou um pouco o véu em relação ao futuro, tocando alguns temas novos, sendo um dos que mais destacou foi a “Vessel”.
Os BAS ROTTEN já dispensam apresentações. Com um álbum de estreia que foi um dos melhores lançamentos de 2020, a banda ao vivo é ainda mais trituradora e massacrante. As micro descargas de grind/crust remetem-nos para os nomes mais emblemáticos dos estilos e que impedem que qualquer ser humano fique parado – não está cientificamente provado mas é quase tão certo como se estivesse. O que ajudou a que este impacto fosse tão enorme foi a qualidade do som que estava a beirar a perfeição, com todos os detalhes a salientarem-se. Assim como a rodagem e coesão da banda apesar do aparente caos que a actuação da banda poderá aparentar. Previsivelmente um dos pontos altos do festival.
Muita curiosidade para ver os NAGASAKI SUNRISE, recente projecto com membros dos Midnight Priest e que lançou em Setembro passado o seu álbum de estreia «Distalgia» e que é dono de uma sonoridade de thrash/speed metal apunkalhada que causou sensação no underground. Ao vivo a reacção não foi menor, com o público em plena animação em frente ao palco. Cru e corrosivo, o som mais primitivo (primal?) da música pesada numa actuação sem falhas, tirando um breve problema com o amplificador de Iron Fist Nagasaki que foi prontamente resolvido.
Os VAI-TE FODER podem ter apenas dois álbuns mas já são há muito tempo uma referência no grind/crust nacional. Potência vocal dupla e a corrosão dos já clássicos returadis dos álbuns lançados mas também hipótese de ouvir temas novos do split EP com Dokuga lançado em 2020 apenas digitalmente. «Morto Pelo Trabalho» e «Micoses Políticas». Obviamente que «Poço» seria um tema incontornável e foi natural o fechar com chave d’ouro um concerto intenso e bastante apreciado pelo público com muito mosh e movimentações. Haverá melhor forma de manifestar a sua apreciação?
As pausas, a partir deste momento em diante, foram usadas pelo público sair do recinto e ir comer qualquer coisa, o que fez com que o início das actuações tivesse menos público, situação que ia sendo resolvida conforme o tempo ia passado. Foi o que aconteceu com os BLEEDING DISPLAY, uma das referências do death metal nacional que se lançar o novo álbum agora em 2022, mantém a tradição de edição a cada oito anos. A dar o cheirinho do que vem aí foram apresentados dois temas novos, «Night Stalker» e «Hungry Beast» que asseguram que a qualidade e intensidade vão manter-se elevadas. Sérgio Afonso, excelente exemplo daquilo que um frontman deve ser, convidou a organização do HAMMER SMASHED FEST a subir ao palco para anunciar o tema que seria um dos últimos. Samuel Garganta atendeu ao chamado e anunciou o clássico «Hammer Smashed Face» dos Cannibal Corpse que deveria ter sido o ponto final mas que antecedeu mais um tema antes de dar por terminado mais um dos pontos altos do festival.
Outro exemplo de perseverança no metal extremo nacional são os DEAD MEAT que são mestres de brutal death metal. Ao trio base composto pelo vocalista Dinis Gonçalves e pelos guitarristas Josen e João Jacinto (com turno duplo, já que faz parte dos BLEEDING DISPLAY) foi acrescentada a mestria de Rolando Barros (Grog) na baterial. Mais uma vez teremos que referir a qualidade do som que fez com que temas como «I’m The Reaper» e «Good Clean Cut» soassem bem potentes. Vários momentos diferentes carreira da banda de Castelo Branco marcaram presença mas o natural foco foi o mais recente EP, «Unleash The Gore», num alinhamento que provocou a festa desenfreada no público. Tal como seria suposto.
Do death metal para o grind/crust, os SIMBIOSE! Crust fodido não é um adjectivo que deva ser usado de forma leviana mas ainda é a melhor forma de descrever desta banda clássica da música extrema portuguesa. Eles encerraram o contingente nacional da melhor forma, com a festa crust habitual. Festa que o público em frente ao palco fez questão de participar com constantes rodopios. A celebração de uma carreira já longa e cheia de pontos altos é impossível de concentrar todos os temas de valor, mas ninguém ficou insatisfeito com o que foi apresentado embora de certeza que era opinião geral de que se tocassem o dobro do tempo, ninguém ficaria triste com isso. Muito pelo contrário. A tornar ainda mais especial a actuação, nada como apresentar temas novos ainda para mais com a participação de Marcus Veiga (aka Sette Sujidade dos Scúru Fitchádu) ou ainda o regresso ainda que momentâneo de Hugo Rebelo, ele que fez parceria vocal com Johnie nos tempos em que a banda tinha dois vocalistas. Grindalhada/crust cuspida com corrosão, tal como os tempos o exigem.
Já na recta final, deu ideia que algum do público saiu antes do término mas ainda assim os DISKORD estrearam-se em Lisboa para uma sala bem composta. O power trio norueguês não é dos nomes mais sonantes do death metal e até se pode ficar na dúvida se não terá sido um erro de casting no alinhamento ou na posição no cartaz. Com uma sonoridade mais técnica (em comparação com todas as bandas que os antecederam), a sua actuação convidou os espectadores a assistirem em modo de contemplação aos intrincados e complexos temas que foram escolhidos entre os três álbuns editados até ao momento assim como do EP «Oscillations». Impressionou o facto de todos cantarem – ainda que não houvesse muitas diferenças de voz para voz – mas ser o baterista quem mais intervinha nesse papel. Impressionou também o cello eléctrico de Eyvind Wærsted Axelsen, usado algumas vezes, fazendo da sonoridade da banda ainda mais invulgar mas sem dúvida interessante.
Uma longa maratona de música extrema e mais um passo seguro dado em direcção a uma normalidade que será sempre relativa. Importante salientar a perseverança da organização do HAMMER SMASHED FEST que não desanimou nem desistiu enquanto esta segunda edição não se realizasse e que o fruto disso é mesmo ter elevado a fasquia consideravelmente para o futuro. O que não deixa de ser uma valiosa lição para nós todos.
(Fotos: Sónia Ferreira)